Parte XVII - As pequenas dádivas

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Não fiquei surpreendida, nem escandalizada, quando descobri que estava grávida. Aceitei o facto como coisa natural, enquanto olhava de forma analítica para a mancha azul no centro do tubo de plástico, o teste de gravidez que acabara de fazer. Desconfiava que esperava um bebé e resolvi confirmá-lo, porque deveria tomar providências se fosse verdade, nomeadamente procurar assistência médica e preparar a vinda de um novo membro à família Brief.

Talvez fosse o relógio biológico a indicar-me que se tratava de coisa normal e que não deveria causar espalhafato por algo que deveria fazer parte de mim, naquela altura da vida, como respirar ou dormir. Ser mãe. Não sabia muito bem o que isso significava, mas tinha a intenção de o descobrir.

Os meus pais receberam a notícia com um entusiasmo que me causou algum espanto e embaraço, devo confessar. Não é algo que se conta de ânimo leve, ainda para mais sendo solteira. Nunca sabemos como será a reação, apesar de, num qualquer ponto do trajeto, nos venham a acompanhar e apoiar incondicionalmente.

Quando o Dr. e a senhora Brief souberam que iriam ser avós, largaram numa algazarra que ecoou pelo salão e por toda a Capsule Corporation. Recebi beijos, abraços, palmadinhas. A minha mãe derramou lágrimas, confessando ser a mulher mais completa do mundo. O meu pai, no dia seguinte, encheu o átrio da casa de balões azuis e cor-de-rosa só para me ver feliz, dissera-me, um agrado para a sua menina. Achei que aquela história do relógio biológico também funcionaria para os avós, não apenas para as mães – e se calhar, para os pais, mas não falava com o pai há tanto tempo que não sabia se a minha hipótese estaria correta.

Os encontros com Vegeta, depois daquela primeira noite, sucederam-se durante duas semanas. Dias e noites de cumplicidade, de paixão, de descoberta... Foi esse o tempo que ele necessitou para me arrancar da cabeça e retomar os treinos com a concentração requerida. Enclausurou-se novamente na nave e barrou-me a entrada. Eu não lhe fui bater à porta, contudo. Conseguia percebê-lo o suficiente para saber quando era altura de o deixar com os seus assuntos.

Iria criar aquela criança sozinha, decidira. Seria muito mais minha do que dele. Não sabia a opinião de Vegeta sobre essa minha decisão e não a procurei obter. Ainda tentei forçar um novo encontro com ele, depois de saber da gravidez, para lhe contar a novidade, mas nunca aconteceu e fui deixando o tempo correr. Algum dia, Vegeta ficaria a saber. O segredo era impossível de ocultar ao fim de alguns meses. Na verdade, também não estava muito agradada com a possibilidade de o meu filho puxar o lado do pai – tinha medo que acabasse por criar um ser cruel e egoísta, defeitos transmitidos por via genética, pois sabia lá como funcionariam os genes alienígenas de Vegeta. Mas, ao mesmo tempo, orgulhava-me de carregar comigo a descendência real desse povo guerreiro que eram os saiya-jin, que podiam ser pessoas genuinamente boas, como Son-kun e Gohan-kun o demonstravam tão bem.

Aquele bebé haveria de ser o meu tesouro, a minha obra-prima. A minha responsabilidade, o meu projeto supremo. Um Brief, inquestionavelmente.

Mal sabia eu que o destino encarregar-se-ia de fazer do meu filho a única lembrança palpável de quem tinha sido o grande príncipe dos saiya-jin.

***

Concordei em receber Yamucha quando ele apareceu na Capsule Corporation numa tarde modorrenta de outono. No relvado principal do perímetro do complexo estirava-me numa cadeira espreguiçadeira, mais sonolenta do que me lembrava alguma vez de ter estado e terrivelmente enjoada. Uma revista estava aberta sobre as pernas. Os assuntos mundanos que antes me tinham entusiasmado já não conseguiam captar a minha atenção. Estar grávida mudava os meus hábitos e estava contentíssima com todas as mudanças.

Yamucha sentou-se na cadeira ao lado da minha. Olhei-o através das lentes dos óculos escuros e achei-o apagado. Tinha passado um ano desde que me tinha ido ali mentir que iria numa viagem de recolhimento. Tinham passado sete meses desde que tínhamos acabado a relação. Mas ele vinha ali para reatá-la, convencido que, passado este tempo, eu tinha amansado e que estaria pronta para o ter de volta. O primeiro sinal fora aceitar, finalmente, recebê-lo. Naquele dia, vinha sem Puar. Sempre que ele queria falar a sério, fazer as pazes, vinha sem o gato azul.

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