Estrada das recordações.

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            Tão logo o sol nasceu no dia seguinte, Lysandre já pôs o pé na estrada. Estava ansioso para voltar à cidade; todavia, o medo em seu coração era crescente. Mesmo sabendo o que iria encontrar, era inevitável a preocupação que dominava seus instintos.

Pensar que Annelise estaria com Castiel era uma tortura imensurável. Não negava que se sentia traído. A amava com toda a sua alma! Jamais escondeu isso de ninguém, sobretudo de Castiel. Era inacreditável que aquele a quem considerava um irmão, estivesse vivendo com a mulher de sua vida. Poderia esperar isso de qualquer um, menos dele.

Por mais que buscasse não pensar sobre isso, sua mente o traía; fazendo-o remoer a todo o instante, sobre como seus sentimentos haviam sido pisados. Afinal, podia se lembrar perfeitamente de como amparou Castiel, quando Debrah o traiu. De como ficou ao lado dele, quando a coisa apertou. Se a situação fosse oposta, jamais se envolveria com a ex-namorada dele. No entanto, Castiel demonstrara não pensar da mesma forma. Isso o magoou.

Resolver aquelas questões que o torturavam, se tornava algo cada vez mais urgente. Há anos, sentia que morria por dentro, dia após dia, desde que tivera de partir. Desde que beijara Annelise pela última vez. Desde, que seu mundo desabara sobre sua cabeça. Jamais tivera coragem de pedir que ela fosse com ele, para a fazenda. Temia estar atrapalhando seus planos e sonhos. Porém, agora, se arrependia amargamente desta decisão. Talvez, se o medo não tivesse bloqueado, nada disso estivesse acontecendo.

Queria crer, que caso tivesse pedido que ela partisse com ele, estivessem casados. Vivendo felizes juntos! O Lugar dela era ali, junto ao seu coração. Precisava fazê-la entender. Precisava mostrar que nunca deixou de amá-la! Que jamais a afastou de seus pensamentos, nem mesmo por um mísero segundo. Desejava mostrar a ela, que era a única a quem seu coração pertenceria por toda a eternidade; e que esta, seria minúscula ante a imensidão de seu amor.

Cada passo que o fazia estar mais próximo, agitava-o! Estava atordoado, enquanto a caminhonete percorria a estrada de terra. As mãos suavam sobre o volante, e seus cabelos cinzentos dançavam ao sabor do vento que adentrava a janela aberta.

Conforme o veículo se embrenhava pela estrada vazia, sua mente vagueava em lembranças. Voltar para a cidade, era como uma viagem pela nostalgia. As memórias começavam a vir, quase como se o esbofeteassem. De fato, parecia sentir um gosto amargo, quando sua mente o moveu a um momento do passado. Um momento, que agora lhe parecia tão incômodo quanto fora outrora.

"Já não conseguia mais negar para si mesmo; estava apaixonado. Cada vez que esbarrava com Annelise pelos corredores, seu coração acelerava. Era impossível não ruborizar, quando vislumbrava o sorriso da garota. Ela mexia consigo! Não era capaz de arrancá-la de seus pensamentos.

Era incapaz de contar quantas vezes, na calada da noite, o rosto dela surgiu em seus sonhos. De quantas vezes, fora pego de surpresa, rabiscando em seu bloco de notas, frases sobre a grandeza do amor, enquanto pensava nela.

Naquela manhã, durante o intervalo entre as aulas, não fora diferente. Procurou um lugar vazio, tranquilo, onde pudesse ficar sozinho com seus pensamentos. A verdade, era que queria encontrar uma forma de declarar seus sentimentos a ela. Por essa razão, se fazia necessário encontrar um lugar onde não seria importunado.

Após procurar por algum tempo, acabou decidindo que o porão seria o lugar ideal. Era vazio, isolado, e ninguém ia ali. Com exceção, é claro, de Castiel. Não era raro encontrar o garoto naquele lugar. Torcia para que aquela fosse uma destas raras ocasiões, em que ele não estivesse ali. Aquele lugar seria ideal para que ele pudesse escrever em paz. Afinal, inspiração não lhe faltava, quando pensava em Annelise.

Para sua sorte, o lugar estava vazio. Poderia ter paz, para criar algo que externasse o seu amor. Então, não perdeu tempo! Tratou de se sentar em um canto, retirando o bloco de notas do bolso de sua calça, assim como a caneta que estava presa a ele.

Pretendia se declarar através de um poema. Acreditava ser a forma mais bonita, de fazê-lo. Queria dizer-lhe sobre como ela o fascinava! Sobre como o sorriso dela, preenchia seu coração e o aquecia. Sobre como o rosto dela surgia às suas vistas, todas as noites, antes de dormir. Sobre como enxergava nela, toda a pureza existente no mundo.

