22. CAMARÕES MORTÍFEROS.

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Sábado anoiteceu em uma dessas belas e agradáveis noites de verão, com uma brisa fresca que vinha acalentar a quem sofria com o calor sufocante do dia. O campus de Vallert à noite era bonito. A iluminação usual do gramado era sempre charmosa, mas naquela noite estava de tirar o fôlego.

O campo esportivo do campus era realmente enorme, ao ar livre, rodeado por extensas arquibancadas. Estava tão lindamente iluminado para o show da Garlical 4, como poucas vezes esteve. Uma plataforma montava um palco em seu centro.

Ao se aproximar das oito da noite, as arquibancadas já estavam cheias, bem como as cadeiras da fileira vip próxima ao palco. A pista já fazia um forte ruído das vozes dos fãs chamando pela banda.

Logo atrás do palco havia uma conexão que levava até onde usualmente era o vestiário, que agora estava decorado minuciosamente como um típico camarim.

Uma grande mesa ostentava um banquete regado de frutas de todas as estações, vinhos e licores, aperitivos e frutos do mar. Nas penteadeiras, que foram acomodadas próximo aos chuveiros, se empilhavam presentes, flores, pelúcias, cartas, cestas de café da manhã...

Em um longo e confortável sofá que foi acomodado próximo à mesa do banquete, encontrava-se John. Ele revirava uma paleta nos dedos, inquieto.

– Esses caipiras estão tentando me matar, eu garanto! – reclamou Finn, largando de volta um prato de tofu à mesa, com um forte ruído. – Camarão?! Eu já disse que tenho a pior alergia do mundo à essas asquerosas baratas do mar!

John suspirou e revirou os olhos, mas Frank, que vinha chegando dos banheiros, tomou a frente para respondê-lo.

– Então não coma. Veja, tem um prato só pra eles, todos os outros estão inocentes e não têm nenhuma ameaça expressa à sua vida – replicou, monótono, apontando para os pratos.

Finn rosnou.

– Eu tenho uma alergia fulminante! Não posso nem chegar perto deles, olha só! Meus dedos que estiveram no prato ao lado já estão encaroçando! – reclamou, mostrando seus dedos perfeitamente normais.

Gary, que estava empoleirado no braço do sofá enquanto comia uma coxa de frango, lembrou:

– Deixa disso, cara! John adora camarão – disse, de boca cheia.

Finn semicerrou os olhos e encarou Gary.

– Isso explica tudo, não acha? Se a estrelinha Slight gosta de algo, quem se importa que isso atente contra a minha vida, não é? – disse, encarando John com escárnio.

John bufou.

– Ah, pelo amor de Deus, Finn! Cala essa boca! – gritou, levantando-se num rompante.

Sua explosão pareceu surpreender não apenas Finn, mas também os outros colegas de banda e as pessoas que circulavam pelos bastidores. John aproveitou que já havia perdido a compostura para descontar a raiva do seu detestável colega de banda:

– Não era isso que você estava tentando fazer, Finn? Me tirar do sério? É melhor que você não me mostre mais essa porra dessa sua cara até eu ser obrigado a dividir aquele palco com você, ou você nem vai querer saber onde eu vou enfiar cada um desses camarões! – rosnou, pegando o prato de frutos do mar no meio da mesa.

Quando todos no camarim o encaravam mudos e Finn parecia estar imaginando todas as formas possíveis de matá-lo, John encheu a mão de camarões e colocou-os na boca, largando o prato de volta à mesa com força. Virou-se em direção à saída e foi-se, mastigando.

Aquela situação estava cada vez mais insuportável. Finn nunca foi a pessoa mais agradável do mundo, mas a fama o fez muito mal. John já não conseguia mais imaginar a formação da banda se sustentando por muitos anos se continuassem com aquelas hostilidades.

Ele caminhou até a saída do anexo entre o palco e o camarim. Quando subiu nos fundos do palco, conseguiu escutar melhor o barulho do público que já estava enlouquecido à espera da entrada da banda.

Em uma parte segura na lateral do palco, escondida do olhar do público, sentou-se e tentou espiar a audiência por uma fresta no papelão que tampava os lados do palco.

A pista estava lotada, as arquibancadas reluziam em centenas de luzes de celulares. Nas fileiras de cadeiras à frente do palco, todos os lugares já estavam ocupados. Jessica e sua família da reitoria, as garotas da Delta Xi... Só cinco lugares, bem alinhados em frente ao palco seguiam vazios.

Os lugares que reservou para Hazel e quem ela quisesse levar.

Estaria ela com tanta raiva que nem sequer deu seus ingressos para a amiga ou alguém aleatório? Teria ela jogado eles no lixo ou na privada?

John suspirou, culpado.

"Tudo bem, eu mereço isso", pensou.

Mas não queria dizer que estava tudo perdido. Será que ela havia considerado seu erro imperdoável?

Ele esfregou a cabeça, frustrado.

O último dia havia sido estressante. Além das animosidades com Finn durante os ensaios, não parava de pensar no quão arrependido estava por tudo que havia feito à Hazel. Só queria poder voltar no tempo e desfazer todo o mal entendido. Ter dito para ela quem era no primeiro momento em que ela falou sobre ter escutado a Garlical 4.

O rosto dela parecia tão magoado e humilhado, ontem de manhã. E tudo piorou pois teve de ser feito na frente dos seus colegas, em especial daquele carrasco que era Greg Mitchell. Ele provavelmente castigaria a pobrezinha.

"Eu fiz tudo errado! Até consertar as coisas eu fiz do modo mais torto possível", pensou, torturando-se.

Não tinha muito tempo para lamentar, pois logo o som das vozes do público ficou mais alto, o resto da banda juntou-se a John em suas posições de entrada e o diretor foi anunciar o início do show, ao microfone.

Finn encarou John, ressentido e enraivecido, agarrado ao seu baixo. Gary tirou as baquetas dos bolsos e alongou o pescoço, e Frank, segurando duas guitarras, alcançou uma para John e ajeitou-se com a sua, lançando um sorriso encorajador ao amigo.

É. Hora do show.

O diretor terminou sua tagarelice e as luzes do palco se apagaram para que os rapazes se posicionassem em suas marcações. John deixou sua guitarra pendurada pela correia e segurou o microfone, pronto para começar o show.

Os rapazes começaram a tocar e as luzes do palco finalmente acenderam, revelando a banda, para o delírio do público.

Era uma plateia realmente ostensiva para um simples campo esportivo de uma universidade. Os ingressos haviam esgotado e o dinheiro foi arrecadado com sucesso. Mais um ato de caridade para a reputação da banda, apesar de John considerar a causa mais do que nobre.

Agora era a vez dele entrar nos vocais. Ao começar a cantar o primeiro verso da música de abertura, viu uma movimentação na primeira fileira.

Eram os cinco lugares vagos finalmente sendo ocupados e, com um súbito de alegria, John viu Lily, Max, uma garota desconhecida, um garotinho e finalmente Hazel, sentarem-se para vê-los.

A proximidade desses lugares com o palco era boa o suficiente para que seus olhos se encontrassem. Ela estava tão bonita. Seus cabelos estavam soltos sobre os ombros, que ostentavam apenas finas tiras de uma blusa cor de vinho que destacava tão lindamente sua pele.

Ela lhe correspondeu o olhar com um sorriso torto, ainda um pouco acusador, mas logo pareceu rir.

John estava tão contente que de repente sentiu-se extremamente animado com o show que daria a seguir, pela primeira vez nos últimos dias.

Afinal, o show não pode parar.

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