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-Acorda, dorminhoca – diz Dinah. Abro um olho. Ela está usando um pijama de
flanela, o cabelo preso num minirrabo de cavalo, e não parece nem um pouco de
ressaca. Há um chupão óbvio no seu pescoço, que espero que ela cubra antes de
encontrar os pais. Está sentada de pernas cruzadas na beira da sua cama, onde

parece que eu dormi, ainda que não me lembre de como cheguei aqui. Estende

um copo d'água para mim.

– Por favor, diga que você não pegou o Joe.

– Eca! Não, claro que não.– A minha cabeça lateja, uma dor que se irradia de dentro para fora, como se
o meu cérebro estivesse apodrecendo. Eu me sento e volto a me deitar em
seguida. Depressa demais. Muitíssimo depressa.

– Bom, eu estava pensando em voltar antes.

As palavras saem antes que eu pense direito. Simplesmente não consigo ficar

perto da Dinah nesse clima. Imagino que esta seja a sensação de quando a
gente termina com alguém.

– Não. C. Sério. Assim, não.

– Não sei por que você me odeia tanto.

Meus olhos estão fechados, então é mais fácil dizer as palavras, jogá-las
direto no escuro. Devo ter esgotado todas as minhas lágrimas ontem à noite,
porque nenhuma sai agora. Só o que surge é um sentimento de perda avassalador.

– Não odeio você. – Dinah se arrasta pela cama, e agora está sentada perto de
mim com o braço em volta do meu ombro. – Meu Deus, você está fedendo!
Começo a rir.

– Muito obrigada. Eu vomitei.

– Fala sério!

– Dinah...

– Não odeio você. – Ela faz uma pausa. Procura as palavras. – Mas você foi
embora. Não eu. Foi você quem foi embora.

Olho pela janela, atrás da cabeça da Dinah, e vejo que as árvores já estão
quase desfolhadas apesar de ainda ser outono. As folhas caíram, uma a uma,
deixando os galhos nus e desprotegidos no frio. Tremo e puxo o cobertor.

– Isso não é justo. Eu não queria ir. Você sabe.

– Mas você mal perguntou como eu fiquei. Você não foi simplesmente
embora, você... sabe, foi embora.

– Eu só... acho que presumi que você ficou na mesma. Tem tanta coisa
acontecendo comigo! Eu queria te contar tudo sobre a minha vida. É isso que a
gente faz – digo, e agora começa um tremor familiar no meu lábio inferior.

Pode ser que ela esteja certa e eu, errada, e tudo seja minha culpa. Dinah, meu pai, AN e logo Ally. Até a minha mãe, de algum modo estranho e cósmico.

Talvez as narcisistas autocentradas como eu não mereçam ter mães.

– Você sabe como tem sido difícil pra mim? Acha que eu queria ser amiga da
Deena? Quando você foi embora eu fiquei sem ninguém. Ninguém – conta Dinah.

– Você nem perguntou... tipo, sei lá. Nada.

– Desculpe. Você está certa. Eu estava com a cabeça cheia.

– E me sinto mal por ter ficado com raiva de você, porque tipo... a sua mãe
morreu, aí você precisou se mudar e morar com a nova família maligna. Eles
não parecem tão ruins, aliás. Mas ainda preciso da minha melhor amiga, sabe?

Nem tudo gira em torno de você.

Dinah se dobra ao meio e começa a chorar com tanta intensidade que o seu

3 Coisas Sobre VocêOnde histórias criam vida. Descubra agora