Homens Bonitos Que Me Atormentam

10 1 0
                                    

Beatriz

Miguel não consegue evitar um pulinho de alegria quando recebe a notícia de que vai poder fazer o exame da faixa azul. E para completar o nível de fofura, ele olha em minha direção para descobrir se estou tão animada quanto ele. — Socorro! Meu coração não aguenta isso! — Penso enquanto levanto os dois polegares em sua direção ao passo em que meu sorriso praticamente alcança as orelhas. 

Fico tão feliz por ele! Claramente estava ansioso por esse momento e provavelmente vai continuar até ter sua conquista na cintura. Estou determinada a ajudá-lo. Por isso passo o treino atenta a todos os movimentos, golpes e tipos de queda. Eu ainda não faço ideia do que a maioria seja, mas pelo menos não estou tão perdida como antes. 

***

Após uma hora, o treino acaba. Os alunos fazem a saudação final e saem disciplinadamente do tatame. Guilherme pede que os responsáveis aguardem, pois ele distribuirá alguns materiais que irão ajudar no estudo do exame. Miguel vem em minha direção ainda sem conter um sorriso e meu coração dá gritinhos internos. 

— Miguel, você mandou bem! — O parabenizo erguendo a mão para saudá-lo. Ele habitualmente pensa um pouco antes de agir, mas no fim, ergue a sua mãozinha de encontro a minha. — Prometo que vou te ajudar a estudar e você com certeza vai conseguir sua faixa azul. — Comento satisfatoriamente. 

— Você promete mesmo? — Me pergunta com um olhar esperançoso. Relembro como cada palavra tem importância para esse menino e abaixo para ficar o mais próximo de sua altura. 

— Prometo Guilherme! — Falo sincera tentando passar confiança pelo meu olhar. 

Ele baixa o rosto e dá um meio sorriso sem jeito. Acho que finalmente está confiando em mim, por isso tenho mais um motivo para me dedicar e ajudá-lo da melhor maneira possível. 

— Eu vi você derrubando o seu colega com aquele golpe legal. — Comento enquanto tento demonstrar no ar sobre qual estou falando. 

— Tia, o nome é ippon seoi nage¹. — fala Miguel todo sério ao passo em que sofro ao ser chamada de tia, afinal você só percebe que está envelhecendo quando alguém te chama assim. Controlo um suspiro desanimado. 

— E esse ippon seoi nage dói? — Pergunto curiosamente, porque vi também, que ele levou esse golpe em seguida.

— Não muito... Tem que saber cair direitinho. — Diz Miguel cautelosamente. Relembro o aquecimento com rolamentos e quedas, e presumo que devem evitar que se machuquem.

— Com licença... — uma voz familiar interrompe nossa conversa — Eu estou distribuindo o material da faixa azul. — Fala Guilherme ao passo em que me entrega uma apostila fina. 

— Tia, posso tentar subir a corda? — Pede Miguel indicando um corda fina que pende do teto. Várias crianças estão tentando subi-la com a ajuda de um professor auxiliar. 

— Claro. Só toma cuidado, tá bem? — Falo preocupada enquanto ele assente. Deus me livre de subir um negócio daqueles, acho que teria um infarto antes de chegar na metade

Continuo encarando a altura da corda por uns segundos até ser interrompida por Guilherme: 

— Não é tão difícil quanto parece. — Comenta dando um meio sorriso.

— Infelizmente você está falando com uma pessoa que sofre com três lances de escadas da universidade. — Confesso fazendo piada comigo mesma. 

— Nada que um pouco de prática não resolva. — fala simpático — Onde você estuda?

— UNILLE. Curso Letras-Português lá. — Respondo educadamente. Desvio o olhar para checar se Miguel está bem, e vejo que está tentando subir a corda... Seu rosto está vermelho pelo esforço. Ele não vai muito longe e logo recebe ajuda do auxiliar para descer. Corre para o final da fila e encara novamente a corda como se não se desse por vencido. Esse guri é determinado! 

