XIII - Pandora Duncan

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Pandora Duncan

— De quem é esse casaco? — minha mãe perguntou.

Eu nem mesmo tinha percebido que ainda estava com o casaco de Frederico em meu corpo.

— De um amigo — comentei, percebendo que o aroma do casaco ainda era dele. Completamente Frederico Bertolini.

Sorri com o pensamento, porém o sorriso não durou muito.

— Daniel? — minha mãe tentou adivinhar.

— Não — respondi secamente, recebendo uma sobrancelha levantada dela.

— Tudo bem, então — ela me olhou, tentando imaginar outro nome que conhecia.

Eu alonguei o músculo tenso de minhas costas, esperando minha mãe terminar o que estivesse fazendo.

Então ela me mostrou uma longa faca pontiaguda.

— Respire fundo, Pandora, muito fundo. Prenda a sua respiração e imagine que está em outro lugar — minha mãe me instruiu enquanto fazia um pequeno corte em meu dedo indicador, pois ela sabia que eu tinha um estômago frágil.

Eu senti a fina e pungente dor.

— Você tem certeza do que está fazendo? — minha mãe perguntou.

Não deveria ser o oposto?

— Eu só... não quero machucar as pessoas que eu amo por não conseguir me controlar — eu respondi, sentindo meu corpo menos pesado — eu só quero fazer a vovó se orgulhar de mim e ver que o sobrenome será carregado com honra.

Menos triste.

— Tem mesmo certeza? — ela tentava fazer com que eu mudasse de ideia, optasse por outros rumos, criasse novas esperanças.

Era em vão.

— Faça.

Olhei para o meu dedo e percebi que não havia uma marca do local em que a faca o furou, porém o sangue ainda escorria por ele em uma linha escarlate.

— Apenas saiba que o que eu estou fazendo não significa nada — ela disse com a voz trêmula, rouca — você ainda é a minha menininha medrosa...

Não estava preparada psicologicamente para isso.

Minha mãe pegou o anel que meu pai me deu e deixou exatamente uma gota de sangue cair em cima da pedra, fazendo-a escurecer no mesmo instante.

Ela hesitou, seu olhar ficou sombrio e ela respirou fundo.

— Tire seu casaco, por favor — ela pediu e eu a obedeci — o que é isso em seu ombro?

Olhei para onde ela encarava.

Ah, sim minha queimadura.

— Frederico acabou me queimando com seu cigarro hoje.

— De propósito?

— Acidentalmente.

— Ah sim, não sabia que ele fuma.

— Finalmente um aspecto negativo para você não gostar dele.

— Eu ainda gosto dele — ela sorriu para mim — na sua idade eu também fumava.

— Por que vocês duas sempre gostaram tanto dele? Ele é só mais um babaca da faculdade que dorme com todas as garotas que ele quer. Por que vocês sempre o enxergaram como uma pessoa melhor do que ele é?

— Isso é maior do que você pensa.

— Esclareça, por favor, então — eu pedi já prevendo a resposta negativa.

— Não posso.

— Por quê?

— Porque eu não sei, Pandora. Não é como se minha mãe tivesse um relacionamento aberto comigo! É uma jornada solitária, ela dizia.

— Vovó disse que eu teria companhia.

— Sim, mas não a minha.

— De quem? Aponi?

— Não, Aponi não deve se envolver nos nossos problemas — ela comprimiu seus lábios.

— Bem direta.

— Tudo o que eu sei, é exatamente o que eu já te disse.

— Sabe um pouquinho a mais e é egoísta a ponto de não compartilhar a informação!

— Quer saber quem tem as informações? Vá à Lúcifer! — ela vociferou, nunca vi minha mãe tão... furiosa comigo antes.

Ela largou a faca com força e marchou para o armário da sala — o armário com chave — e retirou algo de lá, um embrulho muito bem guardado em um tecido felpudo vermelho — eu me encolhi, a cor vermelha nos últimos tempos me lembra de sangue e sangue... sangue me lembra de meus sonhos.

— Como eu desejei outro destino para você, filha — ela me entregou o tecido e eu o peguei quando senti seus braços me envolvendo.

Mamãe nunca foi uma pessoa emotiva, então provavelmente aquilo era realmente algo grandioso.

Eu a abracei de volta e fechei meus olhos. Só queria escapar desta sensação que me rondava. Este aperto no peito de que algo extremamente errado estava prestes a acontecer.

— Era isso o que sua avó queria lhe entregar — ela sussurrou — o objeto mais valioso de nossa família. Cuide dele como se sua vida dependesse disso, pois, verdade seja dita, ela depende.

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