O cinema não era muito longe dali. O percurso até o local, era de cerca de dez minutos. Tempo o suficiente para que Castiel e Annelise começassem a discutir a relação. Ele ainda não conseguia engolir a volta de Lysandre. Principalmente, pelo fato de o ter encontrado praticamente agarrando sua namorada. Aquilo era inconcebível.
Annelise estava calada, olhando pela janela do carro, com o rosto encostado ao vidro transparente. Parecia pensativa. Castiel já tinha uma noção sobre o quê ela pensava. Isso o incomodou.
— Então. Quer dizer que ele está volta. Você deve estar muito feliz, não é mesmo? Afinal, seu amado surgiu das cinzas. — O rapaz comentou, com ambas as mãos sobre o volante, olhando para frente. Por mais que falasse de modo irônico, não podia conter a ponta de raiva, em sua voz.
— Por favor, Castiel. Não começa com isso de novo. Nós já conversamos sobre isso. — Annelise disse, ao olhar para o namorado. Era bem verdade, que tiveram aquela mesma discussão meses atrás, quando Castiel encontrou nas coisas dela, um poema que Lysandre havia escrito na época do colégio.
Todavia, Castiel pareceu ignorar completamente o comentário da moça. Queria discutir sobre aquilo! Não gostara nada do que vira da cafeteria. — Quem diria, meu melhor amigo voltando para a cidade depois de sete anos. Mas, sabe o que é mais engraçado, Annelise? Ele volta e aparece justamente no lugar onde minha namorada trabalha. Não é irônico? O que o Lysandre estava fazendo no café? Pedindo um expresso?! Acho que não, porque pareciam bem íntimos quando eu cheguei. — Castiel olhou para a moça pela primeira vez, nitidamente alterado.
— Castiel, para! Ele é só um amigo que não vejo há anos! — Ela retrucou, tentando acalmar os ânimos. Estava cansada demais, para ficar discutindo.
— Não! Ele é seu ex-namorado! O mesmo cara que te largou e voltou para a fazenda! Você esqueceu isso? Por que eu não! Quando você voltou para a cidade, não foi ele quem você encontrou! Fui eu! Eu que estive com você por todos esses anos! Mas, claro, basta só o Lysandre dar as caras, que você já esquece disso e vai correndo para os braços dele, não é? — Castiel, naturalmente, já tinha um temperamento terrível. Enciumado, então? Se tornava muito pior.
— Você está vendo algo que não existe! Castiel, eu sei o que fez por mim, agradeço, de verdade. Mas, um relacionamento não progride, quando não há confiança! — Annelise disse, elevando o tom de voz. Odiava quando Castiel agia daquele jeito.
— Eu confio em você, mas nele não. Eu vi o jeito como ele te tocou e como te olhava. Esse cara não te esqueceu, Annelise. Fomos melhores amigos, sabíamos tudo um sobre o outro. Tenho certeza de que ele nunca deixou de te amar e isso está me enlouquecendo! — Castiel estava ressentido. O que não era para menos, já que flagrara a Namorada praticamente nos braços de outro homem. A verdade, era que sabia que poderia perdê-la facilmente.
Ouvir Castiel dizer aquilo, deixou-a agitada. Ansiosa, até. Teve de se conter para não transparecer, que aquilo a havia inquietado. Claro, poderia ser só o ciúme de Castiel falando mais alto. Mas, e se ele estivesse certo? De fato, o retorno de Lysandre fora algo inesperado. Não sabia o que pensar a respeito daquilo.
— Por favor, só vamos aproveitar a noite. Não quero ficar em um ambiente em que haja um clima pesado. Pode fazer isso por mim? — Ela indagou, pousando a mão sobre a perna de Castiel, e a afagando.
O rapaz suspirou, tentando abandonar o ar irritadiço. — O que eu não faço por você, garotinha? — Ele sorriu de canto, tirando uma das mãos do volante, e colocando sobre a mão dela.
— Obrigada, amor. — Annelise deu um beijo rápido na bochecha dele, voltando ao seu lugar em seguida.
— Nem agradeça, porque isso vai ter um preço, quando chegarmos em casa. — O rapaz a olhou rapidamente, dando uma piscadela. Depois, voltou sua atenção para a rua, ainda dirigindo.
Aquilo fez Annelise rir, ainda se ajeitando melhor em seu assento. Se sentia um pouco mais tranquila, em saber que Castiel concordara em cooperar.
Enquanto isso, em sua caminhonete, Lysandre continuava os seguindo a uma distância curta. Portanto, conseguia ver através do para-brisa de seu carro, as demonstrações de carinho entre o casal a sua frente. Aquilo o matava aos poucos. Não suportava ver que Annelise e Castiel agora eram um casal.
