Capítulo 30

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Quando passamos o portão da academia e estacionamos o carro, saio o mais rápido possível de perto do Max. Antes de partirmos, ele prometeu respeitar o meu espaço e dar-me tempo para pensar e cumpriu. Durante o caminho todo não se ouviu um barulhinho que fosse. O ambiente dentro do carro estava demasiado pesado, mas eu não conseguia mesmo falar com ele. Ia olhando pelo canto do olho para ele, e admito que a sua expressão me partia o coração, mas se ele não está bem, eu muito menos. 
Junto dos meus amigos, seguimos para o campo onde ia decorrer o jogo da equipa B. 
-Então, falaram alguma coisa? - pergunta a Cams baixinho para só eu ouvir. 
-Não é por me atirares para ele que vamos falar mais depressa. 
A Cams segura no meu cotovelo e paramos as duas, enquanto os rapazes continuam o seu caminho.
-Se tu não o deixas aproximar-se de ti para te explicar as coisas, então alguém tem de o fazer. Estás a ser tão teimosinha! 
 Sopro para o ar.
-Não estou a ser teimosa... Só não quero falar nem olhar para ele. Estou no meu direito. 
A Cams dá-se por vencida e antes de continuar a andar diz:
-Só espero que mais tarde não te arrependas. Lembra-te daquilo que te disse hoje na casa de banho. 
E começa a andar. 
As palavras que me disse começam a ressoar-me na cabeça.
"Portanto, não o podes deixar ir embora, porque ele pode ir e não voltar mais."
Eu não quero deixar o Max ir, mas também não quero que me volte a magoar, se ceder. Por isso preciso de espaço e tempo para pensar. Não lhe estou a fazer isto por puro prazer ou vingança, mas sim porque é o que preciso. 
Volto a caminhar para me juntar ao grupo e, pouco depois, chegamos às bancadas. No campo, já as duas equipas aqueciam. Pela primeira vez, íamos ver um dérbi das equipas B. Estava a apreciar a vista que tínhamos para além do campo, juntamente com o entardecer, nem me tinha apercebido que os outros já estavam todos sentados. Mas no meio deles, não via o Max. Olhei em volta e vejo-o lá em baixo, junto ao campo a falar com o treinador da sua "antiga" equipa. De repente, ouço o Duarte chamar por mim e acenando-me para me sentar junto dele. 
-Vês aquele ali, - diz apontando para um dos jogadores a aquecer -É o meu amigo Eduardo. Depois, no fim do jogo, podemos ir ter com ele. 
-Fixe! É ele então que vai subir à equipa principal, certo? 
O Duarte sorri e noto um vislumbre do seu orgulho no amigo. É demasiado ternurento. 
-Sim, ele foi convocado agora pelo novo treinador da equipa. Ele e uns quantos outros colegas. Está super feliz. E eu também. Eu sei o quanto batalhou por isto. E, finalmente, conseguiu. 
Sorrio perante a sua felicidade pelo sucesso do amigo. Mas no momento a seguir o meu sorriso esmorece, quando vejo alguém super alto sentar-se ao meu lado. Estou a olhá-lo, quando ele faz o mesmo. Os nossos olhares cruzam-se, mas eu rapidamente desvio a minha atenção para o campo. Pelo canto do olho vejo que o Duarte o fita. Ele não é parvo e percebe que algo se passa. 
No campo, os jogadores começam a sair e reparo que o amigo do Duarte começa a olhar para as bancadas em nossa busca. Chamo o Duarte e aviso-o. Ele levanta-se e vai até lá abaixo ter com o amigo. A Cammy aproveita e chega-se para o meu lado.
-Olha para aquele gato ali - aponta para um dos jogadores do Benfica, que está junto do Duarte e do Eduardo. 
-O moço é mesmo giro! - digo olhando para ele. 
-Ele está ali a falar com o Duarte e o amiguinho dele - diz mais para si do que para mim.
Conhecendo-a como conheço, está a tramar alguma. Olho para ela e vejo a sua expressão concentrada e pensativa, enquanto olha para os três rapazes. Eu sabia. Está mesmo a tramar algo.
-Já estás a arranjar maneira de saberes mais sobre o moço - ela ri-se. -O que é que estás a pensar fazer? 
