Descoberta amarga.

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            Ninguém é capaz de compreender as razões do coração. Sentimentos são complicados de se lidar, devido a sua pureza. Afinal, até mesmo o sentimento mais negativo, é puro em sua essência.

Muito se fala sobre o amor, mas, também muito é valorizado o ódio. Há uma linha tênue entre esses sentimentos, onde um pode acabar mudando até se tornar o outro.

Todavia, nem sempre o amor se modifica. Ele pode resistir aos anos, aos dissabores, às lamúrias. Pode resistir até mesmo à morte, continuando imutável. Quando se ama verdadeiramente alguém, com toda a sua alma, este sentimento se torna imortal.

Há quem diga, que o amor verdadeiro só aparece uma vez, deixando marcas perpétuas que uma vida inteira seria incapaz de apagar. É aquele amor avassalador, que nem mesmo o tempo é forte o bastante para destruir.

É um sentimento doce, terno, repleto de lembranças agradáveis. Uma nostalgia intocada, regada a uma saudade gostosa. Saudável, na verdade. Onde mesmo quando lágrimas correm pela face, não são por dor, e sim por vontade de reviver aqueles momentos que estão perdidos em um passado distante.

Quando duas almas estão ligadas pelo destino, nada poderá mudar permanentemente o rumo das coisas. Elas sempre se reencontrarão, mesmo que suas vidas mudem drasticamente. No final das contas, acabarão ficando juntas, ainda que tudo pareça corroborar para o contrário.

Ele jamais deixou de pensar nela. Seu coração mantinha-se trancado, de modo que jamais permitiu a entrada de outro alguém. A amava com loucura! Precisava dela junto a si.

Sempre foi um romântico incurável, daqueles que escrevem poemas belíssimos sobre a grandiosidade do brilho da lua. Aquele que outrora escrevia incansavelmente sobre a beleza das estrelas, agora era incapaz de esquecer a graciosidade daquele olhar azul como o oceano.

Ela continuava ali, cravada em sua alma, mesmo após tantos anos. Seu retrato ainda estava naquela mesinha de cabeceira, ao lado do abajur que iluminava seu rosto quando a saudade se fazia sufocante no meio da noite.

Sabia que jamais conseguiria esquecê-la. Era impossível lidar com a separação, ainda que soubesse que precisava aceitar. Todavia, ele não poderia fazer isso enquanto Annelise fosse a dona de seu coração.

Como poeta, ele via uma beleza melancólica, na dor. Mas, como um humano qualquer, sentia-se torturado por ela. Torturado, por aqueles sentimentos tão intensos, que roubavam-lhe o sono e a paz.

Havia estado com uma porção de mulheres ao longo daqueles anos. Todas vazias, sem uma essência cativante. Por mais que fossem gentis, simpáticas, amáveis, nenhuma delas era ela.

A solidão o angustiava; sentia que já não tinha mais o que fazer naquele lugar. Ainda que a fazenda fosse o legado de seus pais, aquela não era a vida que escolhera para si. Se ainda estava ali, era unicamente para que não visse as conquistas de sua família desmoronando. Porém, estava certo de que não aguentaria viver daquela forma por muito tempo.

Vira seu irmão construindo uma vida ao lado de Rosalya. A mesma vida que desejava ter construído ao lado de Annelise.
Leigh era feliz! Vivia à beira-mar, com a mulher amada. Tinha com ela, uma filha linda! A vida perfeita! Era inevitável desejar um pouco daquilo, também.
Mesmo que gostasse de ver a felicidade do irmão, não podia negar que se sentia um tanto angustiado.
Perguntava-se todos os dias, como teria sido se jamais tivesse se desencontrado da mulher amada. Talvez, agora também estivessem casados e, até mesmo começando uma família.

Naquela tarde, estava mais distante do que nunca, enquanto Rosalya tagarelava sobre o trabalho, a família e os afazeres como dona de casa.
Lysandre parecia sequer ouvi-la, enquanto a cunhada falava animadamente, exibindo um sorriso largo ao qual era visto através da web-cam.

— Ela apareceu com aquele suéter amarelo, horroroso e todo mundo ficou olhando! Você acredita, Lys-fofo? Era de longe o suéter mais feio que eu já vi em toda a minha vida! Se o Leigh tivesse visto isso, ele teria tido um troço. — Rosalya dizia entre risos quase exagerados. Todavia, calou-se ao observar que os olhos bicolores de seu cunhado, vislumbravam a um canto qualquer da sala, enquanto seu rosto jazia apoiado sobre a mão. Não parecia ouvir uma só palavra.

— Lysandre! Está me ouvindo? — Rosalya indagou.

— Ah, sim. Perdão. Continue, por favor. — O rapaz respondeu, esboçando um sorriso tímido.

