O reencontro.

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— Sim, não sabe o que é? — Questiona tímido.

— Óbvio que sei, medíocre! — Exclama em soberba, mas depois fica em silêncio. — É que entrar numa aposta dessas me parece... estranha.

E de fato... É.

— Na guerra. As melhores batalhas não eram travadas por espadas. Pois, de costume eram apenas dois homens querendo morrer. Agora no gamão, tudo era diferente, pois existia o real desejo de ter a felicidade de uma vitória sem sangue. — Dylan olha para o rapaz assim que ajeita as peças — Os melhores guerreiros eram exímios jogadores de gamão.

Aquela frase faz o soldado engolir a própria saliva, e ter que levar aquilo a sério. O olhar calculista do soldado traz ao galês um sorriso e alegria incomuns.

"Obrigado por me ensinar gamão velho. Agora sei qual caminho posso trilhar para não ter que usar minha espada." Reflete.

As peças de Dylan são as pretas, e o lançar dos dados revela o iniciante não será ele. O soldado tem que girar no sentido horário, enquanto ele, no anti-horário. O desafiante balança os dados com medo, e solta eles na mesa com aflição no balbuciar da boca.

Ele tira três e dois nos dados.

O jogo avança com calma, e nessa medida, o soldado percebe não ser uma brincadeira infantil. Se sente sufocado pelo mover das rodelas. Dylan evita que as peças do seu adversário consigam avançar. Consumindo as que ficam sozinhas, e parando os movimentos das outras rodelas. Capturando cada peça solta no tabuleiro.

— Uma jovem moça — Dylan profere no meio do silêncio — ela vivia sua vida de serviçal no Egito. Servia a uma das esposas do Faraó. Ele era um homem severo e violento com todo seu povo. Descendente de um deus que eu não recordo o nome, todavia, sua fraqueza era o vício por jogos. Gamão era o que mais gostava. A garota ofertou jogar com ele, e todas às vezes, perdeu. Quando ganhou, a soberba do Faraó o fez ofertar um presente pela vitória. Ela escolheu um título de conselheira. Nenhuma mulher havia assumido tal cargo. Ainda mais uma serviçal, mas aquela garota assumiu. Cresceu, estudou e no fim da vida do Faraó ele a agradeceu por ter ela ao seu lado naquele reino.

Dylan fica quieto após toda a fala. O soldado, que está perdendo no jogo, fica inconformado com a história sem um final conclusivo.

— E ai, estrangeiro!? — Questiona aflito — O que aconteceu?

"Quando eu joguei contra o velhote tive a mesma reação". Dylan sorri.

— Ela não fez por status, dinheiro ou poder. Seu povo era mal tratado pelo Faraó. Ela tinha raiva daquilo, mas foi capaz de se abdicar da raiva para fazer o melhor possível ao seu alcance. Ao lado dele ela aliviou todas as atitudes agressivas dele. — Dylan passa sua última peça, dando fim ao jogo — Ela pensou além do jogo soldado. No começo eu nunca entendi isso, mas você não precisa erguer uma espada para fazer o bem, pode apenas jogar gamão.

Dylan há destruído as oportunidades de vitória do soldado. Que incrédulo, sabe que a quantidade de pontos não será o suficiente para vencer o estrangeiro. O soldado sente um misto de descrença e alívio — é uma sensação pior do que perder numa batalha.

— Vai me levar nele? — Dylan questiona.

— Desculpe galês, eu menti para ti — o soldado é sincero. — O elfo está aprisionado numa cela do palácio. Eu cuido dele apenas alguns dias da semana, não vou conseguir te colocar para falar com ele.

— Apenas me leve ao palácio — Dylan o olha seco. — Eu preciso falar com Niðhad.

O grupo de soldados fica recuados para aceitar. O rosto pacífico de Dylan os traz certa confiança, inexplicável. O grupo escolta o Cão em direção ao palácio, deixando-o passar batido pelos guardas reais e sentinelas do palácio. Aquele lugar cinza e preenchido pelos toques do sol é lindo. As armaduras completas nas laterais da parede e o tapete vermelho que amacia as botas de couro. Quando chegam ao salão do trono, veem Niðhad, dando atenção a seus plebeus, que pedem auxílios de comida, e isenção de tributos. — Não se preocupem, ajudá-los-ei — diz o rei em sua voz envelhecida.

Não apenas a voz, Niðhad não parece mais o mesmo. O primeiro encontro do galês ao rei demônio há visto um homem de cabelo preto com uma linha grisalha. Com um poder massivo em seu corpo austero e domínio no olhar. Agora, onze anos após, apenas uma linha preta existe no cabelo grisalho. A austeridade do corpo sucumbiu pela velhice e cansaço dos ossos machucados. A barba e o cabelo se juntam no rosto enrugado, ocultando orelhas e boca. Mas aqueles olhos, ainda esbanjam o poder e o motivo de ainda ser conhecido como rei demônio.

Talvez Helheim seja mais tranquilo do que encontrar aquele monstro humano.

— Rei demônio! — Dylan o chama — Vim trazer notícias de Valhalla!

Niðhad o olha, e com as mãos, afugenta todos os presentes. Os soldados, últimos a sair, fecham o portão para que possam ter privacidade.

— Cão... — Niðhad o encara — Seus olhos, eram de um cachorro com medo que só sabia morder os outros. Agora... Está tão agressivos, quanto um cão de guerra. Você amadureceu muito.

— Eu quero...

— Eu sei o que você quer — Niðhad o interrompe. — Suas intenções são nítidas... — O rei se levanta, com dificuldades, e vai até o jarro de vinho no canto da sala para se servir. — Tu não me pareces mais um homem que faz movimentos desnecessários, então venha beber comigo. — O demônio vai até à sacada de seu palácio, um ambiente que dá vista um horizonte belo, distante da imundice de seu reino. — Antes de terminarmos o que você veio fazer, quero que me fale sobre tudo...

Dylan o acompanha, mas antes pega uma taça. Há tempos não consume álcool.

Aquela taça de prata que Niðhad também utiliza, moldada com detalhes esquisitos, como se fossem ossos.

— De acordo. Por onde deseja que eu comece? — Ao lado do rei, o galês contempla a vista.

— Viðga...

O Cão de ValhallaOnde histórias criam vida. Descubra agora