A Liberdade Merecida

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Antes de continuar, peguem seus lencinhos 🤧

No domingo de manhã eu acordo bem cedo. Troco de roupa e arrumo minha cama, preparo o café da manhã e ponho a mesa para Jodi. Não tenho fome então apenas bebo um copo de suco e vou até a sala, paro diante do rack e pego a urna com as cinzas da minha mãe, deixando o apartamento, partindo ao meu destino de hoje.

Minha mãe passou a vida toda presa na heroína, algo que a consumiu. Jodi tem razão, as cinzas dela tem que ser jogadas em um lugar legal. Poderia trazer minha irmã comigo, mas o senhor Kenner também tem razão. Minha mãe só tinha a mim, nesse momento serei apenas eu e ela novamente, e quando eu terminar, será ela e a liberdade.

EastBank Esplanade é uma via de pedestres e bicicletas ao longo da costa leste de Portland. Uma linda passagem sobre o mar.

Por que eu decidi jogá-la no mar? Respondo isso com outra pergunta: E existe outro lugar no planeta mais livre? Essas águas vão onde querem pelo mundo inteiro.

Sorrateiramente me aproximo da margem, passo alguns segundos observando o cintilar dos raios solares da manhã sobre a água, ouvir o som do oceano é tão gostoso, o cheiro refrescante e salgado...

Lembro-me até da música do filme Moana. E de quando assisti com Jodi pela primeira vez, minha mãe não estava lá com a gente, mas uma coisa é certa: aquele filme descreve o mar como ninguém, e para lá que minha mãe vai. Decido cantar alguma estrofe:

- Meus pés deslizam na água, adoro seu vai e vem, a água faz só o que quer... Não liga pra mais ninguém... - interrompo a cantoria ao sentir a primeira lágrima deixar meus olhos é a primeira vez que eu choro por ela.

Ponho a mão sobre a tampa da urna e desenrosco o pote, me sento na beirada e estendo os braços, virando tudo na direção do mar. O vento sopra algumas partes das cinzas para cima, mas tudo bem, o ar possui tanta liberdade quanto.

- Adeus, mamãe - coloco a mão sobre minha barriga -. Adeus, filho.

Longos minutos se passaram, talvez horas. Continuo sentada no mesmo lugar, abracei minhas pernas e apoiei o queixo no joelho e assim permaneci. Sinto-me mais relaxada e tranquila... Até ouvir aquela voz:

- Ei, branquinha - era ele. O reconheço de qualquer lugar. Até sem olhá-lo. O cheiro, a voz, sua sombra... Sua presença... É inconfundível!

Levando a cabeça e olho para trás, ele está alí parado com as mãos nos bolsos, me observando.

- Já pode passear assim? - digo sem humor algum, nem ao menos sorrio ou respondo seu cumprimento. Viro a cabeça de novo na direção do mar.

- A fisioterapia foi intensa. Já posso começar a sair sim - ele me diz.

- Hum - desde que Penélope apareceu, eu não fui mais lá, eu sabia que havia iniciado a fisioterapia, assim como também sabia que era melhor ficar longe.

Ele percebeu que eu não vou dizer mais nada, então continua:

- Eu soube sobre o que aconteceu - diz com cuidado -. Posso sentar?

- Fica a vontade, mas não serei uma boa companhia hoje, já aviso.

- Eu nunca fui uma boa companhia para ninguém. Mas todos temos nossos dias ruins.

- É...

Ele suspira, tomando coragem para me dizer o vem a seguir:

- Eu sei o que você tá passando...

- Você sabe como é perder um filho? - digo tão sem ânimo que soou até caçoísta.

- Na verdade, eu sei sim.

Chefe Cretino Onde histórias criam vida. Descubra agora