— Isso explica porque estava lendo praticamente um livro diferente a cada treino... — comenta ao passo em que me surpreendo por ter prestado atenção em mim dessa forma — Eu me formei na UNILLE... Educação Física.

Não sei bem o que dizer. Ainda estou assimilando o fato de ele ter notado o que eu estava fazendo durante todo esse tempo em que passei a frequentar a academia. 

— Então... — fala Guilherme retomando a conversa — O exame de faixa azul será daqui a duas semanas. A maioria dos alunos já domina os conteúdos exigidos, então vai ser tranquilo. Nessa apostila tem os nomes em japonês de quedas, rolamentos, golpes e outros, a tradução está do lado entre parênteses. Também tem várias figuras que exemplificam como deve ser feita uma posição. 

Percorro os olhos rapidamente pelo material. É muito bom... Posso facilmente me instruir através dele. 

— Entendi. Esse material vai ser bem útil... E você pode me explicar como funciona o exame? — Peço educadamente. 

Guilherme me explica brevemente que o exame com as crianças é feito de uma maneira mais suave para que não fiquem nervosos. Duplas serão formadas e convidadas a responder perguntas ou demonstrar instruções. O kimono exigido é o branco e os resultados serão disponibilizados assim que todos terminarem a avaliação. 

— O que acontece se algum deles não conseguir? — Pergunto preocupada com a imagem de uma criança saindo pelo tatame chorando por não ter passado. Guilherme abre um sorriso gentil. E lá estão as covinhas de novo.

Não queremos reprovar ninguém, além disso, garantimos durante todo esse período de treinamento, que nenhum deles ficasse com dúvidas ou dificuldades em relação ao que será avaliado. Em resumo, temos confiança de que todos irão passar. — Fala suavemente me deixando mais tranquila. Não quero nem pensar na possibilidade de o Miguel não passar, ele ficaria arrasado. 

— Muito obrigada Guilherme! Você me ajudou bastante. Vou tentar ajudar o Miguel da melhor forma possível nos estudos. — Falo munida de confiança. 

— Desculpa a intromissão... — começa Guilherme — Só queria comentar que nas últimas semanas percebi que o Miguel está mais animado. E acho que você tem contribuído muito para isso. Fico feliz por ele — Termina de falar ao passo em que eu sinto meu rosto corar.

— Não sei nem o que dizer... — começo sem graça — Só quero ajudá-lo. — Digo dando de ombros nervosamente. Não sei lidar com atenções desse tipo.

— Bom... Acho que ele está indo bem. — Diz Guilherme apontando em direção ao Miguel, que agora avançou mais em sua escalada na corda. O garoto busca meu olhar tentando assegurar que captei o seu momento de progresso. Não consigo conter um sorriso. 

Ergo os polegares no ar novamente para demonstrar que estou feliz por ele. O olhar de Guilherme me acompanha e volto a ficar nervosa.

Dou graças aos céus que Miguel está retornando, provavelmente pronto para ir para casa. E aproveito a deixa para solicitar um carro pelo aplicativo.

— Vamos Miguel? O carro já está chegando. — Digo quando ele surge com seus pertences. 

— Tchau sensei. — Se despede Miguel enquanto acena para Guilherme. 

— Tchau Miguel... Capricha no estudo, tá bem? — Confirma Guilherme enquanto recebe um aceno positivo de Miguel.

— Novamente, muito obrigada Guilherme. — Agradeço educadamente — Até a próxima semana. 

— De nada Beatriz, se precisar de ajuda, meu número está na primeira página. — Fala casualmente enquanto se retira para conversar com o professor auxiliar. 

Calma Beatriz Campos. O homem só está tentando ser simpático aqui. Para de tentar ver coisas implícitas que não existem. 

Arrisco mais um olhar para trás e sou flagrada por seus olhos castanhos. Aposto que empalideci com o susto. Guilherme me dirige um sorriso de lado e eu penso que se minha vida fosse um livro, o capítulo de hoje seria: Homens Bonitos Que Me Atormentam. 



O Silêncio das PáginasOnde histórias criam vida. Descubra agora