— Você estava em órbita. Aconteceu alguma coisa? — Ela agora, parecia pouco mais atenciosa. Deu-se conta que desde a hora em que iniciou a chamada, sequer havia se dado ao trabalho de perguntar como iam as coisas.

Antes que Lysandre pudesse responder, viu que Thia vinha correndo pela sala, entre risinhos animados. Não era raro que enquanto conversava com Leigh e Rosa, visse a pequena brincando pela casa. Na verdade, ela trazia vida ao lugar. Antes, as coisas pareciam mais monocromáticas. Todavia, após o nascimento da menina, tudo ficara mais colorido.

Adorava a pequena Thia! Sua sobrinha era de longe a criaturinha mais adorável do mundo, ainda que só a tivesse visto através das raras vídeo-chamadas. A realidade, era que Leigh ainda não havia levado a filha à fazenda onde fora criado. Mas, mesmo assim, Lysandre amava aquela criança. Imaginava se algum dia também teria uma filha. E, principalmente, ainda se perguntava se Annelise seria a mãe.

Rosalya riu, quando a filha veio correndo em sua direção. Curvou-se para pegar a menina no colo, sentando-a sobre suas pernas. — Olha quem veio te dizer um "oi". — Rosalya disse, aninhando a filha nos braços.

— Oi, tio Lys! — A garotinha disse, acenando com a mão miúda, esboçando um sorriso amplo, que fez surgir uma covinha na bochecha destra.

— Olá, Thia! — Lysandre respondeu de modo terno. — Nossa, como você cresceu! — O rapaz comentou. De fato, não via a sobrinha há algum tempo. Pensar nisso, o fez se sentir ainda mais distante da família.

— Você viu? Logo mais os garotos estarão batendo à minha porta, para desespero do Leigh. — Rosalya riu, colocando a filha no chão, para que fosse brincar.

Tão logo a menina saiu correndo mais uma vez, sua mãe se voltou ao rapaz novamente. Ainda estava intrigada sobre o motivo pelo qual Lysandre parecia tão distante, naquela tarde.

— Então, continuando. O que o deixa tão pensativo? — Ela perguntou, ajeitando as costas sobre o encosto do sofá, enquanto colocava o notebook sobre as pernas.

— Não é nada, Rosa. Apenas tenho pensado demais sobre o passado. — Como sempre, ele era reticente. Falava pouco, não gostava de expor muito o que se passava em sua cabeça.

Sua resposta não parecia ser suficiente para Rosalya. Afinal, o conhecia quase tão bem quanto Leigh. Estava certa de que algo o incomodava, mesmo que Lysandre não dissesse. Todavia, já imaginava do que aquilo poderia se tratar.

— Seria algo sobre a Annelise? — A moça disparou, esperando que ele confirmasse.

Lysandre suspirou, dirigindo-lhe um olhar melancólico. Em seguida, veio o aceno positivo de cabeça. Não conseguia mentir para ela. Talvez, estivesse nítido que ainda não havia esquecido a ex-namorada.

— Como ela está? Tem a visto? — Havia um tom ansioso em sua voz, denunciado ainda mais, pelo modo como ele apertava as mãos nervosamente. Talvez, estivesse com medo de ouvir algo que não gostaria. Visto que havia passado muito tempo, não seria surpreendente, se a vida dela tivesse tomado outros rumos.

— Lys, você quer mesmo saber? Talvez seja melhor esquecê-la. Deixa isso quieto, por favor. Pode acabar se machucando. — Ela tentou o alertar, mas presumia que ele não fosse ouvir. Podia ver em seus olhos, o quanto ele desejava aquela resposta.

— Rosa, por favor. Eu preciso saber como ela está. — Havia súplica naquela voz máscula, ainda que soasse em tom comedido. Raramente, alterava o tom de sua voz. Era calmo, pausado, sutil, até mesmo quando irritado.

— Você não vai gostar. — Alertou-o pela última vez, na vã esperança de que ele desistisse de saber.

— Prefiro correr o risco. — O rapaz retrucou. Nada o faria mudar de ideia.

Agora, era Rosalya quem suspirava, negando com a cabeça. Umedeceu os lábios com a língua, ponderando sobre o que diria a ele. Precisaria encontrar as palavras certas, visto que não seria algo fácil de se ouvir.

— As coisas mudaram muito, nesse meio tempo. Ela está bem, quanto a isso você pode ficar tranquilo.
Annelise, agora, tem seu próprio negócio. É a dona de um café, onde também funciona uma galeria de arte. O lugar é lindo! Você precisa ver. Tem a cara dela. — Rosalya começou, ainda parecendo pensar se contaria ou não, o que acontecera com a amiga.

— Ela sempre gostou de arte. Imaginei que ela fosse algum dia, seguir carreira na área. — Lysandre comentou, esboçando um sorriso suave.