Vislumbrando aquela cena nauseante, o rapaz só conseguia imaginar os olhos de Castiel sobre a face de Annelise. Aqueles malditos olhos pecaminosos, passeando pelo corpo que um dia fora seu. Aquelas mãos malditas, sobre as mãos delicadas de sua amada. Os lábios sujos, sobre a pele imaculada. Era mais do que poderia aguentar!
Seu coração sangrava, em meio a sentimentos com os quais não podia lutar. Annelise fora livre para o deixar, quando Lysandre partiu. Mas, ele não conseguia evitar se sentir enganado. Tudo o que queria era que ela acreditasse quando dissesse que ainda a amava.
Annelise, por sua vez, tornou a encostar o rosto na janela do carro, olhando para Lysandre através do retrovisor. Tudo o que pensava naquele momento, era que o amava e continuaria amando até o dia de sua morte. Apesar de estar com Castiel, jamais poderia entregar seu coração a ele, pois seus sentimentos pertenciam a Lysandre. Só não sabia como dizer isso a Castiel. Não queria magoá-lo. Estava confusa. Muito confusa, sobre o que acontecia em seu âmago, com o retorno do ex-namorado.
Finalmente chegaram ao cinema, que estava quase vazio. Não era algo a se estranhar, em uma noite de quarta-feira. De fato, as sessões mais lotadas, eram ao fim de semana.
Castiel procurou uma vaga para estacionar, não tendo muita dificuldade para encontrar onde guardar seu carro. Saiu do veículo, segurando a mão de Annelise enquanto caminhavam em direção ao cinema.
Lysandre já os aguardava, parado na entrada com as mãos metidas nos bolsos da calça. Não parecia nada animado, ao ver Annelise e Castiel de mãos dadas, se aproximando de si. Aquilo era um pesadelo! Não conseguia disfarçar a feição emburrada, enquanto Castiel sorria vitorioso.
Annelise, no entanto, estava desconsertada. Não conseguia olhar diretamente para o rosto de Lysandre. Aquilo era constrangedor. Podia sentir a tensão entre os rapazes, de modo que um fuzilava o outro com o olhar. Estava com medo de que a coisa pudesse acabar desandando.
Todavia, para sua surpresa, Castiel resolveu agir de modo tranquilo, ainda que continuasse encarando Lysandre. — E então, o que veremos hoje? Tem um filme de terror ótimo, em cartaz. — O ruivo sugeriu.
— Não sei. Tem uma comédia romântica que parece ser muito boa. A Annelise não gosta de filmes de terror. — Lysandre comentou.
Ele estava certo! Annelise era do tipo que se impressionava muito fácil. Qualquer coisa já lhe fazia ter pesadelos. Preferia não arriscar. — É verdade, eu prefiro ver a comédia romântica. — A moça afirmou.
— Você estão me zoando? Esse tipo de filme é um saco! Vamos ver o de terror! É bem mais divertido! — Castiel protestou. Não estava afim de ver nenhum filme meloso.
— Pode vê-lo sozinho, Castiel. Não vamos o impedir de ver o filme que deseja. Mas, é melhor que Annelise assista algo mais tranquilo, para que não fique assustada. — Lysandre dizia aquilo no tom mais tranquilo possível. Conhecia a moça perfeitamente, para saber que ela passaria o filme inteiro com os olhos fechados. Jamais a submeteria a algo assim.
— Ele tem razão, Castiel. Você sabe que eu fico apavorada. Se quiser ver o filme de terror, pode ir. Nos encontraremos na saída. — A resposta de Annelise, o deixou pasmo. Nem em sonho que deixaria a namorada ir sozinha para uma sala escura com o ex dela! Isso estava fora de cogitação.
— Sem chance! Se vocês querem ver esse filme então eu vou junto! — Castiel se apressou em puxar a mão de Annelise, caminhando em direção a fila para comprar as entradas.
Lysandre negou com a cabeça, ao ver a atitude patética do outro rapaz. Era ridícula toda aquela insegurança. Por fim, acabou os seguindo, indo para a fila também. Aquela noite custaria a acabar.
Depois de comprarem os tikets para o filme, Castiel parou antes de entrar na sala. — Gata, pode ir escolhendo os lugares? Eu vou comprar pipoca. — O rapaz pediu, em tom carinhoso, antes de unir os lábios aos dela em um beijo rápido.
