Parte XXII - O desespero que cresce em cada dia

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Sempre julguei que West City estaria demasiado longe da destruição que assolava partes intermitentes do mundo e que eventualmente acabaria por ser poupada. Enganei-me. Num dia escaldante de verão, a terrível realidade chegou à maior metrópole do Ocidente.

Estava num armazém a comprar mantimentos. A comida escasseava e a única possibilidade de conseguirmos fornecer a despensa era estar atenta às notícias clandestinas e acorrer aos locais onde, numa data determinada, iriam fazer venda dos produtos. Levava Trunks comigo. Fazia-o sempre pois, apesar de contar apenas com cinco anos, já evidenciava uma força fora do comum e ajudava-me a carregar as caixas de papelão pesadas, cheias de comida. Fazia-me lembrar o pequeno Gohan que, com a mesma idade, tinha viajado comigo e com Kuririn para Namek. Parecia que tinha sido noutra vida, quando me punha realmente a pensar nisso. De repente, tinha ficado sozinha.

Em menos de três anos, os humanos artificiais tinham anulado as defesas da Terra. Dito por outras palavras, tinham eliminado quem poderia enfrentá-los com as mesmas armas. No dia em que Kuririn me dera a notícia de que Vegeta estava morto, Piccolo também perdia a sua própria vida. Eu levara Gohan para o meu quarto. Limpava e ligava-lhe os ferimentos, enquanto esperava pela chegada do nosso médico, ainda digeria a notícia da morte de Vegeta, mergulhada numa nuvem de tristeza que me tornava sonâmbula. Nisto, Gohan estremecera e soltara um grito lancinante. Trunks, que dormia na sua cama, ao nosso lado, assustara-se e desatara a chorar.

- Gohan-kun!

O miúdo arquejara como se lhe tivessem arrancado os pulmões. Afogava-se num sofrimento esmagador. Abraçara-o a chorar, tal como Trunks chorava, descontroladamente. Mas Gohan não derramava uma única lágrima, tentava apenas respirar, balbuciando em transe:

- Piccolo-san... Piccolo-san...

Segurava-o para que ele não me fugisse, Kuririn tinha-me pedido que não o deixasse sair de ao pé de mim, mas Gohan nunca tentara soltar-se do meu abraço. O meu calor consolava-o, de alguma forma. Chorara tanto nesse dia, percebendo que o nosso mundo tinha morrido. A minha inocência acabava de ser sepultada numa cova esquecida e escura.

No dia da morte de Piccolo, as bolas de dragão tinham-se transformado em pedra e a sua magia esfumara-se para sempre. Quando os nossos amigos perdiam a vida em terríveis batalhas contra o mal, utilizávamos o poder de Shenron para que ressuscitassem. Tinham morrido ingloriamente e estupidamente, mortes prematuras e repunhamos a ordem das coisas com as bolas de dragão. Havia limitações ao seu poder, sabíamos muito bem. Quem tivesse sido ressuscitado uma vez não podia beneficiar da mesma graça duas vezes. Quem morresse de morte natural ou provocada por uma doença, também não podia recuperar a bênção da vida – fora por isso que não pudemos ressuscitar Goku depois de ter morrido por causa do tal vírus que lhe atacara o coração. Alguns dos nossos amigos já tinham sido ressuscitados com as bolas de dragão, não podiam sê-lo pela segunda vez. Mas podíamos pedir a Shenron que nos indicasse onde ficava o novo planeta para onde tinham ido os namekusei-jin e Porunga, o dragão sagrado desse povo, poderia ressuscitar alguém mais do que uma vez.

Com a morte de Piccolo, não fora apenas Gohan que perdera. Perdêramos todos.

Nunca tinha havido um dia com tanta dor como aquele em que Piccolo morrera.

Por vezes, ao fechar os olhos, ouvia os arquejos dolorosos de Gohan a tentar respirar. Piccolo fora como um segundo pai para o miúdo. Já tinha perdido o pai de sangue, Son Goku. Perdia também o pai adotivo.

Sacudi a cabeça para afastar essa lembrança desnecessária quando estava no meio da multidão no armazém que vendia a comida, naquele dia de verão, em West City. Todos os guerreiros estavam mortos – Vegeta, Piccolo, Ten Shin Han, Yamucha, Kuririn e Yajirobe. Gohan tinha sobrevivido e vivia recluso nas montanhas, com a mãe Chi-Chi e o avô Gyumao. Nunca mais o tinha visto desde o dia da morte de Piccolo. Até Mutenroshi se tinha enfrentado aos humanos artificiais. O velho mestre, agarrado ao epíteto de que outrora tinha sido o homem mais forte do mundo, desafiara o inimigo. Tinha ouvido relatos de horror, a ilha onde vivia o velho mestre fora arrasada como vingança pelo descaramento. Não tinha ido verificar se era verdade. Não suportaria ver, com os meus próprios olhos, o local onde passara momentos deliciosos, onde havia tanto de mim e tanto dos nossos amigos, queimado, destruído, violentado.

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