Capítulo 2

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De algum modo deparei com a Única Coisa Que Não Pode Ser Achada no
Google: Quem é AN?

Uma semana depois de receber os emails misteriosos ainda não tenho a menor ideia. O problema é que eu gosto de saber das coisas.
De preferência antes, com tempo suficiente para me preparar.
Sem dúvida a única opção viável para resolver essa droga de mistério é
bancar o Sherlock.

Vamos começar com o Dia 1, aquele terrível primeiro dia no colégio, que foi uma bosta, mas, para ser justa, provavelmente não foi mais bosta do que todos os dias desde a morte da minha mãe. Porque a verdade é que ela continuou morta todos os dias depois que morreu. Ponto. E todos foram uma bosta. O tempo não
cura todas as feridas, não importa quantos cartões de pêsames rabiscados às Pressas por parentes distantes jurem que isso seja verdade.

Mas imagino que naquele primeiro dia tenha havido algum momento em que eu emiti vibrações de socorro suficientes para AN me notar. Algum momento em que todo o negócio
de minha vida é uma bosta ficou visível.
Só que descobrir isso não é tão simples, porque aquele dia teve uma
infinidade de momentos constrangedores. Para começo de conversa, cheguei atrasada por culpa do Theo. Theo é o meu novo meio-irmão. Ele é filho da nova
mulher do meu pai e, oba!, também está no primeiro ano do ensino médio, mas resolveu lidar com toda essa dinâmica de família misturada fingindo que eu não existo. Por algum motivo, fui idiota a ponto de presumir que, como morávamos na mesma casa e frequentaríamos o mesmo colégio, iríamos de carro juntos.

Nada disso.

Acontece que a camiseta de SALVE O PLANETA do Theo é só para ser exibida, e, claro, ele não precisa preocupar aquela linda cabecinha com coisas insignificantes como, você sabe, dividir o dinheiro da gasolina. A mãe dele dirige uma grande empresa de marketing cinematográfico, e a casa deles (sei que moro lá agora, mas de jeito nenhum aquela é minha casa) tem até biblioteca.

Só que, claro, ela é cheia de filmes, não livros, porque... Los Angeles. E assim acabei indo no meu carro para a escola e ficando engarrafada num trânsito terrível.

Quando finalmente cheguei ao colégio Wood Valley - passei pelo portão
intimidador, encontrei uma vaga no enorme estacionamento cheio de carros de luxo e fui andando pelo longo caminho até a entrada -, a secretária na entrada pediu que eu me juntasse a um grupo de alunos sentados de pernas cruzadas na
grama. Como se aquilo fosse um retiro espiritual ou algo assim, pois além de tudo havia alguns estojos de violão espalhados.

Pelo visto isso pode acontecer em Los
Angeles: aula ao ar livre num gramado impossivelmente verde em setembro, com as costas apoiadas em árvores floridas. Eu já estava desconfortável e suando na minha calça jeans escura, tentando afastar o nervosismo e a minha fúria no caminho até ali. Todas as outras garotas aparentemente tinham recebido um memorando para o primeiro dia de aula: vestidos fresquinhos em cores suaves e tecidos delicados que pendiam dos ombros minúsculos em alças mais
minúsculas ainda.
Até agora essa é a diferença número um entre Los Angeles e Chicago: todas
as garotas aqui são magras e vivem seminuas.
A aula já estava a pleno vapor e eu fiquei sem graça ali, parada, tentando
arrumar um jeito de entrar no círculo. Aparentemente eles estavam contando em sentido horário o que tinham feito nas férias de verão.

Enfim me acomodei atrás de dois caras altos, com esperança de que eles já tivessem falado e que eu
pudesse passar despercebida.
Mas, claro, escolhi errado.

- Ei, pessoal. Sou o Caleb - disse o cara bem à minha frente, de um jeito
autoritário que fez parecer que ele presumia que todos já o conheciam. Gostei da voz dele: confiante. Caleb estava tão seguro do seu lugar quanto eu estava insegura do meu. - Fui à Tanzânia nesse verão, e achei muito legal. Primeiro a minha família e eu escalamos o Kilimanjaro, e as minhas pernas ficaram doloridos durante semanas. Depois eu me ofereci como voluntário para construir uma escola numa aldeia rural. Então, sabe, eu fiz a minha parte. No geral, foi um
verão fantástico, mas estou feliz em voltar pra casa. Senti muita falta de comida mexicana.
Comecei a bater palmas quando ele terminou - o cara escalou o Kilimanjaro e construiu uma escola, pelo amor de Deus, claro que deveríamos aplaudir -, mas parei assim que percebi que fui a única. Caleb estava usando uma camiseta
cinza simples e calça jeans de grife, e era bonito de um jeito que não intimidava, as feições suaves a ponto de ser o tipo de cara com quem eu poderia, quem sabe,
talvez... certo, provavelmente não, namorar. Não era nada alcançável, não, nem um pouco, era gato demais para mim, mas a fantasia não era tão ultrajante a ponto de eu não poder curti-la só por um mísero segundo.
O cara descabelado, sentado bem à minha frente, foi o próximo, e ele
também era bonito, quase tanto quanto o amigo.
Humm. Talvez eu me surpreendesse e acabasse gostando daqui, afinal. Teria
uma ótima vida de fantasia, ainda que não uma vida real.

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