Tiago
Acordo com a entrada da enfermeira. As luzes artificiais do quarto me deixam irritado, mas de certo modo estou acostumado.
Fazem 27 dias que estou internado.
— Bom dia Tiago. — Cumprimenta Cássia, a enfermeira. — Como está se sentindo? — Pergunta simpática.
— Bom dia... Sinto como se meu corpo pesasse uma tonelada e minha garganta está seca. Então acho que bem. — Respondo fazendo um pouco de piada.
Cássia está sendo uma espécie de amiga nesses últimos dias. Ela me lembra Rosa com seu humor inabalável e é realmente muito legal.
— Esses são efeitos colaterais da medicação. — Relembra enquanto me passa um copo de água. — Agora, que tal se aprontar? Daqui a pouco começa sua terapia. — Diz gentilmente enquanto anota algo em meu prontuário.
Eu tinha uma ideia muito equivocada sobre internações. Achava que as pessoas passavam o dia todo deitadas sob efeito de medicações e de vez em quando faziam aquelas clichês terapias em grupo.
Na realidade, nós trabalhamos duro aqui. Temos hora para levantar e dormir, fazemos terapia quase todos os dias, participamos de oficinas que vão desde música até trabalhos manuais e choramos... Muito! Aqui precisamos lidar com as emoções, falar sobre elas e aprender a conviver com elas, ou seja, não é nada fácil.
Porque lá fora temos nossos trabalhos, nossos estudos, redes sociais, vícios, entre várias outras atividades onde podemos nos esconder do que tanto nos causa dor, já aqui... Como eu disse, não é nada fácil.
*******
— Bom dia Tiago. — Cumprimenta minha psicóloga.
— Bom dia Lena. — Respondo de volta.
— Como está se sentindo? — Pergunta de forma habitual, mas com real interesse.
Inspiro fundo e solto o ar, enquanto sentamos nas poltronas.
— Cansado e pesado. — Digo enquanto me aloco mais confortavelmente no meu lugar. — Essas medicações são um saco as vezes.
— Como o Dr. George te disse, nesse primeiro mês seu corpo vai se adaptar a essas dosagens, mas com o tempo você vai se sentir melhor. — Relembra.
— Sim. — É tudo o que consigo dizer, logo me perco em pensamentos.
— Quer compartilhar alguma coisa? — Pergunta em seu tom baixo e acolhedor.
Não me sinto contra a parede. Não sinto como se fosse obrigado a dizer o que estou pensando, e isso me faz sentir seguro para compartilhar.
— Minha mãe insistiu para falar comigo ontem. — Começo. — A princípio quis ignorá-la como sempre faço, mas ela disse que era importante e que tinha relação com nossa família. — Conto inspirando e expirando novamente.
Essa é uma técnica que a Lena me ensinou, quando se sentir nervoso, ansioso ou desconfortável, inspire fundo e solte devagar. Surpreendentemente, funciona.
— E como foi? — Incentiva Lena.
— Eu fiquei preocupado que fosse algo com o Miguel, então aceitei. Ela sentou de frente para mim, ficou em silêncio por alguns segundos olhando para as mãos e quando eu estava prestes a levantar e ir embora, ela começou:
"Não vai embora... Por favor! Eu... Tiago... me desculpa."
— Eu sinceramente fiquei assustado, porque nesses 21 anos ela nunca disse isso para mim. — Falo enquanto brinco com as pontas da almofada.
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O Silêncio das Páginas
RomanceBeatriz está desesperada! Seu contrato de estágio chegou ao fim e ela precisa encontrar um novo emprego urgente. Após conversar com Rosa, amiga de sua tia, consegue uma entrevista de emprego para ser babá na casa da família Guimarães. Cuidar de u...