Rafaella acordou era meio-dia, fez sua higiene matinal. Foi até cozinha comeu algo que Bianca tinha deixado na geladeira, e pegou seu celular discando para amiga.
- Alô Queri. - Bianca falou ao atender. - Dormiu bastante, hein.
Bianca propôs que fossem almoçar juntas mas, Rafaella tinha outros planos.
- Então, eu pretendo voltar para casa de mamãe. Queria passar na oficina de seu padrasto, pegar meu Ford, e nós duas poderíamos ir juntas.
- O carro não saiu desde a aquela noite, faz tempo. Você quer passar o fim de semana na estrada esperando um guincho?
Rafaella relembrou que conhecendo a paixão do padrasto de Bianca por automóveis antigos, estava certa que ele deveria ter arrumado seu carro. Bianca consultou o relógio.
- Ok, encontre-me às três horas, estarei lá na frente ao seu aguardo.
Às três, as duas amigas estavam na frente do estabelecimento. Bianca girou a chave na fechadura e entrou. Em meio aos veículos de polícia, para conserto, Rafaella acreditou ter reconhecido uma velha ambulância dormindo sob uma lona. Aproximou-se e levantou uma de suas extremidades. Tinha um certo ar nostálgico. No interior da cabine, sob uma espessa camada de poeira, uma maca lhe trouxe tantas lembranças, que Bianca teve que elevar o tom de voz para arrancá-la de seu sonho.
- Você vai ter que tirar três carros para pegar seu Ford.
Rafaella deixou a lona em seu lugar, acariciou o capô e murmurou: Até mais, Daisy.
Após algumas tentativas, o motor do Ford começou a roncar. Bianca manobrou o carro e saiu da oficina, dirigindo-se ao norte da cidade para pegar a estrada que margeia o Pacífico.
- Você continua pensando nela? - perguntou Bianca.
Como resposta, Rafaella abaixou a janela, e um vento suave entrou no veículo.
Bianca cutucou Rafaella.
- Você continua pensando nela?
- Às vezes - respondeu Rafa.
- Com frequência?
- Deixa eu ver, um pouco pela manhã, um pouco ao meio-dia, um pouco à tarde e um pouco à noite.
- Você fez bem ter ido para a França para esquecê-la: parece completamente curada! E nos finais de semana, você também pensa nela?
- Não fui para esquecê-la. Você queria saber se eu pensava nela e eu respondi, isto é tudo. Agora, mude o assunto, este não me agrada.
Bianca não concordava com a amiga, acreditava que ela deveria voltar a viver sua vida. No entanto, não achou sábio em dividir sua opinião. Preferiu puxar assunto sobre os projetos que a empresa estava realizando.
Havia um quarto de hora que o Ford tinha saído da estrada. Os contornos da propriedade recortavam-se ao longe, sobre a colina; Rafaella virou no desvio e pegou a direção de Carmel.
- Agora que estamos quase chegando, algo passou pela minha cabeça. Deveríamos chamar o amigo da vizinhança, Homem-Aranha, para nos ajudar com as teias de aranha. Já o cheiro de mofo não sei o que poderíamos fazer. - disse Bianca.
- Sabe, há momentos em que me pergunto se você irá crescer algum dia. A casa tem sido limpa regularmente. Na França existem telefones, você sabia? Eu contratei uma equipe de manutenção e limpeza.
Seguiram por um caminho que levava ao alto de uma colina: diante delas apareceu o gradil de ferro forjado do cemitério.
Enquanto Rafaella descia do carro, Bianca ocupou o assento do motorista.
- Diga-me, nesta casa mágica que se mantém em boas condições enquanto você não está, não existe também um acordo entre o forno e a geladeira para que preparem a janta?
- Não, para isso, nada foi previsto.
- Bom, então vou fazer umas compras antes que as lojas fechem. Virei buscá-la - disse Bianca, preferindo deixar que a amiga tenha um momento a sós com a mãe.
