Enrolo mais uma pequena porção do macarrão e levo à boquinha minúscula da Kylie que já se encontra aberta e com os olhinhos arregalados, louca por mais uma porção da massa. Ela adora.
Há um tempo atrás Dorotéia e eu chegamos a conclusão que a melhor forma de alimentar Kylie com macarrão, – e a maioria das outras comidas também – era usando Hachi. A colher nunca pegava a quantidade ideal da massa e com o garfo é perigoso demais. Ela fica muito agitada na hora das refeições.
Alimentar a pequena no princípio não era minha função, mas com o tempo, fui criando um laço de amizade com a família e me encantei por essa coisinha fofa, agora faço de bom grado. Até me ofereço, já que Dorothy optou por não ter babá e cuidar da filha por conta própria.
Ela já engoliu e espera ansiosa por mais um pouco. Sorrio, levando o hachi outra vez com macarrão em sua boca.
- Júlia - Dorotéia, minha chefe e amiga, fala enquanto ajuda a cozinheira a terminar de colocar a mesa -. O Derick chega hoje, como já bem deve saber.
Ela havia que falado sobre a chegada do irmão da África e que o mesmo pode ser um pouco... Arisco, às vezes. Ele passou os últimos cincos anos lá e resolveu voltar a cuidar do negócios de perto aqui nos Estados Unidos.
- Lembro tudo o que me disse... E que é bom eu evitar contato visual - não nego que acho essa medida um tanto quanto absurda, mas ela o conhece melhor do que eu, então não vou me opor.
- Ele disse que iria chegar para o almoço, mas ele nunca chega na hora, então... - é interrompida pelo tilintar da campainha - Oh céus! - arregala os olhos com tanta força que por uma fração de segundos acreditei que cairiam das órbitas. Então sai correndo da sala de jantar.
Nunca a vi tão tensa. E pelo seu padrão de comportamento, dá a entender que eu poderia estar envolvida no motivo do nervosismo com a chegada do irmão, mas não faz sentido algum, nem o conheço.
O senhor Kenner Attah, marido de Dorotéia entra na sala de jantar e olha em volta.
- Ela foi atender a porta, senhor - informo.
- Ainda acredito que seria melhor ela ter te dispensado por hoje. Derick pode criar muita tensão com você aqui - ele dá um beijo na Kylie e se mantém de pé perto de nós. Faço uma careta com seu comentário.
- Olha, estou começando a ficar assustada - rebato -. Me fala logo o motivo pra tanta precaução, senhor Attah.
Ele suspira.
- Bom, o Derick é...
- Aí está você! - uma voz masculina e animada chega na copa antes do próprio, que ao entrar, abre um sorriso e um abraço para o senhor Kenner, que também está sorrindo e empolgado com o reencontro do cunhado.
E eu? Bom... Paro um segundo a refeição da Kylie para analisá-lo.
Derick é alto e musculoso, muito musculoso. O perfume que o acompanha é inebriante e seus lábios cheios chega a ser afrodisíaco de se olhar. A postura imponente e as passadas firmes deixa claro seu empoderamento. E a camisa de tecido leve que ele usa cria uma sutil fantasia de como a mesma contornaria seu abdômen caso ele derrame um copo d'água sobre si.
- Minha sobrinha? - ele olha para a pequena na banqueta, ainda não notou minha presença aqui, se notou, não demonstrou. Ele vem até a Kylie, se curva e dá um beijo em sua cabeça, logo um cheiro no pescocinho dela - Eu trouxe um presente para você - fala antes de se levantar.
Então ele finalmente olha para mim, fixa o olhar nos meus e não se move por um instante. Eu, mesmo acoada, me mantendo como estou. A tensão na sala é totalmente perceptível e eu não sei o que fazer. Senhor Derick Azikiwe não é só alto, é totalmente grande, seu olhar também carrega uma total imposição de autoridade. Ele é um homem lindo e notável qualquer um pode perceber isso. Mas além de todas essas coisas, ele me dá medo.
Me olha de cima abaixo, seu rosto parece uma pedra de gelo: frio e sem expressão.
- Gostei de ver - ele fala por fim levantando um dos lados dos lábios em um meio sorriso - contrataram uma empregada branca. Espero que essas mãozinhas efêmeras aguente o trabalho firme. Como nós aguentamos por tantas gerações.
Só de ouvir sua voz se tratando de mim já sobe um sentimento ruim pelo meu corpo. E entender o que ele quis dizer só me causou mais desconforto.
Era isso que o senhor Kenner ia me dizer? Que ele não gosta dos brancos? Agora sei mais do que nunca que essa convivência não será agradável para mim, mas eu preciso aguentar firme.
Pelo meu filho.
- O jantar já está pronto! - Dorotéia entra na sala rapidamente, quase que um anjo alado me salvando de um bruxo de gelo.
A atenção passa então a ser totalmente voltada para ela.
- O mordomo já levou suas malas, irmão. E já estão trazendo nossa refeição - ela completa nervosa e sentando-se a mesa, todos a acompanham - Júlia! - me chama na intensão concluir o anúncio - Pode levar Kylie para o quarto e banha-la. Logo eu subo e a coloco para dormir, está bem?
Apenas aceno e sorrio, pegando a pequena no colo e sentindo seu cheirinho de beb... Ops, não é mais tão de bebê assim. Alguém precisa trocar a frauda.
Finalmente me encontro no fim do expediente e não vi mais o senhor Derick. Suspiro aliviada por isso.
Estou caminhando até o quarto da Dorothy para avisar que já vou, mas ao me aproximar do patente, ouço ela e Kenner em um diálogo.
- Pensei que ele seria pior com ela - Kenner tenta tranquilizar a esposa.
- Ainda assim não é bom para ela! Júlia é a minha melhor amiga, mas Derick é o meu irmão. Só queria que de alguma forma a convivência fique agradável entre todos. E nem posso mandá-lo se mudar já que a casa é dele. Inferno!
- Amor, me parece que Derick está mais preocupado em ignorar ela do que implicar.
- Até quando? Conheço meu irmão! Ele não vai manter esse padrão de comportamento por muito tempo. Logo logo ele acha um meio de implicar com ela e...
Ela para a fala ao perceber que estou ali.
- Júlia...
- Oi - digo com simpatia, tentando disfarçar que escutei a maior parte -. Só vim avisar que já estou de saída e perguntar se precisam de alguma coisa - torço as mãos nervosa, tenho essa mania quando tento disfarçar algo.
- Eu também estou de saída, amiga - se levanta da cama - te dou uma carona até em casa.
Agradeço e vou até às escadas para esperá-la no hall da mansão.
Bom... Eu estava feliz por ter dado tudo certo com o senhor Derick, mas depois de ouvi-los, parece que meu pesadelo só começou.
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Chefe Cretino
RomanceApesar de ter cometido erros na vida, Júlia Conor nunca deixou de dar o seu melhor e buscar condições genuínas para si, e sempre de forma honesta. Mesmo que para isso tenha que lidar com pessoas que a provoquem dores de cabeça. O rancoroso e racista...