O Caderno

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Beatriz

—  Tenho uma coisa para contar, mas primeiramente quero que você prometa que não vai surtar. — Peço para Fabi depois que sentamos em uma das mesas da cantina. 

— Não posso prometer aquilo que não posso cumprir — diz ela dando de ombros — agora chega de mistério e fala logo! — Exige impacientemente. 

— Conversei com o Tiago antes das aulas começarem. — Falo baixo e então dramaticamente apoio a testa na mesa, que espero estar limpa. 

— GURIA, VOCÊ O QUÊ? — Grita a mais dramática ainda. 

— Fala baixo! — Peço em um sermão sussurrado. 

— Tá bem... — concorda Fabi em sussurro debochado — Como assim você conversou com ele, como aconteceu isso? — Pergunta demonstrando preocupação. 

Ótimo... Era isso que eu queria. Vamos ficar preocupadas, pois de fato a situação é preocupante! 

Então narrei todos os detalhes da nossa conversa, cuidando para ocultar meus pensamentos sobre a aparência do Tiago. 

— UAU! — Falou Fabi por fim. 

— UAU? É só isso que você tem para me oferecer Fabiana? — Pergunto indignada. 

— Ah amiga, você entrou nessa depressão Austeniana depois do lance com o Tiago, achei e acho melhor não trazer muito do assunto a tona. — Diz dando de ombros, mas ela olha pro lado nervosamente. 

Tá escondendo alguma coisa! 

— Como assim muito do assunto? Tá sabendo de alguma coisa? — Começo o interrogatório. Quero ver quanto ela vai durar. 

— Eu... Bem, nada demais sabe... Acho melhor a gente ir voltando para a sala. — Responde em esquiva e tenho medo, pois para ela segurar um segredo e ainda por cima de mim é porque a situação é séria.

— Nada disso! Não vou sair daqui até você falar tudo o que sabe! — Exijo e Fabi me dá um olhar arregalado e assustado.

— Ai meu senhor Deus, o Diego me pediu para guardar segredo... — começa, mas ao perceber meu olhar aborrecido solta um suspiro e resolve contar — Por onde eu começo? — Pensa por alguns segundos e eu fico mais nervosa.

— O Diego me falou que o Tiago ficou com muita vergonha por estar internado, que ele se sentia um fracasso e um fardo, e por isso não quis receber visita de ninguém. Que nos primeiros dias ele sentia tanta raiva de si mesmo, que não conseguia parar de chorar e bem, querer coisas ruins — fala dando uma ênfase  nas expressões que me deu arrepios — fora que ele estava com dificuldade para se adaptar com a medicação, então foi realmente muito difícil. O Tiago sentia que nunca mais teria condições de sair de lá, mas então a terapia o ajudou a ir se recompondo aos poucos. Quando ele finalmente saiu, estava com medo do que iria encontrar aqui, estava com medo de ter desapontados as pessoas próximas dele. E então ele tentou falar com você... E bem, como  você sabe, não deu muito certo. Ele ficou muito mal por as coisas não terem dado certo, mas que se você leu sobre os motivos dele e não deu resposta, que só restava a ele tentar seguir em frente. Ele continua fazendo terapia e parece está se dando bem com a mãe, então acho que é um bom sinal. — Termina Fabi e não consigo piscar ou falar e espero que eu tenha respirado durante esse meio tempo. 

— Eu... — começo, mas me sinto extremamente confusa — Preciso... Vou pra casa. — Digo enquanto me levanto. 

— Calma amiga, você está bem? Eu te levo para casa. — Oferece Fabi preocupada. 

— Não, não... Você fica, eu preciso pensar — digo tentando colocar os pensamentos em uma ordem que faça sentido — Eu peço um carro pelo aplicativo. — Completo para tranquiliza-la. 

— Tem certeza? — Pergunta ainda preocupada. 

— Tenho sim. Quando eu chegar em casa, aviso. — Respondo. 

— Tá bem, mas compartilha a viagem para mim. — Pede e eu assinto. 

Trocamos um abraço que eu termino rápido. Ando em direção a saída da universidade enquanto solicito uma carona. 

Salvo o compartilhamento da viagem e o boa noite que dei para a motorista. Mal percebo o trajeto até a minha casa. Meus pensamentos focam em tentar assimilar toda a informação que a Fabiana me deu. E não sei como ela conseguiu segurar isso para si por tanto tempo, o que seja que ela tenha com o Diego, deve ser sério. Mas não consigo me concentrar nisso nesse momento.

Eu preciso entender. Por quê? Como eu pude... Ou como ele se sentiu. Está tudo confuso na minha mente. 

Após um tempo, meus pensamentos são interrompidos pela voz da motorista que avisou que chegamos. A pago rapidamente e saio apressada do carro. A casa está trancada, imagino que minha tia Izabel e o Lucas estejam na tia Rosa jantando. Ótimo... Preciso de privacidade e aproveito que eles não me avistaram chegando. 

Depois de destrancar a porta, corro em direção ao meu quarto e abro um baú velho em que guardo algumas recordação. Apanho o caderno que Tiago me deu, e ao qual nunca tive coragem de ler até então. Estou consciente de cada batida do meu coração enquanto sento na cama de pernas cruzadas. 

Abro o caderno e noto que várias páginas foram arrancadas, praticamente todas, e só algumas restam. Engulo em seco e começo a ler os motivos que o Tiago tinha para me falar... 

O Silêncio das PáginasOnde histórias criam vida. Descubra agora