Perdi a consciência novamente e não ouvi as primeiras palavras que Son Goku dirigiu a Freeza, depois de o ter deixado moribundo no planeta Namek. Tinha passado um ano terrestre, tinha passado uma eternidade.
Acordei com uma sensação de náusea e de desorientação. Rastejei para me afastar dali, à procura do refúgio do desfiladeiro. Acho que já não existia. Por todo o lado havia escombros fumegantes de penedos. Ou se o desfiladeiro ainda existia, já não o conseguia reconhecer no meio daquela paisagem de catástrofe.
- Vais arrepender-te de teres vindo, Freeza!
A ameaça de Goku penetrou-me na cabeça dorida. Encolhi-me, como se cada palavra fosse um alfinete.
- Impossível! – Exclamou Freeza. – Tu estavas demasiado longe. Não deverias ter chegado tão depressa.
Goku riu-se.
- Tenho muitos truques.
O riso de Son-kun aqueceu-me a alma e deu-me alento. Sorri com aquele riso.
Vegeta também reagiu. Apoiou o peso do corpo amassado nos cotovelos primeiro, impulsionou-se com o braço esquerdo a seguir. No entanto, as pernas não lhe quiseram obedecer e acabou por deixar-se cair sobre o peito, soltando um gemido.
Quis correr até ele, impressionada com o estado lastimoso em que se encontrava. Vi-me a correr, com o ânimo de antes, mas eu também estava ferida e desfeita e não podia fazer mais do que rastejar. Com muito esforço, consegui fincar os braços no chão e tentei mover-me até onde via Vegeta a tremer, numa convulsão de esforço para regressar ao combate.
O gigante juntou-se a Freeza, aterrando com ambos os pés.
- Quem és tu? – Perguntou Goku.
- Chamo-me Cold e sou o senhor do Universo. Acompanho o meu filho Freeza para destruir este planeta insignificante.
Estremeci. O gigante não parecia ferido, nem abalado, o que provavelmente significava que Piccolo, Gohan, Kuririn, Ten Shin Han e Yamucha estavam no mesmo estado de Vegeta. Ou pior... Cerrei os olhos, retendo as lágrimas. Ou mortos!
Não.
Cold perguntou, por sua vez, petulante:
- E tu? Quem és?
Freeza recuou. Cold olhou para baixo.
- O que fazes, Freeza? – Perguntou admirado.
Arrastei-me mais um pouco. A cabeça estourava de dor, o coração martelava no vazio escuro por detrás dos meus olhos fechados. Escutei a resposta de Freeza, que me soou estranhamente débil e com um laivo de medo:
- É o saiya-jin...
Devia ser do estado febril em que me encontrava, ferida e a perder sangue. Tudo me soava aumentado e deturpado, vindo dos confins de um pesadelo que se desenrolava no plano real.
- Sim, é um saiya-jin – replicou Cold com rispidez. – E desde quando a nossa família teme os saiya-jin, essa amaldiçoada raça de macacos incivilizados?
- Mas... é o saiya-jin – insistiu Freeza e recuou outro passo.
Inspirei uma grande quantidade de ar, para me manter acordada.
- Sim, sou o saiya-jin da Terra que nasceu para te derrotar – confirmou Goku com um sorriso.
Não reconheci o tom de Son-kun, profundo e ameaçador. Son-Kun não era assim. O instinto fez-me abrir os olhos. As coisas iriam ficar feias. Deveria fugir dali. Estava demasiado perto dos dois adversários que se entreolhavam com um ódio mortal. Vegeta pôs-se de pé, a segurar o braço esquerdo pendurado que derramava rios de sangue. Tinha a pele demasiado exposta, vestido com a camisa de manga curta que eu lhe tinha dado no início daquela tarde e ferira-se com gravidade por não estar protegido com a sua armadura de combate. Senti remorsos, mas como podia eu adivinhar que o dia iria terminar daquela maneira bárbara?
As pedrinhas que cobriam o chão começaram a saltitar. Nem sei onde fui buscar forças para me levantar e correr até uma rocha estalada, onde me escondi a tremer. A rocha tinha metade da minha altura e agachei-me. Pousei uma mão no peito, a tentar acalmar o bater descompassado do coração. O terramoto fazia o chão vibrar debaixo dos meus pés. Não aguentei a curiosidade. Sempre agachada, agarrei-me à rocha e espreitei a cena. Sustive a respiração. Freeza tremia tanto quanto eu.
Então, exultei. Son-kun tinha o que era necessário para eliminar aqueles dois inimigos. A Terra estava salva!
