O meu filho acabou de partir e tenho um aperto no peito. Sei que vai correr tudo bem, mas não posso evitar uma certa angústia e uma solidão que me derrota. Tenho medo que não corra tudo bem, tenho um pressentimento.
O meu mundo é feito de pressentimentos – maus, principalmente. Detesto o meu mundo e quero mudá-lo. Utilizo o meu filho como instrumento, mas, por vezes, o meu egoísmo, até para mim, é demasiado monstruoso. Arrependo-me destes impulsos de desejar outro tipo de destino, menos sombrio, porque podem significar perder tudo o que tenho, que é, basicamente, o meu filho.
O problema é que ele não se importa e faria muito mais, se eu não o travasse naqueles momentos de lucidez em que me apercebo, com outro pressentimento, que as coisas poderão terminar mal.
Mas ele é filho de quem é e não o posso censurar. Está-lhe no sangue a teimosia e a intrepidez.
Embarca numa segunda aventura, desta vez com menos receios. Esperou pacientemente que a máquina reunisse a energia suficiente para mais uma viagem completa – ir às profundezas da dimensão temporal alternativa e voltar. Quase sete meses de idas e vindas à cave sombria que utilizo como laboratório, oficina e escritório, na clandestinidade, para não atrair demasiadas atenções. Ficava muitas vezes a olhar para a máquina que recarregava as imensas baterias, em silêncio e com alguma ansiedade, conseguia perceber. O meu filho desejava regressar ao passado, contribuir para mudar alguma coisa nesse mundo tão bonito, tão inocente e tão cheio de esperança.
- Tão diferente do que conhecemos... - confessara, um dia.
- Mas haverás de trazer desse mundo a solução para o nosso – dissera-lhe eu, confiante, pois não estava com um pressentimento mau, como hoje.
Já o tinha convencido, pois mostrara-se tão cético em relação à primeira viagem e tão relutante em acreditar no seu sucesso. Ou então fora essa primeira viagem que o convencera, que o tornara diferente. Mais ansioso, mas curiosamente mais ponderado. Calculista e astuto, pois era disso mesmo que precisávamos para fintar o destino: cálculo e astúcia.
No dia em que fez dezoito anos, bebemos chá e fi-lo rir porque conseguira arranjar um pequeno bolo onde espetara uma vela. Cantei-lhe os parabéns, dei-lhe um beijo e contei-lhe que a máquina estava finalmente pronta para mais uma viagem ao passado. Foi o meu presente. O meu filho mal dormira nessa noite, dando voltas na cama a sonhar com o pai. Escutei-o apreensiva. Ele depositava demasiadas expetativas no reencontro com o pai.
Por ironia, a cidade foi atacada na manhã seguinte. Fechei a máquina na cápsula e fugimos num comboio de refugiados assustados. Escutávamos as explosões e os tiros e conseguia sentir a raiva a latejar no coração do meu filho. Dei-lhe a mão e pedi-lhe paciência. Ele não me respondeu e permaneceu calado nos dias que se seguiram, passados num armazém onde não havia luz elétrica, nem água corrente, onde se apinhavam algumas dezenas de pessoas, onde também não se falava muito. Olhei muitas vezes para a máquina fechada na cápsula, que eu guardava no bolso do meu fato-de-macaco e sabia que ali estava a resposta para todos os nossos problemas. Olhava para o meu filho, a seguir, e sabia que ele teria a força para aguentar aquela empresa – mais difícil e complicada do que a sua primeira viagem. Naqueles dias sombrios, no armazém, não tinha o pressentimento mau que tenho hoje.
Talvez seja a melancolia... Talvez seja apenas a minha cobardia a vir ao de cima, mas, por vezes, também me sinto farta de estar sempre a lutar e a sorrir e a encorajar os outros quando temos a alma desfeita.
Lembro-me dos dias mais felizes e sorrio. Sim, quero lembrar-me, é por isso que estou aqui, mergulhada numa nuvem espessa de tristeza e de recordações. Vem cheia de fantasmas, a nuvem. De vozes do passado, de gargalhadas e eu fico a sentir-me melhor por causa dessa felicidade que, um dia, fez parte de mim e deste mundo.
Quando conseguimos abandonar o armazém e regressar à cidade, a nossa casa estava mais destruída. Encolhi os ombros. Não estava desanimada, mas antes cansada. O meu filho disse que estava na altura de partir. Escolhemos o final daquela tarde, que ele passou a cuidar da sua espada, afiando-a e limpando-a lentamente. Acredito que não pensava em nada, nem sequer no fantasma do pai, na sombra que iria reencontrar depois da sua viagem aos confins do perigo, enquanto cuidava da espada.
E é por causa desse fantasma, em particular, que eu estou assim, o chá frio na caneca lascada, a cabeça apoiada numa mão, os olhos – não me vejo ao espelho, mas é como se o fizesse – baços por se perderem nos longínquos dias em que estivemos juntos.
O meu filho partiu e o sol está a pôr-se.
E eu vou começar a recordar.
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Ecos do Futuro Memórias de Ontem
FanfictionQuando a Terra é ameaçada pela inesperada visita do terrível Freeza, que aterroriza todo o Universo e que se julgava ter perdido a vida após um combate titânico contra Son Goku no planeta Namek, os guerreiros reúnem-se nas montanhas para o receber e...