Capítulo 42

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Ban encarava o caixão sendo abaixado sem de fato sentir a “ficha cair”. Algumas coisas são tão complexas, que nem sempre conseguimos traduzí-las em palavras ou em expressões. Nos sentimos tão senhores de nós mesmos que vivemos como se nossas vidas fossem eternas, quando podem ser apagados com um sopro tamanha a sua efemeridade. Nada na vida nos prepara para o momento em que deixar alguém partir não é uma escolha, mas uma dor que precisamos aprender a conviver. Ninguém escreve sobre quantos dias duram um coração partido, nem prescrição de remédio para curar o sentimento de perder uma pessoa importante.

—Ban-nii — Robbie puxou a camisa dele — por que colocaram o papai naquela caixa? — perguntou confusa.

Ban engoliu um seco e encarou a garotinha sentindo seu coração pesar. Como explicar aquilo pra ela?

—O papai vai viajar pra um lugar distante, Rob.

—Naquela caixa? — fez uma careta — pra onde ele vai?

—Pra um lugar muito bonito — tentou sorrir.

—Mais que Fiore?

—Sim, amorzinho.

—E por que ele não me levou? — ela fez um biquinho de decepção.

—Ele precisou ir sozinho, Robbie — engoliu um seco.

—E quando ele vai voltar?

Ban sentiu como se sua garganta estivesse se fechando. Como diria para Robbie que o pai dela nunca mais voltaria pra casa? Como diria pra ela que ele também nunca mais enviaria cartas, mensagens ou ligações? Ban começava a tomar simpatia por Stephen em relação à sua decisão de apagar as memórias de Meliodas sobre Nora, é cruel demais fazer uma criança passar por isso. Aquilo não era culpa de ninguém, mas apagar lembranças parecia ser o jeito mais fácil de encurtar o sofrimento.

—Ban-nii, a Lili falou que a vovó dela entrou numa caixa e nunca mais voltou — Rob respondeu depois do longo silêncio do irmão — é isso que está acontecendo com o papai? Ele nunca mais vai voltar?

Ban abriu a boca pra responder, mas as palavras se recusaram a sair.

—Ban-nii, o que vamos fazer sem o papai? — ela perguntou com os olhinhos arregalados, agarrando a camisa dele com suas mãozinhas pequenas — precisamos tirar o papai dali! Ele tem que me contar historinhas antes de nanar!

—Ban — Mei puxou a barra da camisa dele com os olhos marejados e ele mordeu o lábio com força. Nunca em toda a sua vida havia visto aquela expressão no rosto dela — o que faremos sem o papai?

Robbie ainda choramingava sobre a “caixa” em que estavam colocando Math, então Ban a apertou contra o peito e se agachou no chão, para envolver Mei no abraço também.

—Nós vamos ficar bem, sim? — disse e ela se inclinou no ombro dele, chorando tudo que ainda não tinha chorado — eu prometo que nós vamos ficar bem.

—A mamãe também vai embora? — Rob perguntou preocupada.

—Ninguém vai embora, Rob. Nós vamos ficar juntos.

Anne parecia tão ou mais abalada do que seus filhos. Não sabia como conseguiria tocar a vida dali pra frente sem seu eterno companheiro e amigo de todas as horas. Era com ele que dividia os bons e os maus momentos, e apesar de sentir que ele era a pessoa mais maravilhosa do mundo, os últimos acontecimentos a fizeram refletir se realmente o conhecia. Ele havia mentido pra ela e mesmo assim ela não conseguia odiá-lo. Viu o caixão ser enterrado sem de fato acreditar que aquela seria a última vez em que o veria.

~***~

Era um final de tarde como qualquer outro, exceto pelo clima monótono daqueles momentos em que a vida parece não ser real. O sol se punha no céu e o tingia em um misto de tons alaranjados, dando um clima surreal àquela hora do dia. Era estranho pensar que àquela mesma hora no dia anterior, Math estava vivo... e parecia bem.

Minhas CicatrizesOnde histórias criam vida. Descubra agora