Parte XIV - Subitamente, vulnerável

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Quanto o tempo começou a aquecer, nas vésperas da entrada da primavera, a minha estação preferida, fui até ao centro comercial disposta a mudar radicalmente o meu guarda-roupa. Estava farta dos velhos trapos e, no dia anterior, tinha tido uma crise de nervos e um ataque de choro ao descobrir que o que tinha para vestir estava horrivelmente fora de moda. As cores não condiziam, a altura das saias estava totalmente errada, os sapatos eram desadequados a qualquer combinação de peças e acessórios.

As lojas brilhavam com as novidades, as montras estavam irresistíveis. Quando entrava em qualquer estabelecimento era muito bem recebida. Sendo a filha do maior industrial da cidade, reconhecida pela sua fortuna e bom gosto, tinha todas as mordomias que necessitava para ultrapassar a neura de me saber tão pobremente vestida. Fiquei mais animada à medida que escolhia novos fatos, calças, blusas, tops, saias, vestidos, casacos e boleros, malas e sapatos, bijuteria diversa.

O braço esquerdo, na dobra do cotovelo, sustinha uma dezena de sacos, com a mão direita digitava com o polegar no comunicador portátil, consultando as mensagens, verificando se alguma das amigas me tinha respondido. Até à data só havia encontrado duas delas, acompanhadas da mãe e do namorado, respetivamente.

O centro comercial fervilhava de atividade, a música vibrava no ar, escutavam-se risos soltos, as crianças brincavam em correrias entre os adultos. Um típico dia descontraído de fim-de-semana.

Dirigi-me para as escadas rolantes para me encaminhar para o pátio das refeições, um amplo espaço onde se oferecia comida do mundo inteiro em botequins decorados com toldos coloridos. No meio dispunham-se mesas e cadeiras de design futurista, poucas arestas, curvas práticas e cómodas. Guardei o comunicador no bolso do casaco e baixei os óculos escuros que tinha na cabeça. Sentia-me uma estrela.

Analisei a oferta das refeições ligeiras. Decidi que não me apetecia mastigar nada, mas antes refrescar-me com um granizado de ananás. Alguém me cumprimentou do outro lado do pátio, acenando com entusiasmo. Não devolvi o aceno, seria de mau gosto pôr-me a gesticular no meio de tanta gente. Já era bastante difícil esgueirar-me com tantos sacos no braço.

Encontrei o bar dos granizados. Uma rapariga atarefava-se na máquina registradora, enquanto duas outras serviam os clientes. Um cartaz de dupla face, pousado no chão, anunciava os produtos que serviam e os preços, com enormes fotos dos copos. Abri a mala para tirar o porta-moedas, o meu olhar passeou-se distraído pelas mesas próximas.

O meu coração parou.

Numa mesa, com dois copos de granizado vermelho, o que indicava serem de morango ou de groselha, com palhinhas decoradas com corações e chapelinhos de sol de papel, um casal fazia confidências entre sorrisos e olhares melados e, a quem os visse, dir-se-ia que estavam loucamente apaixonados. Uniam as cabeças, roçando as testas, davam as mãos entrelaçando os dedos. Ela estava corada, ele estava deslumbrado. Ela chamava-se Pinkie e andara comigo no liceu, conhecia-a bem. Ele era Yamucha e acontecia ser o meu namorado.

Abri e fechei os olhos para me certificar que não estava a imaginar coisas.

Aproximei-me da mesa e desfiz o enlevo amoroso daquele casal que deveria parecer tão engraçado a quem passava. Ela olhou para mim, reconheceu-me e de corada passou a lívida. Ele olhou depois e gritou:

- Bulma!

Tive uma vontade imensa de lhe esmurrar a cara, mas seria de mau gosto andar à pancadaria no pátio das refeições do centro comercial.

Confrontei-o, fazendo passar as palavras por entre os dentes:

- O que é que fazes aqui? Não estavas na tua viagem de recolhimento? Não era suposto regressares apenas no início do verão?

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