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Olá, meus amores, voltei com a atualização dessa fic. Esse capítulo também é mais de apresentação, mas eu espero que vocês gostem.

Boa leitura <3
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Existem outras pessoas que vivem a vida apreciando todos os momentos bons e ruins. É quase como uma catarse constante de sentimentos. O carpe diem nunca fez tanto sentido antes de Raquel Murillo usá-lo avidamente em sua rotina. Mãe solteira de Paula e colunista freelancer em jornais e revistas, a vida da mulher era cheia de contratempos textuais e metáforas intimamente ligadas às causalidades diárias. Causalidades essas que fizeram Raquel trabalhar com a escrita. 

Ela tinha se especializado em assuntos sobre o cérebro humano após a filha nascer. Logo quando a menina completou três anos e meio, Murillo notou alterações consideráveis em relação à visão e o caminhar da garota. Dos vários especialistas que a mulher visitou com a criança, apenas um deu a hipótese que a causa dos problemas poderia estar escondida, mais especificamente no cérebro. E se aquilo fosse uma loteria, o médico teria ganhado uma bolada de dinheiro.

Raquel marcou consulta no Ospedale SS Giovanni e Paolo, o mais próximo de sua casa e com a equipe de neurologistas mais renomada da Itália. Após uma saga incansável de exames quase diários, Paula foi diagnosticada com um meduloblastoma: tumor infantil de tipo maligno de crescimento rápido no Sistema Nervoso Central. Se desenvolve nas regiões onde se encontram o tronco encefálico e o cerebelo - este último é responsável pelo controle dos movimentos voluntários do corpo, a postura, a aprendizagem motora e o equilíbrio. Após uma ressonância magnética para um diagnóstico inicial, o médico disse que a decisão mais correta seria tirá-lo, mas Raquel ficou um pouco receosa pela pouca idade da filha. 

Os dois ápices do tumor se dão entre os três e quatro anos, e depois dos oito aos dez. Paula tinha exatamente nove anos e cinco meses quando Raquel viu seu chão desabar ao pegá-la desacordada e entrar no primeiro táxi disponível. Depois de muitas pesquisas e conversas com médicos, ela sabia que por causa da filha ter mais que a idade considerada da alta taxa de risco, as chances de a cirurgia darem certo eram de 60 a 80%. Apesar do bom prognóstico, aquilo não tranquilizou a mulher. Era impossível ficar calma  naquela situação. Na verdade, ela poderia ter explosões de qualquer sentimento, menos tranquilidade. A única coisa que ela precisava e não conseguia atingir. 

Paula viveu consideravelmente bem durante os outros cinco anos, mas seu cérebro não aguentava mais a expansão do tumor. Então Raquel precisou correr com ela. As emoções gritavam em ansiedade, julgando-a, chamando-a de negligente. Mas seu lado mais racional tentava confortá-la com a decisão de ter adiado. Em crianças com quatro anos ou menos, o prognóstico é mais complicado. A maioria delas apresenta doenças disseminadas, e as que sobrevivem à cirurgia correm mais riscos de desenvolver déficits neurocognitivos a longo prazo. Não que isso importasse no momento que Raquel tinha Paula desmaiada em seu colo dentro daquele carro. Estar agindo no momento fez com que ela se culpasse um pouco menos. Ela só queria que a filha sobrevivesse. E ela sabia que a criança era uma vencedora por si só. 

Os pais de Raquel nunca aceitaram a sexualidade dela e a obrigaram a casar com um homem - escolhido por eles. Aos 24 anos, ela ainda morava embaixo do mesmo teto, então teria que aceitar as ordens se não quisesse ser expulsa, mesmo sendo maior de idade. Ela mesma chegou a se iludir dizendo que estava feliz. Aquilo havia sido implantado em sua mente como uma lavagem cerebral. Porém, ela sempre quis um filho. Ser mãe era seu sonho e ela tentava acreditar que os pais tinham feito a melhor escolha.