-Bem... agora nada, porque o jogo está a começar e eles estão a sair para se irem trocar. Mas acredita que depois vou pôr o meu plano em marcha. 
Rio-me e abano a cabeça. A minha melhor amiga é louca. Quando mete uma coisa na cabeça, leva a sua à avante. É impossível impedi-la. 
O Duarte volta a juntar-se a nós, sentando-se ao lado da Cams e do Lucas, uma vez que a Cams lhe roubou o lugar. 
Pouco depois, os jogadores voltam a entrar em campo, agora equipados e prontos para jogar. Cada um coloca-se na sua metade de campo e na sua respetiva posição e o árbitro apita assinalando o início do jogo. Ao ver o Eduardo no campo, percebo o porquê de o terem chamado para a equipa principal. Para além de quererem apostar mais na formação, o Eduardo é super bom jogador e mexe-se muito bem dentro de campo.
De vez em quando, vou olhando pelo canto do olho para o Max. Está focado no jogo, mas ainda assim apanho-o um par de vezes a olhar-me também. Por vezes, apetece-me acabar com isto tudo, perdoá-lo e voltarmos a estarmos bem, mas ainda estou magoada com o que vi. A Cams tem razão, eu devia dar-lhe a oportunidade de se explicar, mas quando estou frente a frente com ele só consigo ver a cena do balneário e irrito-me ainda mais. 
Volto a minha atenção para o jogo. Está renhido. Ambas as equipas são fortes, ambiciosas e bem constituídas. Estão a dar tudo por tudo. Ao fim da primeira parte, o resultado ainda está zero a zero. Os jogos da equipa B são um pouco mais curtos do que os jogos da equipa principal, porém o intervalo parece que passa a correr. 
Os jogadores voltam a entrar em campo e o jogo recomeça. O Sporting tem estado a atacar e a destacar-se mais que o Benfica nesta segunda parte. A meio da segunda parte o Sporting consegue marcar golo. As pessoas vibram, ainda que não seja tanto como no estádio. Tento festejar euforicamente, mas é um pouco difícil.
Bola ao meio campo e novo início.
De repente começa a dar-me uma vontade enorme de ir à casa de banho. Tento aguentar-me, mas após alguns minutos a vontade é ainda maior. 
-Cams - chamo, ao mesmo tempo que a puxo para mais junto de mim. -Preciso de ir à casinha. 
-Agora? Não consegues mesmo aguentar? Queria acabar de ver o jogo. 
Rio-me.
-O jogo ou o rapazinho? - meto-me com ela. -Deixa, eu desenrasco-me sozinha. 
-Não, espera. Eu vou contigo. 
Ela levanta-se, mas sem desviar o olhar um segundo do campo. Os rapazes apercebem-se do nosso movimento e começam a olhar para nós.
-Onde vão? - pergunta o Lucas.
-A Cammy precisa de ir à casa de banho - diz a Cams quase a gritar. 
-Obrigada Cams! Agora todos sabem onde preciso de ir. 
Os rapazes riem-se. 
-Alguém sabe onde é a casa de banho? - pergunta.
-Não fazemos a mínima ideia - responde o Lucas. Até que se lembra de outro alguém. -O Max deve saber, não é meu? 
Outra vez não... 
-Sim! Claro que sabe. Sabe melhor que eu - começa a Cams. -Anda ele leva-te e assim eu posso acabar de ver o jogo. Não te importas de perder os últimos minutos pois não, Max?
-Não, não me importo. 
Ele olha para mim como que a pedir-me autorização para me acompanhar. Não tenho grande alternativa. Provavelmente a Cams e eu acabaríamos por nos perdermos à procura de uma casa de banho. Encolho os ombros, passando por ele. Ele levanta-se e segue atrás de mim. Ao mesmo tempo que vamos passando pelos outros adeptos que estão a ver o jogo, vamos pedindo desculpa até que acabamos por chegar às escadas que dão para a saída das bancadas. 
Seguimos lado a lado. O Max vai apenas falando para dizer para que lado o devo seguir. Entretanto vejo uma placa a indicar umas casas de banho, mas o Max segue a direção oposta. 
-A casa de banho não é para aquele lado? - pergunto. 
Ele vira-se para trás e olha para mim. 
-Sim, mas vou-te levar a umas melhores.
-Aquelas são más?
-Não sei, nunca lá entrei. Só sei que é onde toda a gente vai.
