Rafaella passou quase três semanas indo à Biblioteca, ficava praticamente o dia todo no local, indo embora somente as 20h. Durante aqueles dias devorou milhares de páginas sobre o coma, a inconsciência e a traumatologia craniana. Ainda que suas leituras a fizessem entender sobre a condição de Gizelly, nenhuma trazia uma solução para o problema. À noite, encontrava-se com Gi, e, enquanto jantavam, a colocava a par de suas investigações do dia, e então tinham autênticas discussão sobre o assunto.
Na sexta-feira que finalizava sua terceira semana de estudos, saiu da biblioteca mais cedo. No carro colocou o volume no máximo, o rádio tocava Projota – Linda ft. AnaVitória. Um sorriso despontou em seus lábios, resolveu passar no mercado para comprar algumas coisas. Nada havia descoberto em particular, mas teve vontade de preparar uma janta especial. Tinha pensado em todos os detalhes, iria arrumar a mesa, iluminaria com velas e iria inundar o apartamento com música. Convidaria Gizelly para dançar e não falaria nada sobre assuntos médicos.
Rafaella entrou na garagem do prédio, estacionou o carro, pegou as compras, subiu a escada animada. Ao abrir a porta do apartamento, notou que Gizelly estava sentada no patamar da janela, contemplando a vista, e nem sequer virou-se.
Chamou ela em um tom mais irônico, mas era evidente que ela estava mal humorada e desapareceu de súbito. Rafaella escutou ela resmungando:
- E nem sequer posso bater à porta!
- Você está com algum problema? - perguntou.
- Deixe-me em paz!
Rafaella deixou o aposento e se dirigiu apressadamente até ela. Quando abriu a porta, a viu de pé, com a cabeça entre as mãos.
- Você está chorando?
- Não tenho lágrimas, como posso chorar?
- Você está chorando! O que está acontecendo?!
- Nada, não está acontecendo nada.
Rafa procurou seu olhar, mas ela lhe disse que a deixasse. Acercou-se, pouco a pouco, rodeou-a com os braços e a obrigou a virar-se até ficarem uma diante da outra. Gizelly abaixou a cabeça. Ela a levantou, empurrando-lhe o queixo com a ponta de um dedo.
- O que está acontecendo?
- Vão colocar um final nisto...
- Quem vai pôr um final em quê?
- Esta manhã, fui ao hospital. Mamãe estava ali e convenceram-na para que os autorizasse a praticar a eutanásia.
- Do que você está falando? Quem convenceu alguém a fazer o quê?
A mãe de Gizelly, tinha ido, como todas as manhãs, ao Hospital. No aposento, três médicos a esperavam. Quando entrou, um deles, uma mulher madura, perguntou se poderiam conversar. A psicóloga convidou a senhora Bicalho a sentar-se. Começou, então, uma longa conversa, na qual foram expostos todos os argumentos para convencê-la de que aceitasse o impossível. Gizelly não era mais do que um corpo sem alma, que sua família mantinha com um custo exorbitante para a sociedade. Tinham que admitir o inadmissível sem se sentir culpada, haviam tentado tudo. Não era um sinal de covardia. A Dra. Keila insistia na dependência que ela mantinha em relação ao corpo de sua filha.
A senhora Bicalho negava-se, não podia nem queria fazer isso. Mas os argumentos da psicóloga eram de grande delicadeza e serenidade, pronunciaram-se palavras mais sutis. O lugar que a filha ocupava na reanimação, impedia que outro paciente sobrevivesse, que outra família tivesse esperanças fundadas. Uma culpabilidade era substituída por outra, e, a dúvida ia ganhando terreno. Gizelly assistia tudo aterrorizada, via como, pouco a pouco, caía a determinação de sua mãe. Depois de longas horas de conversa, a resistência da Sra. Bicalho enfraqueceu, admitiu, por entre lágrimas que o que lhe dizia o corpo médico era razoável.
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E Se Fosse Verdade - GiRafa
RomanceGizelly é uma médica empenhada, mas tudo muda após envolver-se em um acidente. Seis meses depois, ela se vê no seu apartamento conhecendo alguém que mudaria a sua vida. Adaptação do livro: E se fosse verdade de Marc Levy com o shipp Girafa (Gizelly...