A caneta começou a deslizar pela folha em branco, onde as primeiras palavras começavam a surgir. Nunca tivera dificuldades em escrever poemas. Todavia, agora que precisava escrever algo para a garota, isso se tornava um tanto complicado. Receava, que não existissem palavras que fossem boas o suficiente para definir o que sentia. Era algo tão repleto de uma paixão ardente! Tão belo. Doce, enquanto também era intenso. Sentia-se queimando! Nunca sentira aquilo por ninguém. Era assustador, de certa forma. No entanto, era uma sensação única, que aprazia seu âmago.

Mantinha-se concentrado no poema ao qual escrevia, ainda buscando as palavras certas. Queria que fosse perfeito em cada mínimo detalhe. Via naquele conjunto de palavras apaixonadas, uma forma de mostrar a Annelise, o quanto a queria junto a si. O quanto desejava sentir o toque daqueles lábios róseos, contra os seus. Ele, que sempre soubera expressar o romantismo nas letras de suas músicas, e poemas que escrevia, agora via-se ansioso por criar algo que fosse digno de expressar a paixão que o consumia.

Sua concentração era tamanha, que não reparou no momento em que a porta do porão fora aberta. De fato, estava alheio a tudo a sua volta. Nada tinha maior importância, do que escrever sobre seus sentimentos. Eles eram como notas musicais, soltas no ar: o confundiam, a princípio, quando pareciam disformes e destoados. Todavia, quando se encaixaram na ordem correta, tornaram-se uma melodia belíssima, a qual ele conhecia por amor. Era assim que definia as sensações que Annelise lhe causava: uma canção suave, executada pelo mais habilidoso violinista.

Ainda escrevia, quando passos suaves se aproximaram de si. Aquele que adentrara ao porão, caminhava de modo tão silencioso, que Lysandre sequer fora capaz de ouvir. De fato, a presença do visitante indesejado só foi notada, quando uma voz masculina ecoou ao seu lado.

— O que está fazendo aqui sozinho? — Indagou a voz, que causou-lhe um sobressalto.

Lysandre virou a face para o lado, com uma palidez provocada pelo susto. Diante de si, jazia a figura sorridente, de Castiel, com os braços cruzados diante o tórax.

— Eu... Estava escrevendo. Precisei de um pouco de silêncio, para fazê-lo. — Lysandre respondeu, ainda um tanto atônito.

— Ah, é? Deixe-me dar uma olhada. — Sem a menor cerimônia, Castiel arrancou o bloco de notas, da mão de Lysandre. Os olhos cinzentos rolaram pela página, lendo tranquilamente o início do poema, que dizia:

'Pensar em teu sorriso me tem sido angustiante. Vivo atado ao anseio desesperado de poder sentir o sabor de seus lábios e o toque aveludado de sua pele. Tu me cativas, com a doçura primaveril que exala em tua alma casta. E, em teus olhos, sinto toda a graciosidade existente no oceano em tempos de calmaria. O azul penetrante que me assombra em cada devaneio, onde meu único ímpeto é tomá-la em meus braços. O tom alvo de seus cabelos suaves como a seda, trazem-me toda a graciosidade majestosa que há no brilho das estrelas. És tão bela... Tão doce! Vejo em ti toda a suavidade de uma rosa a desabrochar. Todavia, os espinhos afiados de minha insegurança não permitem-me a dizer-lhe o que se passa em meu coração.'

Castiel sorriu de soslaio, arqueando a sobrancelha, ao terminar de ler as últimas linhas, daquela declaração incompleta. Aquilo não parecia ser a letra de uma nova música.

— O que é isso? Está apaixonado? — Castiel indagou, ainda com aquela expressão cínica.

— É apenas um poema. — Lysandre retrucou nitidamente incomodado. De fato, havia uma expressão irritadiça em seu rosto corado. Não gostara de modo algum da atitude de Castiel. Tratou de tomar das mãos do ruivo o bloco de notas, metendo-o no bolso novamente. — Isso não foi nada educado de sua parte. — Comentou, levantando-se de onde estava sentado.

— Ah, vamos! O que tem demais? Você sempre me mostra o que escreve. — Castiel cruzou novamente os braços, parecendo pouco mais sisudo que outrora.

—Dessa vez era algo pessoal. O teria mostrado, caso quisesse que alguém visse. — Lysandre rebateu, agora com uma expressão emburrada. Sem dizer mais nada, o rapaz saiu do porão, deixando Castiel para trás.

De fato, o garoto das madeixas rubras, não havia entendido a reação de seu amigo. Todavia, relevou. Afinal, Lysandre raramente era grosseiro. Talvez estivesse em um dia ruim."

Lysandre continuava dirigindo, guiado pelas placas à beira da estrada. Esperava chegar à cidade antes do anoitecer, para que fosse mais fácil encontrar o café. Não poderia contar com seu senso de direção. Afinal, bem sabia quão sofrível ele era. Além disso, sabia que cada segundo poderia ser precioso. Tudo poderia determinar o rumo do que aconteceria, quando pusesse os pés na cidade que abandonara há anos. E, rezava para que todos os caminhos, o levassem direto aos braços de Annelise.

A roseira e os espinhos.Onde histórias criam vida. Descubra agora