Quase que por arrastar suas sandálias de madeira naquela terra infértil. Um homem, idoso, com vestes tão belas quanto à de um monge ou sacerdote. Caminha naquele vilarejo morto próximo ao lago Müritz.
A visão entristecida das casas maltratadas pela guerra e a devastação. Das mortes que varrem os campos agrícolas e a vida daquele ambiente. Deixa no idoso um rosto que o faz estar entristecido por encontrar aquele local em sua viagem.
Ele continua a caminhar, e na ponta de sua corda leva um cavalo de juba trançada e loira. O equino faz questão de reclamar e relinchar a cada puxada do cabo que se faça mais forte do que o costumeiro. — Vamos rapaz, esse lugar não é para nós. — diz o idoso a montaria.
Ele chega próximo ao lago. Sua boca ressecada tem fissuras da sua sede, e ali poderá deleitar-se antes de seguir viagem. Quando chega à margem faz uma pequena concha com sua mão, enquanto o cavalo bebe junto ao senhor.
E defeca também, por sinal.
Logo algo o surpreende, fazendo-o cair para trás. Um ser que emerge da água com um barulho extasiante de falta de ar. O rapaz a sua frente está límpido pela água, mas carece de vida em seus olhos e corpo. Apenas se mantém de pé como se estivesse preparado para um combate.
Ambos se encaram.
— Você parece exausto. — O mais velho se põe de pé.
— Um monstro que fala. — Dylan desembainha sua espada. Sua mão está trêmula de exaustão, mas luta para permanecer vivo. — Venci umas dezenas, você não me será grande coisa.
De um jeito destrambelhado, Dylan começa a açoitar sua espada no ar, esperando acertar o senhorio. O idoso desvia duas vezes dos golpes mortais do rapaz exausto.
"De onde veio este rapaz?" Ele questiona a si.
O homem só teve a olhar para o horizonte, onde lá encontra o castelo de uma Valquíria.
"Ele veio daquele inferno e continua vivo?"
Deslizando seu corpo para a esquerda pega a guarda aberta do Cão. Desfere em seu queixo um soco potente que o desmaia.
— Vou te levar para longe daqui rapaz. — O idoso parece fraco, mas pela magreza de Dylan pode segurá-lo e por ele no cavalo. — Independente de quem seja, nenhuma alma humana deveria sofrer próximo daqui.
O idoso sobe na montaria, e começa a cavalgar com o corpo estirado do sobrevivente.
"Manter-se vivo por aqui é uma dádiva, agora estar vivo após sair daquele castelo... Você deve ser algo que os deuses nórdicos chamam de inimigo."
Quando acorda, um pouco atordoado e com dores intensas em suas costas — salva uma leve em seu queixo.
Dylan tem limpado em sua mente. Os cortes, as mordidas, o quanto teve que lutar para continuar vivo. Abdicando da racionalidade humana e do questionamento de como ele sairia vivo de lá. A insanidade cedeu à raiva e a frustração da traição daquele que considerou amigo.
"Mais um, fui traído por outro amigo."
Ele leva a mão ao rosto, enquanto com a outra puxa os lençóis da colcha, enraivecido. Na solidão daquele cômodo, seu corpo evita expor sentimentos frágeis.
Mas o galês não aguenta.
As lágrimas descem em seu rosto. A sensação de traição assola seu peito como uma dor afiada que não o permite respirar. Seus lamentos são dolorosos. O velho que o trouxe, ouvindo tudo do outro lado da parede, evita interromper o ritual.
Minutos? Não, Dylan fica sozinho por horas. Podendo deixar sua mente voltar ao normal sentado naquela cama.
O idoso entra ao quarto e deixa numa mesinha um enorme prato de carne, e junto a ele um livro de capa vermelha.
— O cavalo não é seu. — Dylan vocifera.
— Bem, não encontrei o dono por perto, não ia deixar aquele alazão prostrado naquele lugar entristecido. Onde ele está? — O idoso se apoia na porta, enquanto coça sua barba grisalha.
— Está morto... — A visão de Oskar morto ainda é algo ao qual Dylan não sabe corresponder.
— Bem, então o cavalo não tem dono. Logo, é meu agora. — Ele se retira do lugar, deixando espaço para o rapaz comer em paz.
— Dormi por quanto tempo? — o galês boceja, ainda com sono.
— Uns três dias... — o velho tenta encontra a resposta nos dedos.
Dylan estica sua mão com dificuldade, mas consegue alcançar o prato de porco assado. Começa a comer aquela carne macia e suculenta com prazer. Há tempos que não consegue comer algo tão prazeroso, desde o último churrasco feito pelos corvos.
O livro chama-o atenção, mas ele evita pegá-lo, os desejos da carne são superiores à curiosidade da mente. As janelas abertas daquela casa simples dão visão ao dia rotineiro de um pequeno vilarejo mercantil. As pessoas compram ração para o gado e algumas frutas para casa além da fumaça cinza que sobe de uma ferroaria.
— Por que você estava saindo do castelo de Alrune? — O idoso leva ao jovem um copo de suco, enquanto isso toma o seu. — Imaginei que poucos pudessem entrar e sair de lá vivo, mas não um humano.
Dylan respira. — E-eu... Fui tentar salvar... Um... — Sua boca treme para dizer, e sua alma dói para completar a frase. — Um amigo.
O mais velho sente que a fala vem com uma carga emocional mais traumática do que ouviu em vida. Resolve não continuar a conversa naquele tom.
— Qual o seu nome?
— Cã... — Ele evita completar a fala. — Dylan.
— Ia dizer cão? — O idoso espera a afirmação do rapaz, que veio em sequência — É uma alcunha antiga.
— Aquele que pode ser domado. — Dylan conclui.
— Não rapaz. — Nega com a cabeça. — É uma alcunha antiga de um herói esquecido de Cimbric. Ela significa "aquele que nem o destino é capaz de domar". Mas também carrega a simbologia de alguém que só conhece o ato de morder os outros. — O ancião olha o rapaz comer. Aquela cara de pidão de Dylan, inocente a cama, desperta certa compaixão no idoso. — Aliás, me chamo Fritz. — Ele leva até o rapaz o livro — Não gosta de ler?
— Para lhe ser sincero — O Cão pega — Não sei ler.
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O Cão de Valhalla
FantasyA mando de Odin, as valquírias estão contra os homens. Os mortos-vivos. As guerras. Fome. Frio. Tais problemas são explicados pelos xamãs como o início do Ragnarok. Em meio as trevas de uma Alemanha destruída está Dylan. Um galês que desembarcou nas...