O corpo de Goku estava tenso. Dobrava os braços pelos cotovelos e os cabelos agitavam-se irrequietos, impelidos pela energia que gerava, que agitava o chão e as montanhas. Reconheci o tremor de terra, a forma constante mas contida como as entranhas do planeta rugiam, perturbadas por uma força superior a qualquer outra do Universo. Sentia os rios de magma subterrâneo a quererem irromper até à superfície, as placas tectónicas a se esmagarem e a se sobreporem, os vulcões a nascerem e os oceanos a vazarem. Sentia o cataclismo do fim do mundo a querer desatar-se e, ao mesmo tempo, aquilo que provocava toda essa comoção a travar o cataclismo. A matéria e a antimatéria quase tocando-se.
- Tal como em Namek... - suspirei.
Goku começou a brilhar, envolto numa capa amarela transparente. Os cabelos aloiraram-se e eu gritei de assombro.
Mas o que significava aquilo? Olhei para Vegeta. Pela expressão de raiva, percebi que ele sabia que transformação era aquela.
E Freeza também já conhecia aquele aspeto de Son-kun, porque recuava dois, três passos, lavado em suor, tomado pelo mais absoluto dos pânicos. Cravei os dedos na rocha, inquieta, lançando uma prece a pedir um fim rápido para a situação horrível onde estávamos todos enfiados. Não aguentaria mais arranhadelas, rasgões e trambolhões.
- Os olhos!... – Balbuciou Freeza de pernas a tremer. – São aqueles olhos!
Como Son-kun estava de costas para mim, não sabia o que assustava tanto Freeza, que olhos teria o meu bom amigo. Deviam condizer com a sua voz assustadora, porque também eu estremeci quando o ouvi dizer:
- Adeus, Freeza.
Cold não entendia a reação do filho e mantinha uma pose neutra, quase desafiadora, sempre de braços cruzados.
- O que é que se passa? Recuas diante de um saiya-jin?
- Não é simplesmente um saiya-jin – explicou Freeza. – Ele é um super saiya-jin!
- Isso não passa de uma estúpida lenda.
O riso gutural de Goku calou a eventual resposta que Freeza preparara. Vi-o levantar um braço, mostrar a mão com os cinco dedos abertos em cima da cara de Freeza. Foi então que Cold descruzou os braços, perguntando num berro:
- Atreves-te a desafiar-nos, macaco nojento?
Freeza não conseguiu reagir a tempo. Desapareceu numa explosão de luz, que engoliu não apenas o seu corpo mecanizado mas também um urro de puro terror. Quando a claridade se dissipou não restava nada desse terrível inimigo, que tanto assombrara os meus pesadelos em Namek e, naquela tarde, naqueles breves momentos, na Terra. O ataque de Goku fora certeiro e rápido. De Freeza não restava mais do que a lembrança e uns fiapos de fumo negro. O odor a metal queimado e a sangue causou-me repulsa.
Ao ver a forma súbita como o filho acabara, Cold saltou para fugir e para tentar um ângulo mais favorável para investir. A velocidade de Goku, porém, era superior à sua e quando Cold ainda subia no ar, já ele o apanhava de costas. Pontapeou-o com toda a força, fazendo-o perder o equilíbrio. Antes de atingir o solo com o corpo enorme a girar desamparado, Goku lançou outro raio amarelo e o grande senhor do Universo chamado Cold deixou de existir.
Agora, tinha Son-kun de frente e espantei-me com os seus olhos. Freeza tinha razão. Era um olhar inesquecivelmente frio e verde. Encolhi-me atrás da rocha, escondendo-me cheia de medo, esperando que Son-kun não tivesse perdido a razão e que soubesse que nós estávamos ali, eu, Vegeta e também todos os outros companheiros, pois esperava que estivessem ainda todos vivos, e que não éramos seus inimigos e que o acolhíamos com muito alívio e gratidão.
Goku disparou um terceiro raio e a nave de Freeza explodiu com um estrondo que reverberou pelas montanhas num som fantasmagórico. Julgo que esse som transportou o lamento da alma irada de Freeza, enquanto se esgueirava para o Outro Mundo, na direção dos Infernos.
O silêncio que se seguiu foi estranho.
O vento uivou nas montanhas e soprei com força o ar que tinha retido nos pulmões.
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Ecos do Futuro Memórias de Ontem
FanfictionQuando a Terra é ameaçada pela inesperada visita do terrível Freeza, que aterroriza todo o Universo e que se julgava ter perdido a vida após um combate titânico contra Son Goku no planeta Namek, os guerreiros reúnem-se nas montanhas para o receber e...