Capítulo 3

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Hoje é segunda feira. O Paulo foi levar as meninas na escola e voltará para casa.
Hoje ele não vai trabalhar e vamos ter aquela conversa no qual ele disse que teríamos.
Ele me enrolou o feriado todo para falar, está tenso, nervoso e está fugindo de mim.
Algo muito sério aconteceu ou irá acontecer.

Conheci o Paulo na minha adolescência,  eu tinha 18 e ele 28 anos. Começamos a namorar e fomos morar junto. Nunca nos casamos e estamos a 20 anos juntos, temos uma casa própria, duas filhas e um cachorrinho que parece mais morto que vivo.

Confesso que fui morar com ele sem amor. Mas depois peguei um carinho e respeito imenso. Ele é gentil, atencioso, tem seus momentos de chatice, as vezes ele bebe também, é um maravilhoso pai, sempre presente na vida das filhas. Nunca deixou nada faltar em casa, não somos ricos mas temos tudo o que precisamos. Um bom marido, mas eu tenho ele mais como um irmão do que um marido. Nossa vida sexual é quase inexistente. Não sei explicar, tem alguma coisa em nós que não cola, não sei se vocês estão me entendendo.

Enquanto ele não chega, vou preparar um strogonoff,  um arroz branco, uma maionese e um suco de laranja. Assim já adianto o almoço. Vai que eu perco a fome com a conversa dele, e ficar nervosa de estomago vazio não é legal.

Bolota está dormindo no tapete perto do fogão. Misericórdia ô cachorro morto,  vocês não estão entendendo, ele só come e dorme o dia todo, o abençoado tem preguiça até de latir. Vocês tem que ver ele sendo tosado, a maioria dos cachorros ficam nervosos, pois ele cochila, isso mesmo que você leu, o Bolota cochila toda vez que toma banho no petshop.

Outro dia o Sedex me chamou e eu não ouvi, quando sai no quintal o Bolota estava deitado, com um olho aberto e o outro fechado, olhando para moço do Sedex, a preguiça era tanta que só abriu um olho. Inacreditável.

- Bolota, sai fora daí porque vou usar o fogão.

Ele só me olhou e voltou a dormir. Puxei o tapete com ele em cima e levei para a sala, e ele fez o que? Continuou na mesma posição.  Esse cachorro deve estar com olho gordo, preciso ir ver se a dona Maroca pode benzer ele. Isso não é normal não. Apesar que ele é assim desde os 4 meses de idade quando o Paulo me deu de presente. Hoje o Bolota está com 2 anos. Quando ele era bebezinho eu pensei que ele era mudo, nem sei se existe cachorro mudo, mas descobrimos que ele só late quando tentam tirar a comida dele. 

Cadê esse homem que não chega.

Alguém tocou a campainha e vi que era o Caio. Mas era para ele está na escola agora, ele repetiu um ano porque ficou um tempo morando com os avós, até hoje eu não sei o porque dele ter ido morar lá.  Ele estuda junto com a Tata, eles estão na mesma sala de aula.

- Caio, o que foi que você está chorando???? Entra.

Ele chorava muito e me abraçou. Quando fui abraçar, ele gemeu de dor. E começou a falar que o primo bateu nele ontem de noite, e o ameaçou para não falar para ninguém.

Ergui a camiseta dele e estava  tudo roxo, o rosto estava normal, mas as costas e a barriga estava muito machucada. 

- Caio, pelo amor de Deus, olha como você esta, cadê sua mãe? Ela te viu assim?

- Ela viu sim tia, e disse que foi bom, que homem briga na rua mesmo, e uns tapas não iam me matar. Tia, eu não estou conseguindo respirar direito.

Que vadia, isso não é uma mãe e sim uma praga no mundo. Ódio me define nesse momento, meu bebe mais velho ali machucado, isso não ia ficar assim, aquela família me paga. Não vou nem falar para a Tata agora, ela vai fazer besteira e será expulsa da Capoeira.

Peguei meus documentos e chamei um Uber, fomos para o UPA. No carro eu mandei mensagem para o Paulo, expliquei a situação e ele disse que estava indo para lá. Ele ficou triste porque adora o Caio, ele fala que se tivesse um filho homem, queria que fosse exatamente como o Caio.

No UPA levaram ele na emergência,  fizeram raio x, o médico ficou indignado com o que viu, expliquei tudinho para ele, ia ferrar com aquela vadia que se diz mãe dele.

O médico chamou a polícia e alegou no Boletim de ocorrência homofobia e espancamento  contra o primo, e omissão de socorro dos pais. Caio disse que o pai não viu ele, só a mãe.

Achei foi pouco, deveria colocar tentativa de assassinato.

Caio esta com uma costela quebrada que por pouco não perfurou o pulmão, tem 1 costela trincada, 2 dois dedos da mão quebrado, e com luxação no pulso da mesma mão, eu sinceramente nem percebi a mão dele. 

Nesse momento estamos esperando a ambulância chegar no UPA para nos levar até o hospital central, ele terá que operar os dedos e ficará internado.

O Paulo chegou a um tempo e esta indignado ao meu lado, eu vou na ambulância com o Caio, e Paulo vai no carro acompanhando. Meu Deus, esse dia parece que será muito longo. Ainda bem que ja deixei o almoço pronto para as meninas que devem estar chegando em casa, pedi para a Tata ir buscar a Bia na escola, elas estudam em escola diferente mas uma na rua de trás da outra. Mandei ela pegar um Uber e pagar com o dinheiro que tem em casa.

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Caio já operou, esta no quarto descansando, o médico deu remédios fortes para ele, então irá dormir o dia todo.
Fomos até a delegacia, prestamos depoimento e somos testemunhas do que acontece com o Caio, sobre a violência dos primos e a omissão dos pais, falamos sobre o fato dele ser gay e só dos pais desconfiarem já o tratam mal, imagine quando souberem.
Falei das palavras da mãe dele e do pai que fecha os olhos.  Amanhã um policial irá até o hospital pegar o depoimento do Caio, e eu estarei lá, nunca o deixarei sozinho.

Já é de noite e nem vi as meninas, elas já foram para a Capoeira, mas estão bem porque fui falando com elas pelo zap. Não falei o que aconteceu, apenas que saí com o pai.

Preciso falar com a Tata direitinho, porque sei que ela não ira aceitar e o bicho vai pegar. Minha filha é um amor de pessoa, ama ajudar a todos, defende uma injustiça com unhas e dentes, é uma das pessoas mais justas que já vi na minha vida, por ser justa que acaba fazendo besteiras e se prejudicando.

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Chegamos em casa, tomamos banho, comemos um lanche e fomos para a sala.
Ficamos alguns minutos nos olhando em silêncio. Eu fiquei esperando Paulo falar mas ele não conseguia.

- Paulo, estou vendo que algo sério está rolando, então começa do início com calma e me explica.

Ele balançou a cabeça concordando e com os olhos cheio de lágrimas.
E começou a falar. Eu só não sabia que ali seria o início de muitas mudanças nas nossas vidas.


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Arquitetura da Vida - Livro I (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora