Parte VI - Chega o salvador

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A segunda explosão que apanhou Vegeta foi ainda mais terrível do que a primeira. Vi o corpo dele ser cuspido e desaparecer com estrondo, enquanto arrasava com um monte de rochas. A nuvem de detritos dissolvia-se quando consegui reagir e pôr-me de pé.

- Ve... Ve-Vegeta... - Chamei.

Corri para o lugar, mas Freeza chegou antes de mim e travei a fundo. Tropecei e caí de joelhos despidos no chão irregular. Cortei a pele em vários sítios, mas nada senti. De olhos pregados no local onde Vegeta tinha desaparecido, só me preocupava com ele. Mas também fixava Freeza apreensiva e não me atrevia a aproximar-me mais. O lagarto aterrava devagar próximo de onde estaria o saiya-jin, como um predador a rondar subtilmente a presa, farejando o sangue e o fumo. Crispei as mãos, parti um par de unhas enquanto apertava pedras e cascalho.

- Afasta-te dele, maldito – resmunguei, incapaz de elevar a voz acima de um cobarde sussurro. Freeza assustava-me mais do que queria admitir.

Um estampido duplo atravessou a atmosfera e iluminou o ar de um branco tão brilhante, que cobri os olhos para os proteger. Fiquei cega por alguns segundos, os suficientes para que, no momento em que recobrei da cegueira, limpando lágrimas e fungando, tudo tivesse mudado. Freeza tinha desaparecido e, presumi, Vegeta também já não estaria no sítio onde caíra. Gohan gritava, em cima de um rochedo, reunindo energia nos pequenos músculos. Estava mais ferido do que antes, mas estava igualmente mais empenhado.

Permanecia de gatas, a rodar a cabeça como um catavento, à procura de Vegeta. Devia era procurar refúgio, mas a adrenalina fluía e eu pensava no que estava a acontecer e não em mim mesma. Quando me levantei, apanhei com uma vaga de calor nas costas que me projetou para diante. Tropecei nos próprios pés, não consegui equilibrar-me e caí num terreno íngreme. Gritei a tentar segurar-me, mas não encontrei um ponto de apoio e acabei por partir mais uma unha e arranhar os braços. A rebolar, deixei de sentir o chão. Lancei os braços numa tentativa desesperada de agarrar qualquer coisa. Quando senti que parava as piruetas, estava pendurada sobre um abismo negro, a balançar por cima de um vazio imenso.

- Ah, não!...

Agitei os pés, mas não achei uma plataforma para aliviar o peso que os meus braços sustinham. Muni-me de toda a força de vontade para me içar para cima, mas o cansaço começou a derrotar-me.

- Não, não... - balbuciei quase em pânico.

A terra tremia, as explosões sucediam-se. Julgo que, no meio da minha situação desesperada, escutei um grito frustrado de Vegeta. Pensei no saiya-jin e sorri, fechando os olhos, preparando-me para entregar-me ao inevitável.

Chegara o meu fim...

Em breve, a Terra também veria o seu fim e consolei-me nesse facto. Não perderia grande coisa do futuro – apenas uns míseros minutos.

Mas não deixava de ser um desperdício morrer tão jovem e tão bela e tão cheia de promessas.

Tal como em Namek... Tal como em Namek...

Abri as mãos.

Uns braços fortes arrancaram-me do perigo. Gritei com o solavanco que me empurrou para cima, confusa por perceber que subia em vez de descer.

- Bulma-san!

Reconheci a voz de Kuririn.

Tal como em Namek, no momento em que ia mergulhar no vazio, alguém me salvava da morte e ressuscitava-me. Em Namek, fora Gohan. Ali, na Terra, fora Kuririn.

Pousou-me cuidadosamente num local fresco. Abri os braços para sentir rochas de um lado e do outro. Estava num desfiladeiro, formado por altas paredes rochosas por onde se via uma nesga de céu. Um refúgio da batalha, uma espécie de esconderijo. O alívio que me encheu a alma amoleceu-me os sentidos.