— Sim, realmente. Mas, além disso, outras coisas também mudaram em sua vida. E, é dessa parte que eu acredito que não vá gostar. — Novamente, Rosalya umedeceu os lábios, comprimindo-os em seguida. Não seria fácil. — Quando vocês terminaram, ela sofreu muito. Conversávamos por mensagens todos os dias e ela me dizia o quanto o queria por perto. Sei quão difícil foi para ela, esquecer você. Mas, agora ela recomeçou sua vida.
Tem uma carreira, um futuro e um namorado. Eles vivem juntos, em um flat no centro da cidade.
Meu Deus, você definitivamente não vai gostar de saber. — A pior parte estava por vir. Tinha certeza de que aquilo o magoaria ainda mais.

— Rosalya, o que eu não vou gostar de saber? — O sorriso que outrora jazia em seus lábios, havia se desfeito no momento em que Rosalya disse que Annelise estava com alguém. Todavia, a ansiedade o sufocava. Mesmo que doesse, queria saber a verdade.

— Lysandre, ela está namorando o Castiel. Estão morando juntos há quase um ano. — Mesmo que fosse horrível dizer isso, Rosalya preferiu ser honesta com ele. Talvez, aquilo finalmente ajudasse o cunhado a superar o término. Ao menos, era isso o que ela esperava. Sabia que Annelise não fora a única a sofrer com o término, já que foram incontáveis as noites em que vira Lysandre chorando, mesmo que ele tentasse esconder.

Ele ficou em silêncio por alguns segundos, tentando digerir a informação. Não era fácil saber que aquele a quem considerou seu melhor amigo, estava amasiado com a mulher a quem amava.

— Como isso aconteceu? — Indagou, ao quebrar o silêncio, sentindo os olhos marejarem.

— Foi na faculdade. Eles acabaram se aproximando, quando ela voltou para a cidade no último ano letivo. — A resposta soou tímida; Rosalya sequer conseguia olhar diretamente para Lysandre.

Ele, por sua vez, se limitou apenas a mover a cabeça positivamente, enquanto gotículas cristalinas, rolavam pelos olhos bicolores, enquanto outras inundavam aos orbes em verde e âmbar.

— Viu?! É por isso que eu não queria te contar! Está magoado! — A voz de Rosa soava exasperada, ao ver que Lysandre sofria. Era como reviver a semana após o término.

O rapaz secou as lágrimas com as mãos espalmadas, sentindo um nó na garganta, enquanto respirava fundo. Sentia um turbilhão de sentimentos o invadindo. Dentre eles, tristeza, raiva e ciúme.
Sentia-se traído! Jamais faria aquilo com Castiel! Nunca se aproximaria de uma ex-namorada dele, ainda mais sabendo que ele ainda a amava. Lysandre nunca escondeu que não havia superado o término, quando ainda mantinha contato com ele.

— Está tudo bem! — Soou a voz embargada, enquanto ele tentava se recompor. — Você sabe como eu posso encontrá-la? — A pergunta de Lysandre, fez com que Rosalya esboçasse uma expressão que mesclava entre confusão e espanto. Não acreditava no que estava ouvindo.
Queria entender o que se passava na cabeça de Lysandre naquele momento, para que mesmo depois de saber tudo, ainda quisesse voltar a ver a ex-namorada.

— Lys, não sei se é uma boa ideia. Eu te disse: ela está vivendo com o Castiel. Pra quê voltar? O que vai ganhar com isso? Você só vai sofrer mais! — Protestou. Não queria vê-lo mais magoado do que já estava.

— Sei dos riscos, Rosalya. Conheço a possibilidade de acabar machucado. Mas, preciso vê-la, mesmo que seja pela última vez. Talvez seja a minha única chance de resolver essa pendência.
Por favor... — Uma vez mais, aquele tom de súplica surgiu na voz embargada. Não desejava mais nada, senão reencontrá-la.

Rosalya apertou as têmporas entre os dedos. Tinha certeza absoluta de que isso não acabaria bem. Ia acabar se arrependendo. — Está bem! Eu passo o endereço. Mas, tem que me prometer que não vai fazer nenhuma burrada! Você promete? — Ela perguntou, notando que o semblante de Lysandre, se tornava mais suave.

— Claro, eu prometo. Só quero resolver essa questão interna. — O rapaz respondeu, nitidamente menos melancólico.

— Certo. — Rosalya suspirou novamente, irritadiça, dessa vez. — Irei mandar o endereço do café, para o seu e-mail. Ela está sempre por lá, vai ser mais fácil encontrá-la. Só, pelo amor de Deus, não faça nada sem pensar! — Reforçou. Estava apreensiva sobre o que a volta dele, poderia desencadear.

A roseira e os espinhos.Onde histórias criam vida. Descubra agora