Havia um mercado a dois quilômetros dali. Bianca prometeu retornar logo. Rafaella viu-a distanciar-se no automóvel, entre nuvens de poeira, deu a volta e caminho até o umbral da cerca. No final do atalho, encontrou a lápide iluminada pelo sol.
Rafaella fechou os olhos, o jardim rescindia a menta. Começou a falar em voz baixa...
- Mamãe, você acredita num destino que nos impele a reproduzir os mesmos comportamentos de nossos pais? Recordo suas palavras na última carta que você me deixou. Eu também renunciei, mamãe.
Não imaginava que alguém pudesse amar como eu a amei. Acreditei nela como se acredita num sonho. Quando se desvaneceu, eu desapareci com ela. Pensei que agia por valentia, por abnegação, mas poderia ter me negado a escutar a todos aqueles que me ordenaram que não voltasse a vê-la.
Sair de um coma é como nascer outra vez. Gizelly necessitava ter sua família ao seu lado. E sua única família era sua mãe e uma ex-namorada, com o qual ela voltou. Quem sou eu para ela, senão uma desconhecida? De qualquer modo, não serei eu que a fará descobrir que todos os que a rodeiam, concordaram em deixá-la morrer. Eu não tenho o direito de quebrar o frágil equilíbrio de que tanto necessitava.
A mãe dela me suplicou que não lhe contasse que também havia renunciado à filha. A neurocirurgiã me jurou que isto provocaria um choque tão grande, que talvez ela não se recuperasse do mesmo. Sua ex-namorada, que voltou a entrar em sua vida, foi a última barreira que se ergueu entre eu e ela.
Sei o que você está pensando. A verdade está em outra parte, o medo é múltiplo. Tive medo de não estar à sua altura, medo de não ser a mulher que ela esperava, medo de admitir que ela havia me esquecido.
Mil vezes pensei em buscá-la, mas também, nessas vezes, fiquei com medo de que ela não acreditasse em mim, medo de não saber reinventar nossos risos, medo de que ela já não fosse mais aquela a quem amei, e, sobretudo, medo de perdê-la de novo; para isso não teria tido forças. Parti, então, para a França, para ficar longe dela. Mas não existe distância grande o suficiente, quando se ama alguém. Bastava encontrar uma mulher, na rua, parecida, para que eu acreditasse que a estava vendo; ou que fechasse meus olhos, para ver os seus; ou que ficasse em silêncio, para ouvir sua voz. E, durante este tempo, concretizei o projeto mais bonito de minha carreira. Construí um centro cultural com a fachada ladrilhada: parece um hospital!
Ao ir para a França, também estava fugindo de minha própria covardia. Pedi arrego, mamãe, e se você soubesse quanto me reprovo... Vivo na contradição desta esperança... de que a vida torne a nos colocar uma em frente a outra, sem saber se eu me atreveria a falar com ela. Agora, tenho que dar um passo adiante, sei que você vai compreender o que estou a ponto de fazer com sua casa e não vai ligar. Não se preocupe, mamãe: não me esqueci que a solidão é um jardim onde nada cresce. Ainda que hoje eu viva sem ela, já não estou só, pois ela existe em algum lugar.
Rafaella acariciou o mármore branco e se sentou na pedra, ainda impregnada do calor do dia. Ter desabafado todas as suas angustias com sua mãe foi importante para ela, depois de muito tempo sentiu-se leve. Ficou ali, em silêncio, até que Bianca retornasse.
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NOTAS: Eu amo esse edit!
A falta que você me faz
Eu não aguento mais
Ficar tão longe de você
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E Se Fosse Verdade - GiRafa
Roman d'amourGizelly é uma médica empenhada, mas tudo muda após envolver-se em um acidente. Seis meses depois, ela se vê no seu apartamento conhecendo alguém que mudaria a sua vida. Adaptação do livro: E se fosse verdade de Marc Levy com o shipp Girafa (Gizelly...