A dor de Angrod

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"Velent, o rei que se exilou. Recorda-se dos motivos pelos quais Alfheim começou a entrar numa crise? Creio que para ti, seja algo mais complexo de imaginar. Mas nós, elfos menores, sentimos a partir da primeira emoção que o senhor teve a exalar.

Amor.

O amor foi o que lhe trouxe sentido. Após viver sozinho por centelhas de anos. Após você, e vossos irmãos descobrirem o lago onde se banhavam as três valquírias mais fiéis a Odin, ao norte de Alfheim...

Imagino o desejo de se afogar lá. De fato, devem ter aproveitado. — Angrod sorriu. — Dizem que valquírias, além de ótimas amazonas, também são belas e deslumbrantes como o reflexo das criações de Freya.

Mas lá você não encontrou um simples reflexo. Estou errado, antigo rei?

Ela devia estar nua e sorridente. Talvez o sol a iluminasse de uma forma que o coração não sabia reagir.

Sei como é o amor Velent.

Após a decisão de sair de Alfheim, e, por consequência, desmanchar a barreira mágica. Teus irmãos ficaram para proteger o reino.

Mas e você? — Angrod encarou com desgosto. — Enquanto fazia sexo com a amazona nem se importava com isso. Para que se importar? Nunca fomos atacados há milênios! Que raça faria a atrocidade de nos agredir?

Talvez, Velent. Talvez o homem que guardou rancor de você. A fuga nos trouxe a ruína. As árvores centenárias. Plantadas nas Eras de meus bisavôs. Pegavam fogo.  Doía ver. Meus amigos mortos por humanos nojentos e traiçoeiros.

Eles estocavam nosso sangue, Velent, mas você não estava lá para ver isso. Não é? Deixe-me adivinhar... A Valquíria teve de retornar a guerra. você tentou impedi-la, acertei? — A pergunta de Angrod abaixou a cabeça do azulado. Ele percebeu que estava certo.

Demorei anos para construir minha família, Velent. A perdi num único dia. Fomos caçados como ovelhas num celeiro. Egill, o irmão mais novo, conseguiu nos conduzir para a salvação, pelo menos alguns de nós. Nos perdemos na fuga. 

Niðhad lhe caça, Velent. Ele tem a esperança de te destruir assim como fez ao reino. Acredito que pelo estrago que fez na tua cabeça, conseguiu fazer o que tanto desejava.

Egill estava a tua procura. Ele não sentiu raiva ou rancor. Em nossas últimas conversas, que jazem cinco anos atrás, ele tem a crença de você ser capaz de restaurar nosso lar. 

Não gosto de pensar que ele pode estar certo.

Os homens de armadura acinzentada. Os Abutres. Trouxeram violência. Ainda nos caçam. Eles buscam usar do nosso sangue e corpo para forjar armas. Imagino quem tenha demonstrado a arte da forja mística... Ou um elfo traidor, ou o nosso rei. O maior forjador de Alfheim.

Talvez estas dúvidas nunca tenham uma resposta. Apenas não quero crer no ocorrido. Vim para cá, e consigo fingir ter a vida de um idoso humano. Por sorte não possuo muito tempo de vida. Doravante, você têm. Acha que consegue aguentar?"

O rei olhou para Dylan.

— Perdoe-me por tudo que fiz Angrod. Palavras não retornaram paz. Nem nosso povo. Niðhad me escravizou, e me fez forjar as armas... se eu soubesse que era o sangue de meu povo... — Velent bufou. As costas pesavam.

— O que aconteceu com você? — Angrod ficou curioso.

— Não consegui proteger a Valquíria que me ensinou a amar. — Ele apontou tímido para Dylan. — O homem que quase matou esse rapaz conseguiu tal ato. Foi assim que nos encontramos. Niðhad conseguiu matar o irmão Slagfiðr. Ele ainda almeja conquistar Asgard. Sei que as preocupações não batem com tuas dores Angrod, mas vou me redimir. 

— Ainda crê que não terá de matar ninguém para isso?

— Matei gente demais para alcançar objetivos que nos levaram onde estamos agora Angrod. Além do mais. — Olhou a Dylan.  — Tento salvar uma vida no meio desta jornada. Não posso mostrar para ele um passado que me envergonho.