-Max, eu não me importo. 
-Podemos ir? - pergunta meio impaciente.
Levanto as mãos no ar em sinal de rendição e passo à sua frente seguindo o caminho que me indicou. Pouco depois chegamos a um edifício que desconheço. O Max continua a avançar e eu sigo atrás dele. Quando chegamos perto da porta, o homem que lá está a fazer de segurança cumprimenta-o e ele retribui. As duas portas abrem-se e nós entramos. Acho que neste momento me sinto mais perdida do que se tivesse ido procurar uma casa de banho com a Cams. 
-Onde é que estamos? 
-No edifício principal da academia. É aqui onde nós temos os nossos balneários e os outros departamentos. 
-Mas eu só queria ir à casa de banho... 
-E vais. Eu disse-te que ia levar a umas melhores. 
Ele continua a andar pelos corredores e eu a segui-lo.
A viagem que fui fazer para ir ao raio da casa de banho...
Por fim, lá chegamos finalmente às casas de banho. 
-Pronto, podes ir. Eu fico aqui fora à espera. 
Entro na casa de banho feminina e corro para uma das divisórias e faço o que tenho de fazer. Despachada e mais aliviada, saiu da divisória e lavo as mãos. Estava a dar um retoque ao meu cabelo, que estava todo despenteado com a brisa da rua, quando começo a ouvir umas gargalhadas lá fora.
Muito devagar, chego-me perto da porta e fico à escuta. Ouço a voz do Max e as gargalhas voltam a fazer-se ouvir. Gargalhadas demasiado femininas, por sinal. Nesse momento, abro a porta e saio lá para fora para me juntar a eles.
O Max está de costas para a porta, todo entretido a falar com a sua amiguinha. E ela... Bem, nem é preciso dizer que ela está completamente derretida...
Os dois não notaram a minha presença, e nem pensar em ficar a assistir a esta cena ridícula. Sem perceberem, meti os pés ao caminho e voltei para o campo.
Graças a Deus, não me perdi e consegui dar com o sítio certo. Ou pelo menos, era o que eu pensava. Já não havia ninguém nas bancadas. Olho em volta, e junto ao campo, vejo os meus amigos com o Eduardo. Desço as escadas e junto-me a eles.
-Olha, é ela! - ouve-se o Duarte dizer. -É a Camila, a nossa outra amiga.
O Eduardo aproxima-se de mim e dá-me um beijinho e eu dou-lhe outro.
-Sou o Eduardo, mas podes tratar-me por Edu. Prazer em conhecer-te. Ouvi falar muito de ti. 
Sorrio. 
-Bem, espero eu - sorrio. -Podes tratar-me por Cammy. Muitos parabéns pela convocação para a equipa principal! 
-Obrigada, é realmente um sonho tornado realidade - sorri.
-Esperem lá! - diz a Cams. - Falta aqui alguém - e olha-me. -Onde é que está o Max?
Inocentemente, respondo:
-Não faço ideia.
-E porque é que será?
A voz do Max faz-se ouvir atrás de mim.
Dou meia volta e fico frente a frente com ele.
-Hm? Deixa ver... Se calhar não queria intrometer-me na tua animada conversa - digo com escárnio.
Ele adianta-se um passo e encurta o espaço entre nós.
-Ah então era isso... - ri-se.
-Era isso, o quê? - faço-lhe frente.
-Ficaste incomodada.
Desato-me a rir da afirmação dele.
-Não me importa aquilo que tu fazes ou deixas de fazer - digo com segurança.
Entretanto, o nosso diálogo é interrompido.
-Mano! Sempre vieste! 
Viro-lhe as costas e vou foco a minha atenção nos meus amigos.
-Claro que sim, puto. Não podia perder o teu último jogo aqui. Estás cada vez melhor. - aproxima-se do Eduardo e abraçam-se. -O Edu e eu ainda jogámos juntos antes de eu sair para a equipa principal - explica o Max.
-Ya. O Max e eu tivemos grandes momentos juntos. Depois subiu à equipa principal e foi ficando sem tempo para nos encontrarmos mais vezes, por causa dos treinos. - Vira-se de novo para o Max. -Então não sentes falta de jogar connosco? 
-Claro, mas sabes que chegar à equipa principal é um privilégio. Quando fizeres o teu primeiro jogo vais ver, puto.
