Docas

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Já é dia, a noite foi difícil. Não consegui dormir. Mas tenho esperança de que os exercícios que o psicólogo do senhor Kenner passou me ajude. No início é difícil mesmo, contudo espero de verdade que melhore com o tempo, eu preciso. Comecei meu trabalho cedo já que não adianta ficar na cama. O sono não vai vir. Estou ajudando a cozinheira a preparar o café da manhã, pois Kylie só acorda mais tarde.

O senhor Attah sai para sua viagem hoje, um dia após a Dorothy, e está previsto para que chegue dois dias antes dela. Até lá Derick Azikiwe é o meu chefe. E ele nem voltou para casa ontem.

As horas seguintes foram passando comigo totalmente no piloto automático. Senhor Kenner saiu logo após o café da manhã, se despediu de todos e foi com o chofer para o aeroporto. Agora o sol já está se pondo e se me perguntarem o que fiz o dia todo, não sou capa de listar algo. Brinco com a Kylie no tapete do seu quarto, mas de alguma forma minha mente não está completamente focada aqui e estranhamente me pego pensando no senhor Derick. Não o vi em canto nenhum hoje.

- Aí está você!

Falando no diabo...

- Precisa de algo, senhor Azikiwe? - indago enquanto me levanto e viro para olhá-lo.

- Já que vou ter que aturar você, então vamos dar uma volta. Vista a Kylie. Roupa quente, pois vamos passar nas docas. Você tem meia hora para me encontrar no hall - vai embora do quarto como um furacão, fazendo-me perguntar se Dorotéia sabe desse passeio.

- Vamos, querida - falo com a bebê estendendo os braços e pregando-a do chão, ela tomou banho a pouco então não só preciso trocar sua roupa.

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Torço minhas mãos nervosa o caminho inteiro, mas ao pararmos no estacionamento de um lugar que eu conheço, deixo que ficar nervosa para ficar confusa. É a clínica pediátrica que Kylie faz as consultas de rotina.

- Dorotéia não deixou nada sobre Kylie consultar no itinerário - olho confusa para o senhor Derick.

- Trata minha irmã pelo primeiro nome, é? - ele me olha com uma das sobrancelhas levantadas, já percebi que esse é um hábito entre os irmãos. Em resposta, aceno positivo com a cabeça - Ela anda ocupada com a semana de moda, esqueceu. A secretária da clínica me ligou hoje confirmando a consulta. O médico vai mandar o relatório para ela depois por e-mail.

- Entendo. O senhor vai esperar a gente?

- Eu já estou aqui, não estou?

- Claro - comento baixo, nem me permito ficar constrangida, grosseria é algo corriqueiro vindo dele. Saio do carro, abrindo a porta de trás para pegar a bebê da cadeira. Só não entendo porque foi ele quem nos trouxe, poderia ter sido o chofer. Enfim, melhor não aborrecê-lo com mais perguntas. Entretanto uma coisa é certa: Derick é calculista, ele não nos traria aqui sem ter algum interesse nisso. Conseguir informação? Talvez! Ele quer muito que eu vá embora e procurar motivo para isso me parece uma boa justificativa para a carona.

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Saio da clínica e de imediato coloco a Kylie cadeirinha de trás, mas antes que eu desça para passar para o banco da frente, ele diz:

- Fica aí atrás mesmo. Vamos fazer uma parada e minha pasta precisa ficar aqui na frente comigo.

Apenas aceno positivo com a cabeça e me ajeito no banco, colocando o cinto de segurança. Parece que vamos às Docas de Portland.

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Derick desce do carro, me mandando esperar aqui com a Kylie, mesmo morando nessa cidade desde que nasci, nunca vim as docas antes, principalmente na parte obscura. Há uma parte onde começa um carreira de restaurantes, também nunca fui lá porque é muito caro. Mas o que aquela parte tem de inacessível, essa tem de assustadora. Me encolho no banco e ponho uma mão sobre a pequena que dorme ao meu lado, vejo Derick sumir por entre os contêineres.

Acho que o período que esperei aqui nem pisquei, apenas mantive meus olhos arregalados para todos os lados pedindo a Deus que realmente esses vidros escuros não permita alguém nos enxergar aqui dentro. Então ele retorna, traz consigo uma bolsa preta e uma pasta da mesma cor, ambas de couro. Abre o porta malas deixando a bolsa lá dentro e volta para dentro do veículo, colocando a pasta ao seu lado. Ele olha para mim pelo retrovisor, acho que percebe o quanto estou assustada, pois permanece olhando para mim por longos segundos, então liga o carro se segue para casa, tudo sem dizer uma palavra. Deve estar se divertindo com meu medo, mesmo seus olhos demonstrando mais curiosidade.

Quando paramos em frente a mansão Azikiwe, me viro e começo a tirar o cinto de segurança da menina.

- É de quem? - escuto a voz dele a me perguntar, paro por um instante o que estou fazendo e olho para frente, encontrando seus olhos sobre mim mais uma vez através do retrovisor - Seu filho. É de quem?

Agora vamos à busca por motivos para me por na rua, não é, grandão? - penso comigo

- É só meu, senhor Azikiwe - recebo seu sorriso sarcástico.

- Não pensei que fosse dessas, branquinha burra - por mais que o seu comentário me incomode, resolvo ignorar e dá-lo uma resposta mais pessoal, para que não pense que saio dando para todos por aí.

- Eu estava apaixonada, senhor. E cometi um erro. Ele me fez acreditar que estava apaixonado também. Me entreguei a ele confiando num relacionamento que só exista em minha cabeça. Quando ele soube que engravidei, foi embora.

- Qual o nome dele?

- Richard. Richard Bittencourt.

Então ele ri, gargalhando muito alto. Chego a olhar rapidamente para Kylie para ver se não havia acordado.

- O filho do banqueiro? - assinto com a cabeça. Derick ri tanto que posso ver pelo espelho seus olhos lacrimejando, ele puxa um fôlego com dificuldade e continua - Homens como ele não tem relacionamentos com mulheres como você. Pobre. Vocês são apenas uma diversão para nós. Com certeza ele te deu ideia porque você é gostosinha. Não acredito que caiu no papo dele! Se fosse algum outro morto de fome do buraco onde você vive daria para entender, pois seriam dois pobretões, sem interesse. Agora ficar com um milionário? Talvez estava até pensando que iria subir na vida. É mais ingênua do que pensei, burrinha.

Meus olhos também lacrimejaram, mas de tristeza, muita angustia veio em peito de uma vez só. Desvio o olhar do espelho e me concentro em terminar de soltar a Kylie o mais rápido que posso, sentindo o nó em minha garganta só aumentando. Seguro ao máximo minha vontade de chorar. Abraço a pequena e tateio minha mão livre pelo banco, meus olhos marejados já torna minha visão turva, finalmente sinto a alça da bolsa e a pego, abro a porta fugindo de lá o mais rápido possível. Praticamente corro para dentro da mansão, e assim que entro, vou direto para o quarto da menina, coloco-a no berço e sento na poltrona ao lado. Suspiro fundo e cubro meu rosto com as mãos, dando vasão as lágrimas.

Ele cutucou a minha ferida.

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Derick

Só depois que vejo a Júlia entrando na casa com Kylie, me certificando de que estão seguras lá dentro, é que pego o celular e busco o número de Dominique.

- Manda - ele atende.

- Preciso de todas as informações, principalmente os podres, sobre Richard Bittencourt.

- Quer que leve ele para o Casulo também?

- Isso eu decido depois.

Chefe Cretino Onde histórias criam vida. Descubra agora