- Onde está Yamucha? – Perguntei.

- Está com Ten Shin Han. Juntaram-se a Piccolo para o ajudar no combate contra aquele monstro que acompanha Freeza. Eu também vou, Bulma...

- E os soldados que vocês perseguiram?

Mostrou um sorriso cansado e exibiu o polegar da mão direita.

- Não te preocupes... Foram fáceis de eliminar.

- Freeza é aquele lagarto mecanizado?

Fez uma curta pausa, para conciliar uma memória breve.

- Hai.

- Não sabia que ele era um androide.

- Não era. Deve ter ficado tão ferido, após o combate contra Goku, que a única maneira de sobreviver foi ter-se transformado numa criatura parcialmente artificial.

Encostei-me à rocha.

- E Son-kun? Não deveria ter chegado?

Kuririn recuou alguns passos.

- Bulma, será melhor regressares. Este lugar é demasiado perigoso para ti.

Irritei-me.

- Todos me dizem isso!

- É porque é verdade! – Refutou zangado. – Sai daqui! Vais atrapalhar se tivermos que nos preocuparmos contigo.

- Não quero que se preocupem comigo.

- Então, vai-te embora.

Irritada vi-o voar para longe. Uma dor aguda paralisou-me os braços quando os tentei cruzar. Olhei para as mãos escandalizada. Estavam desfeitas! Tinha o vestido rasgado, as pernas com nódoas negras e arranhões. Apalpei o cabelo. Deveria estar outra desgraça, despenteado e sujo. Suspirei. Provavelmente, Kuririn e Gohan e até Puar teriam razão – estava na altura de me retirar da cena. Deveria ir tratar de mim e recuperar a beleza perdida. Já tinha cumprido o que fora ali fazer – ver Freeza.

Mas, provavelmente também, seria tarde demais.

Um rebentamento próximo sacudiu o desfiladeiro. Num reflexo, levantei a cabeça e em vez do céu azul vi línguas de fogo. Berrei assustada e fugi dali. Abandonei o refúgio e tornei a expor-me ao perigo, o que contrariava as indicações de Kuririn e dos demais e toda a noção de bom senso.

Mas que mais poderia eu, tão frágil pessoa, fazer? A batalha estendia-se em redor, por toda a paisagem, preenchendo todos os cantos e cortando qualquer via de fuga. Tinha-me metido no sarilho e agora que já estava farta da experiência, não me conseguia livrar dela.

Cobri a cabeça com as mãos e desatei a correr sem rumo certo. Um segundo rebentamento apanhou-me. Dei algumas voltas no ar, desgovernada, berrando por ajuda, berrando simplesmente. Caí de costas. Não me consegui mexer, digerindo a dor que me tolhia músculos e ossos.

Furiosa, pensei em Yamucha. Onde estava ele para me salvar?

Furiosa, pensei em Vegeta. Mas por que raios não conseguia ele ferir ou debilitar aquele maldito Freeza? Não era ele um poderoso guerreiro, um saiya-jin imbatível?

A verdade é que a batalha estava perdida.

Um terceiro rebentamento e percebi que o fim havia chegado. O fumo encheu-me violentamente as narinas. Ainda consegui ver, no mar de fogo que queimou o céu, Vegeta a tentar proteger-se do ataque flamejante. Era demasiado, porém. Com um grito doloroso despencou-se das alturas e caiu perto de mim.

Desmaiei.

Não havia salvação.

Mas, nisto, apercebi-me de uma acalmia. Alguns minutos de sossego, um intervalo forçado mas que vinha impregnado de toda a esperança que precisávamos no meio daquele desespero insano.

Pestanejei. Soergui-me a tremer. A visão focava-se aos poucos, os contornos das coisas a bailarem furiosamente até se fixarem nas suas formas concretas. Reconheci-o. Haveria sempre de o reconhecer. Arquejei, tão aliviada que me apeteceu chorar:

- Son-kun!...

Goku acabava de chegar à Terra.

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