Trovões em Ravensburg

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Uma tormenta açoitava o despertar de um cachorro num lugar escuro e preenchido pelo eco. Os olhos não conseguiam enxergar muito além do que um pequeno feixe de luz permitia, mas um barulho ao fundo o chama a atenção. Nele mune um ardor quente de pancadas de metal numa espécime de forja.

A luminosidade sumia com o silêncio e reaparecia com o barulho das pancadas. A forja era surrada por um martelo de ponta quente. Vermelha pelo ardor do aço. As costas do homem que trabalhava apareciam a cada batida.

O cachorro tentava levantar, mas os tendões das patas estavam estraçalhados. Rastejava, desesperado, como uma minhoca. Usava apenas do tronco para seguir na direção da forja. Não conseguia ladrar. Tudo que saia da boca era uma onomatopeia de "Humm!" abafada pela focinheira que machucava o rosto.

Um rastejar a mais. Dois. Cinco. Para o cachorro. As coxas grossas do ferreiro estavam enegrecidas ao lado. Olhou para cima e contemplou. Virou a barriga para cima. Conseguiu visualizar melhor o rosto do artesão. Quando viu os cabelos brancos e a cor azulada, não teve dúvida da angústia e carinho ocupava o coração. Almejava alcançá-lo, mas com as patas machucadas?

Num momento minucioso a forja iluminou a feição de Velent que permanecia escondida nas sombras. As brasas clareavam um sorriso. Por que ele sorria? O que havia na forja que lhe dava tanto alvoroço?

O cão olhou a tábua de ferro. O corpo metálico de uma mulher quebrada. A cada martelada ela rachava mais, e gritava. Um som que amargurava a dor.

O cão ficou desesperado. Tentou de qualquer maneira parar Velent, mas apenas conseguia roçar o chão.

Terror.

— Ve... — O som não saia. — Ve...!

Dylan despertou.

— VELENT!!!!!

A mão tentou alcançar o vazio. O sonho conturbado maltratou a ponto do real e imaginário ficarem numa linha tênue da verdade.

Ele se viu no celeiro. Havia dormindo próximo às fezes dos cavalos. Coberto pelo feno para não morrer de frio. Levou a mão a cabeça. Frustrado consigo. Apenas ouvia o ronco dos equinos e o açoite da coleira. O escravo captou passos ao lado de fora do estábulo.

O Sol nasceu no limiar do horizonte. Nele um ser endeusado caminhava para entrar no estábulo. Os cabelos brilhavam. Havia uma forte sombra no entorno. Chegou perto do escravo e ofertou um prato cheio dos restos e sobras do banquete do exército.

— Pega, não vou ficar segurando por muito tempo. — Viðga pressionou o prato contra o peito dele.

Dylan desconfiou no início, mas sem contestar ou temer pela comida envenenada, a pegou. Ele lambuzou a mão com gordura. O feno agarrado no prato adentrava a boca junto a pedaços de carne e legumes assados.

— Há quanto tempo você não come direito? — Viðga questionou. Esperou a resposta paciente, mas só ouviu Dylan mastigar. — Pareço me recordar de você, mas não sei muito ao certo o motivo. Decerto... Pedi a Oskar para levá-lo junto a mim na carroça, e ele permitiu, foi difícil convencê-lo então não faça nenhuma estripulia. Será bom para ti, parar de caminhar por horas atrás de cavalos.

O Príncipe deu um singelo sorriso a Dylan. Todavia, tudo que via era o vislumbre da desesperança carregada pelo Cão maltratado.

"Como um cão adestrado" o Viðga refletiu. Ele saiu do celeiro em silêncio, mas antes deu uma última olhada ao escravo.

Junto do amanhecer. O pelotão arrumava os trapos e mantimentos para seguir em direção a outra viagem na estrada de outono. Preparados, seguiam uma trilha de barro em direção à floresta a leste. Viðga e Dylan estavam sentados na carroça. O único luxo no meio do caos. Os homens bebiam, conversavam e riam sobre a guerra ou mulheres da terra natal.

O Cão de ValhallaOnde histórias criam vida. Descubra agora