Parte XXVI - No fim, um novo início

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Cortei o cabelo. Estava cansada de o usar comprido e descuidado, preso num rabo-de-cavalo junto à nuca, sem qualquer vestígio de penteado ou de vaidade. Cortei o cabelo e senti-me melhor quando me vi ao espelho, admirando a minha nova imagem.

Já não era jovem, tinha dobrado os cinquenta, mas não me deixava abater pelo peso da idade e por toda a amargura e desilusão que tinha norteado a minha existência nos últimos vinte anos. Agora, sentia-me pronta para recomeçar, tal como a cidade em meu redor e o mundo inteiro para além das fronteiras desta. Os trabalhos de reconstrução de West City tinham começado e o ar impregnava-se de sons de gruas e de martelos, três anos depois do desaparecimento dos humanos artificiais.

Fui até ao exterior do complexo da Capsule Corporation onde Trunks esperava por mim, vestido com o equipamento de combate que fabricara para Vegeta, emulando o mesmo porte régio do pai. A máquina do tempo tinha os depósitos cheios e brilhava triunfante, com um raio de sol a bater na cobertura transparente e aberta da carlinga. Ele disse-me que iria viajar novamente para o passado para contar que tinha liquidado os androides número 17 e número 18 e que a paz havia sido restaurada no nosso mundo.

- Trunks, tem cuidado – pedi. – Diz-lhes que envio cumprimentos.

- Hai, 'kaasan.

De repente, franziu o sobrolho.

- 'Kaasan, vai para casa.

- O que foi? Temos visitas?

Julguei que tinha percebido a súbita reserva dele. Retirei as mãos dos bolsos das calças brancas, semicerrei os olhos.

- Ah... É uma namorada?

Dei-lhe uma cotovelada cúmplice, gracejando de seguida:

- Como é que conseguiste arranjar uma namorada, meu sonsinho?

Mas Trunks não respondeu à minha brincadeira e percebi que era coisa séria pois o sobrolho continuava franzido, enquanto controlava os movimentos atrás dele e da máquina do tempo. Entrei na Capsule Corporation numa corrida.

Dentro de casa, pus-me a espreitar o exterior através de uma janela.

Vi o monstro verde, semelhante a um inseto gigante, a aproximar-se de Trunks. Vi os dois a falarem. Vi depois o meu filho empurrá-lo, com uma barreira invisível de ki, que fez disparar o monstro pelos ares. Trunks foi em sua perseguição e sumiram-se os dois no céu azul.

Encostei-me à parede, a morder o lábio inferior. Tinhas as mãos suadas. O coração batia assustado e, de repente, o peso daqueles anos todos desabou sobre mim como uma chuva de pedras.

Levei uma mão ao peito, enquanto deslizava pela parede e aterrava no chão. Por muito que achasse que deveria ser absolutamente necessário naquela hora de desamparo, não consegui derramar uma única lágrima. Quando era mais nova, era uma chorona, chorava por tudo e por nada, como uma forma de chamar a atenção e de fazer valer a minha vontade, caprichos de menina a quem nada, nunca, lhe tinha sido negado. Mas quando os tempos exigiam o desabafo de um choro que limpasse a alma, retivera todas as lágrimas.

Como ali, naquele dia em que o meu filho perseguia um monstro que, segundo o relato dele, num passado que não era o meu, trouxera mais desgraça ao mundo do que o par de humanos artificiais que havia devastado os dias da minha juventude. Estava com medo, essa era a verdade, mas as pedras que me tinham soterrado não conseguiam arrancar de mim nada... Estava seca, nem uma lágrima.

Achei que devia ter chorado mais. As lágrimas obrigatórias por Goku e pelos meus amigos caídos num estúpido combate que não tinham procurado e para o qual não estavam à altura. As lágrimas suficientes por Vegeta, que eu amava com todo o meu coração, apesar da indiferença e dos magros momentos que partilhámos. As lágrimas necessárias pelo meu pai e pela minha mãe. As lágrimas sofridas por Gohan, o último a cair, o que acabou por levar para o esquecimento tudo o que eu tinha sido nos dias felizes. As lágrimas pelo terror que me assaltara as longas noites de derrota e de incerteza, em que me abraçava ao corpo pequeno do meu filho e em quem, secretamente, depositava todo o peso da minha necessidade imperiosa de regressar a esses dias felizes.

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