Eles continuam na conversa uns com os outros e a Cams chega-se perto de mim.
-Queres explicar-me que cena foi aquela?
-Foi o que tu ouviste - encolho os ombros. 
-O que eu percebi, daquilo que ouvi, foi que ficaste cheia de ciúmes e desapareceste sem ele se dar conta. 
Querendo mudar de assunto, puxo o tema do seu plano.
-Então e conseguiste pôr o teu plano em marcha? 
A Cams sorri. 
-Nem sabes! O Edu disse-me que o rapazinho se chama Miguel. São amigos não há muito tempo. Deu-me o Instagram dele. Já estive a investigar e não há fotografias com nenhum rapariga, o que pode ser um bom sinal!
Rio-me perante o entusiasmo da minha amiga. 
-E não lhe pediste o número do Miguel? 
-Também não quis parecer desesperada. Se bem que não me importava de ter o número dele... Mas quem sabe se ainda não o arranjo. 
-Carmen Maria, o que é que andas a tramar outra vez? 
-Desta vez não fui eu. O Edu convidou-nos para irmos jantar com ele para celebrar a vitória e também pela sua convocação. E ele disse-me que o Miguel também ia! 
Jantar? Eu só quero ir para casa.
-Espero que te divirtas. E depois quero todos os pormenores disso com o Miguel. 
Ela olha-me como se me tivesse crescido mais um olho na cara.
-Como assim queres todos os pormenores? Tu também vais. 
-Ah, não, Cams... Já vim até ao jogo, quero ir para casa. 
-Como se eu deixasse... Vais e não se discute mais o assunto.
-Mas que raio se passa com vocês hoje? Está tudo a querer decidir por mim. 
-Sabes, querida amiga, quando não se sabe fazer escolhas acertadas, convém darem-nos um empurrãozinho e, por vezes, tomarem decisões por nós - pisca-me o olho e volta a juntar-se ao grupo. 
Estou lixada... 
Volto também para junto deles e ouço a conversa que está a haver entre o Max e o Edu.
-Vá lá mano! - implora. -Tens de vir. É só um jantar, e eu quero que lá estejas. Não me faças essa desfeita.
-Puto, não sei.. Estou cansado, quero ir para casa. 
-Credooo - interrompe a Cams. -Pareces a Cammy. Deixem lá de ser os dois uns velhos e venham ao jantar. 
Olho incrédula para a minha melhor amiga.
-Concordo com a Cams - diz o Edu. - Cammy. Max. 'Bora lá. Vamos festejar! 
O Max olha para mim, mas desta vez não olho para ele. Com grande esforço, lá aceito. Mas apenas pelo Eduardo. Ele está tão feliz que não quero dar-lhe um desgosto.
-Ok. Pronto, ganharam. Eu vou - acabo por dizer.
-Boa! - grita o Edu. -Só faltas tu, mano.
Sei que o Max ainda me está a olhar, mas continuo a olhar para tudo o que é sítio.
-Está bem, eu vou. 
O Eduardo ri-se e dá uma palmadinha amigável nas costas do Max.
-Bem, então se já se decidiram, vamos andando? - pergunta o Lucas.
-Claro, vamos embora, antes que estes dois se cortem de novo - diz o Eduardo. -Mano, dás-me boleia? - pergunta ao Max.
-Não! - grita a Cams, e todos olhamos para ela. -Podes vir no meu carro. Tenho lugar para mais uma pessoa.
-Não te estavas a queixar de f... - tento dizer, mas a Cams muda o assunto.
-Então e não esperamos pelo Miguel? 
-Ah, o Miguel diz que vai a casa trocar de roupa e que se encontra lá connosco. 
-Oh... ok - ficou triste, mas logo muda o seu estado de espírito de novo. -Então, vamos lá. 
Começo a segui-los, quando o Max gentilmente me pega no meu pulso fazendo-me parar.
-Vens comigo?
-Não me parece que tenho grande escolha, não? A minha melhor amiga quer à força toda que vá contigo. 
Fui muito rude? Ele olha-me com ar magoado e eu logo me desculpo. Ele encolhe os ombros.
-Vamos, então? 
Eu assinto e seguimos para o carro dele.

O Sorriso Que Me ParouOnde histórias criam vida. Descubra agora