Jurava a si mesma que estava vivendo uma situação confortável. Mas então o marido de Murillo começou a mudar. Dois anos após o casamento ele começou a beber todas as noites. Passava do limite. Ele nunca aceitou bem o fato de Raquel ser uma mulher relativamente independente, disposta a não acatar as ordens dele. Ela era formada em Letras, especificamente tradução, e fazia alguns trabalhos avulsos. Ganhava seu próprio dinheiro e não dependia dele. Mas ele queria ser o alfa, ter uma esposa - ou escrava - totalmente submissa à toda e qualquer coisa que ele dissesse. Porém, vendo que não tinha sucesso, começaram as ameaças e agressões, tanto verbais quanto físicas. As do segundo tipo se intensificavam quando ele bebia. E ele sempre bebia muito. Mas fora isso, ele era um bom marido - ou pelo menos ela tentava acreditar em tal coisa. 

Raquel sempre foi muito valente e era quem defendia as amigas dos bullies na escola. Ela nunca se deixou amedrontar. Mas a primeira vez que teve medo foi quando teve de contar sobre a gravidez. Ela estava feliz por estar gerando uma criança, mesmo que ela não fosse fruto de amor propriamente dito, porque não, Raquel nunca o amou. Sabia que o homem e os pais ficariam felizes também, mas ela escolheu uma péssima hora. Ela estava de dois meses e ele já estava bêbado. Ao ouvir as palavras saírem dos lábios dela, ele levantou da poltrona que se encontrava e a avançou como se fosse um animal. Naquele momento ela teve muito medo. Foi literalmente a primeira vez que se sentiu aterrorizada. Não por si mesma, pois o corpo dela, infelizmente, já estava acostumado com os apertões e tapas. Isso já não doía mais. Mas teve medo pela criança. Ela queria tanto ser mãe e não deixaria que ele tirasse isso dela. Só conseguiu proteger a barriga ao ser lançada no chão. E assim foram passando os meses. Cada vez mais agressões, mais tapas, mais ele apertando a barriga dela. Era a nova rotina, a qual ela jurava ter algo de confortável quando ele estava sóbrio. No fundo ela sabia que era mentira e que estava enganando a si mesma. Ninguém se sente confortável ao ser agredida, psicologicamente aterrorizada todos os dias.

Mas como Raquel sempre acreditou em karma e na lei do retorno, antes de Paula nascer ele foi preso. Pego em flagrante após um vizinho ligar para a polícia ao ouvir alguns gritos. Apesar disso, Murillo só se permitiu respirar ao saber que ele tinha sido morto depois de ficar devendo para o chefe da cárcere.

E mesmo com todos os contratempos durante a gravidez, a bebê resistiu forte e determinada a vir ao mundo, mesmo que muito prematura. Com 7 meses incompletos, Raquel entrou em trabalho de parto. Aquela foi a segunda vez que mais teve medo em sua vida. A terceira foi ao descobrir o tumor da filha e a quarta estava sendo no momento presente, dentro daquele maldito táxi. Apesar de crer em destino e, sobretudo, em que nada acontece por acaso, praguejou contra o universo ao ver quase todos os semáforos trocando de cor. Aquela luz vermelha lhe dava raiva, a deixava impaciente. Mas o verde vinha, depois de um tempo inimaginável, trazendo esperança. 

Na porta do hospital, nem se preocupou em esperar o troco do motorista. Entrou desesperada pelas grandes portas e corredores tão brancos capazes de darem vertigem. Ou talvez fosse a adrenalina que a estivesse deixando tonta. Os socorristas de plantão logo pegaram a menina enquanto Raquel corria atrás, tentando balbuciar qualquer coisa indecifrável sobre o tumor. Mas as pernas falharam e ela caiu, também desmaiada. A última coisa que teve consciência foi de Paula sumir completamente de sua vista em cima de uma maca e tudo se apagar. 

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Espero que tenham gostado de saber um pouco mais da trama que está sendo desenvolvida. Qualquer comentário de apoio, crítica construtiva e/ou sugestão é sempre muito bem vindo. Qualquer coisa me chamem no twitter: @a_ricieri

Nos vemos em breve <3

FragmentoOnde histórias criam vida. Descubra agora