capítulo 18

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AN: três coisas: (1) comi um waffle hoje de manhã em sua homenagem. (2) quando me formar, quero mesmo esfacelar o setor de bebidas. estou falando de água, café, chá, suco, refrigerante e alguns híbridos esquisitos. PODEMOS
FAZER COISA MELHOR. (3) eu sonhava com a minha irmã o tempo todo e acordava suada e tremendo e era uma merda, mas agora não sonho com ela nunca. e isso é pior.

Eu: (1) Também não sonho mais com a minha mãe, mas às vezes esqueço
totalmente que ela morreu. Penso: ah, ela vai adorar essa história, vou contar a ela quando chegar em casa. E aí me lembro de tudo de novo. Isso é o pior.
(2) Não comi waffle hoje de manhã. Comi uma espécie de granola orgânica de brotos de trigo, que a minha madrasta adora, e mesmo sendo deliciosa eu ainda não tenho ideia do que é um broto de trigo. (3) Nunca usei a palavra "esfacelar" com relação a setor nenhum. O que isso significa? Tem certeza de que você tem 16 anos?

AN: 17, na verdade.

e aqui vai a minha ideia de um bilhão de dólares: suco de broto de trigo!

Eu: Você é tão Wood Valley ! O quê? Uma ideia de um MILHÃO de dólares
não bastava?

Depois do colégio vou direto para o trabalho. Não estou evitando ir para casa.
Não mesmo. Mas e se as minhas coisas já tiverem sido de novo guardadas nas minhas bolsas de lona – Glória faria isso com cuidado e respeito, demoraria dobrando os meus sutiãs, colocando o xampu em pequenos frascos – e todo o experimento Rachel-Papai tenha acabado, assim, de uma hora para outra? Puf.
O que vai acontecer comigo?
No café da manhã eu era a única sentada à mesa, e quando o Theo foi à
cozinha pegar um suco, simplesmente levantou uma sobrancelha e deu de
ombros. Parece que ele está tão no escuro quanto eu. Alguns minutos depois a Rachel entrou e fez aquela sua coisa de gente ocupada, falando alto para ninguém em particular, ou talvez para si mesma, rodopiando com energia nervosa e perguntas retóricas.
– Café! Onde está o café? – perguntou, apesar de ele estar exatamente no
lugar de sempre: na cafeteira, feito por Glória ou por um programa automático de manhã cedo, não sei qual dos dois, mas aposto na primeira opção. Glória é incrível para fazer coisas sem que a gente a veja, e também para fazer todas as
coisas das quais você nem sabia que precisava. Se tivermos que ir embora, vou admitir: Glória talvez seja a pessoa de quem vou sentir mais falta. Ela me chama de Mila, deixa os meus pijamas dobrados embaixo do travesseiro e insiste em
que eu coma barras de chocolate com cálcio. – E as chaves. Onde estão vocês, chaves? Na minha bolsa. Droga, onde está a minha bolsa?
Como todos os pertences da Rachel, aparentemente o meu pai também
estava desaparecido, e por um segundo fiquei em pânico imaginando que ele teria ido embora sem mim, voltado para o leste. Quando a pior coisa que você poderia imaginar acontece, você acha que todas as outras coisas antes
inconcebivelmente ruins também podem acontecer. Mas de jeito nenhum ele me abandonaria. Claro, nunca achei que ele mentiria sobre uma convenção e voltaria para Chicago casado de novo, em vez de cheio de amostras para dar aos
amigos de meia-idade, como uma pessoa normal, mas enfim. Sem contar com os últimos meses, ele tem sido um bom pai.

– Óculos escuros? – perguntou Rachel, o que me fez perceber como ela devia estar abalada com a briga da noite anterior, porque começou a dar tapinhas nas bancadas brancas vazias, como se os óculos fossem aparecer do nada.
Os óculos escuros não costumam fazer parte do seu monólogo matinal.
– Na sua cabeça – falei.
E então ela deu um pulinho e me olhou, como se a minha voz a tivesse
pegado de surpresa e só agora ela notasse que eu estava sentada ali. Por um momento pareceu triste, ou desapontada. Mas depois tirou os óculos da cabeça e os apoiou no nariz, e assim a maior parte do seu rosto ficou coberta e eu não pude
decifrá-la.

[...]
O Liam está sentado em cima da mesa quando chego ao trabalho, tocando violão e cantando para uma plateia composta por ninguém. Por acaso eu estava certa: a Atenção, Lombadas! não tem uma clientela grande. Apenas alguns poucos fregueses regulares, um cara que folheia livros na seção de autoajuda mas nunca compra, e praticamente só isso.
– Imagine, é? – pergunto. – Um clássico.
Fico surpresa com a voz do Liam. É suave, séria, quase doce. Ele parece
diferente com um violão. A paixonite da Ally faz todo sentido.

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