— Velent. Acredita no Ragnarok? — Angrod levantou. Pegou um pouco de sopa para às duas cumbucas. — Os cristãos chamam de apocalipse...

Velent tomou a sopa numa golada.

— Deve ser agradável pensar assim. Que todo esse caos não foi culpa minha. Era apenas o destino. Eu queria crer nisso. — Velent caminhou até a janela, e recostou. — Talvez seja o fim de algo que ainda não sabemos.

Ao pararem de conversar a respiração aflita os chamou atenção. Ambos observaram a resistência de Dylan contra o desmaio. Ele ergueu o tronco, e se pôs de punhos armados.

O reflexo de combate abriu as feridas. Contraiu-se assim que sentiu o rasgo da pele. As bandagens mancharam em vermelho. Procurou a espada no chão, e ficou aliviado ao tocá-la na direita. Esboçou um sorriso. Pôs a deitar, e olhou para o dança do fogo que consumia a lenha.

— Garoto. — Angrod chamou. — Velent me disse que tentavam repousar a alma de uma elfa em Alfheim. Qual o nome dela?

O garoto pensou na voz dela, enquanto encarava o lume. Esperavam a resposta de Dylan, que custava a falar. Ele martirizava as dores na ardência dos ferimentos. Tais dores não faziam superiores à tristeza carregada no pomo.

— Eloen. — Pausou. — O nome dela era Eloen.

Velent se espantou. Olhou para Angrod. Viu as lágrimas que desciam nas rugas de Angrod. O camponês contraiu as mãos, tremulo. Tentava aprisionar o choro, mas o som da boca ficava alto. 

— Eloen é o nome da minha filha. 

Angrod caminhou com os ombros caídos. Chegou próximo de Dylan e agachou. O abraçou. Esqueceu os machucados do rapaz. — Você honra a alma de minha filha, humano. Sou eternamente grato a você. — Angrod chorava no pescoço dele. Deixava meleca e lágrimas se misturarem as emoções.

Dylan aceitou as dores. Notava a amargura e lamentos do pai incapaz de saber o paradeiro da filha.

— Desculpe. Fui incapaz protegê-la. — Dylan segura na espada — Ela foi transformada nesta arma.

— A alma dela vive aí, garoto. Enquanto convosco, batalhará junto a ti para alcançar teu objetivo. — Angrod pausou — Me diga! Como se conheceram!?

— Eu... — engasgou. — Morava numa fazenda em Gales. No topo da montanha. Plantava soja com meus avós. Além de cuidar das ovelhas. Ela chegou no dia de colheita. Ensanguentada e exausta. Tão fraca que não conseguia falar. Cuidamos dela. Eloen havia dito que perdeu a família na guerra. Nós a adotamos. Não tínhamos muito, então quando ela ficou doente mal possuíamos dinheiro para pagar os remédios. Na época Gales lutava contra os vikings normandos, e pagavam bem aos soldados. Fugi da fazenda. Alistei-me com nove anos, e só pude retornar oito anos depois. Meu irmão mal me reconhecia, e meus avós fizeram de tudo para tratar Eloen. Os medicamentos e ouro que fui capaz de mandar a ajudaram. Só que a doença foi mais forte. O peso das pessoas que matei e o ouro que conquistei não valiam nada perto da vida dela. O último pedido foi para retorná-la a Alfheim. — Dylan segurou firme na espada.

Velent e Angrod não sabiam o que dizer. Nunca ouviram tamanho carinho de um humano a uma elfa. O rei elfo olhou a janela, e observou as ovelhas comerem o pasto. Elas baliam e saltitavam.

— Dylan. Por que você não volta... — Velent foi interrompido.

— Para onde vamos, Velent? — Dylan tinha um olhar voraz. — Estamos do outro lado do canal de Kiel, o dito pelo corvo sobre uma aliança. Esse é...

— Sim. — Velent afirmou — É o reino dos Abutres, Danevirke. Tenho que me reencontrar com uma pessoa. Gostaria que não se metesse desta vez, pelo próprio bem.

— Não é meu dono, azulado. Vou! Queiras ou não!

— É que não é tão simples. — Bufou — Estamos na península Cimbric. O domínio do conhecido rei demônio. Niðhad.

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