Vendo aquilo, Lysandre trincou os dentes. Era nítida a provocação. Sabia muito bem o que Castiel estava fazendo: marcando território. Mostrando a Lysandre, que este havia perdido a batalha e a garota. Aquilo era irritante.
O beijo do casal durou por alguns segundos, aos quais Lysandre considerou uma eternidade. Aquilo era desnecessário. Todavia, quando acabou, foi um verdadeiro alívio.
— Claro, vou pegar lugares no fundo. — Annelise respondeu, quando o beijo foi encerrado. Estava nitidamente constrangida. Logo, se virou para entrar na sala, sendo seguida por Lysandre. Todavia, Castiel tomou a palavra uma vez mais.
— Lysandre, me acompanha até os quiosques? — Castiel indagou, fazendo com que o rapaz parasse diante a porta. O ruivo não pretendia deixá-lo sozinho com sua namorada um segundo sequer. Não iria dar chance ao azar.
— Claro. — Lysandre respondeu, se virando para Castiel. Embora não quisesse fazer aquilo, pretendia poupar Annelise de qualquer aborrecimento. Conhecia o gênio do ex melhor amigo.
Ambos caminharam para longe da sala onde o filme seria exibido. Lysandre continuava em um silêncio desestabilizador, enquanto Castiel agora esboçava um semblante sério.
— Eu sei o que está tentando fazer. — Castiel disse, ao pararem há alguns metros da sala.
— Perdão? — Lysandre indagou, arqueando a sobrancelha em um semblante confuso.
— Não se faça de idiota! Está tentando roubar a minha garota! — Agora havia um tom mais agressivo na voz de Castiel, que apontava para o rosto de Lysandre com o indicador, ao virar-se de frente para ele.
— Castiel, não seja patético. Eu jamais faria algo tão baixo! Tenho total respeito pela relação alheia. Todavia, sou levado a crer que você não tenha a mesma consideração. — O rapaz respondeu de modo tranquilo, polido, educado até demais, mesmo com a alfinetada que escapara.
Acreditando que aquilo estaria encerrado, passou por Castiel, voltando a caminhar. Todavia, sentiu o momento em que a mão do outro lhe alcançou ao ombro de modo brusco, o puxando.
— Volte aqui! Eu ainda não acabei! — Castiel disse entredentes, com as feições distorcidas pela raiva.
Aquilo foi a gota d'água! Toda a paciência que Lysandre tivera até o presente momento, havia se esgotado.
— Tire a mão. — Lysandre disse, agora também apresentando a mesma raiva no olhar.
— Não! Você vai me escutar! — Castiel elevou a voz.
— Quem vai me escutar é você! — Em uma questão de segundos, Lysandre perdeu todo o tom ponderado. Não aceitaria aquela conduta inadequada. — Não me importo se no passado fomos amigos, Castiel. Hoje, você não passa de um estranho. Não teve a mínima consideração comigo! Sequer pensou em como eu me sentiria, ao vê-lo com ela! Para começo de conversa, você nem deveria estar aqui! Se aceitei que nos acompanhasse, foi unicamente para agradar Annelise. Agora, você pode voltar para casa, ou entramos os dois naquela maldita sala, e fingimos que nada disso aconteceu! Saiba que não me agrada em absoluto, ter de assistir o filme com você. Mas sabe de uma coisa? Estou pouco me fodendo para isso! Se o aceito aqui, é por ela! Agora, pare de agir como um moleque. Ela não merece isso. — Lysandre jamais fora tão firme. Aquilo deixou Castiel um tanto atônito. Não esperava aquela postura.
O ruivo suspirou irritadiço, deslizando a mão destra pelos cabelos em tom escarlate. Era obrigado a concordar com Lysandre: Annelise poderia ficar chateada, caso os visse brigando. Além disso, já haviam chamado uma atenção desnecessária, visto que as pessoas próximas aos quiosques, paravam para olhar a discussão. Se fosse reconhecido por alguém, isso geraria uma publicidade negativa. Era melhor não arriscar. Por fim, acabou concordando com ele. Era melhor voltarem para a sala de cinema. Decerto, o filme já estaria prestes a começar. Não queriam deixar Annelise esperando.
Mesmo que ambos estivessem contrafeitos, acabaram voltando pelo caminho por onde vieram, indo até a sala onde o filme seria exibido. Aquilo seria um inferno.
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A roseira e os espinhos.
RomanceO que fazer quando nem mesmo os anos são capazes de apagar um grande amor? Como esquecer aquela que um dia foi a mulher de sua vida? Este é o dilema ao qual Lysandre tem enfrentado nos últimos anos. Mas, talvez ainda haja uma forma de recuperar a do...