Não Me Importaria se Não Acordasse.

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****AVISO DE GATILHO! ESTE CAPÍTULO CONTÊM CENAS DE ABUSO EMOCIONAL E VIOLÊNCIA VERBAL.*****



Tiago

Hoje foi um dos melhores dias que já tive na vida! 

O sorriso do Miguel quando recebeu a notícia de que passara para faixa azul. A reação louca da Bia. Ele correndo para abraçar a gente assim que saiu do tatame. 

Depois disso, fomos comemorar comendo hambúrguer e para ser sincero, mal conseguia comer... Não conseguia parar de sorrir.

A Beatriz ficou narrando o exame de faixa do Miguel, e ele lembrava de detalhes que ela esquecera de mencionar. E eles até dividiram batatas... Foi demais para mim. 

Foi um daqueles momentos que você quer eternizar, um daqueles momentos que você quer tirar uma foto de memória e lembrar para sempre. Realmente, um dos melhores momentos  que tive na vida. 

Miguel está dormindo no banco de trás, já deixamos a Bia em casa e estamos retornando para a nossa. 

Alguns minutos se passam até que eu finalmente estacione o carro da garagem. 

Pego o Miguel no colo com cuidado. Duvido muito que acorde depois de todo o esforço que fez e quantidade de comida que consumiu, provavelmente só acordará amanhã. Ainda bem que ele tomou banho na academia depois de terminar o exame. 

Abro a porta fazendo o mínimo de barulho possível. Felizmente não tem ninguém em casa. 

Não quero nem pensar sobre isso agora... 

Sigo em direção ao quarto de Miguel e deito-o na cama. Faço o possível para trocar a roupa dele sem o acordar. Ele parece um zumbi molenga, só segue colaborando comigo sem abrir os olhos. Por fim, ele está vestido com os pijamas e o cubro com sua coberta favorita, a do Toy Story.  

Não consigo evitar de sorrir. Se o idiota do Diego estivesse aqui, contaria aquela história ridícula pela milionésima vez. Falando nele, acho que vou pedir que venha aqui... 

Preciso conversar sobre a Bia com alguém. 

Colocar para fora meus sentimentos. Talvez um treinamento que me dê coragem de dizer tudo diretamente para ela. 

Saio do quarto devagar e sigo em direção ao meu para tomar banho. 


**********

Decido ler um pouco na sala antes de o Diego chegue. 

Abro meu novo exemplar de Maus, como a Bia está lendo achei que seria legal se eu também lesse. 

Deus do céu, será que dá para sentir o cheiro do meu desespero por essa mulher? 

Quando estou com a Beatriz, não tenho receio de ser vulnerável. Sinto que não preciso erguer muralhas, posso ser apenas eu mesmo. 

Meu pensamentos são interrompidos pelo barulho de chave na porta. 

Merda. 

— Eai filhão. — Diz uma voz bêbada e debochada. 

Christian Guimarães, um dos maiores empresários do sul e um dos piores homens também. 

Não falo nada, apenas levanto para voltar para o meu quarto.

Como o cara inútil que eu sou. 

— Filho, espera... — chama minha mãe, não sei por que diabos eu viro — Como foi o exame de faixa? Eu tentei te ligar, mas você... — ela tenta se explicar, mas eu a corto.

— Te ignorei. — falo secamente. — Ele passou, só façam o favor de não estragar a alegria dele. — Digo, virando novamente para ir para o quarto. 

Mas então ele ri. O filho da puta ri

E como o idiota que eu sou, só consigo virar para ele e ficar em silêncio.

Covarde. Inútil. Você não é homem. Você é um garoto mimado, assustado e que nunca faz nada. 

As vozes na minha cabeça começam a me criticar, e eu não consigo reagir. Como sempre. 

E é aí que ele ataca.

— Tiago, meu filho... — inicia Christian — Você realmente não muda.. Você não aprende... Quem você acha que paga pelas aulas de judô do Guilherme? Quem você acha que pagou pelo quimono dele? — Pergunta ironicamente. 

Todas as palavras ficam entaladas na minha garganta. Todos os sentimentos tentam escapar de uma vez, mas formam um nó no mesmo lugar.

Covarde. Inútil. Você não é homem. Você é um garoto mimado, assustado e que nunca faz nada.

— Quem você acha que pagou por esse apartamento? Ou por seu quartinho de estudos? Quem você acha que paga sua faculdade? — Pergunta levando a voz. 

Espero que o Miguel não acorde. Espero que o Miguel não acorde. 

Você adora se sentir o moralista dessa casa, mas a verdade é que sempre viveu do meu sustento e provavelmente vai continuar assim. Seu fraco de merda! Termina em um tom calmo e arrogante. Como se estivesse apresentando os dados em uma reunião da empresa. Como se falasse sobre fatos. 

E é um fato. 

Eu sou um fraco de merda. 

— Querido, que tal se a gente for para o quarto? — Sugere minha mãe em um baixo e derrotado. 

Ela nunca fala nada também. 

"— Que foi? Esse idiota mijou na cama de novo? Que merda Cecília, manda a Rosa jogar essa merda amanhã cedo. Não deixa ele subir na cama. 

— Vem Tiago, toma seu banho filho, por favor." 

Lembro da minha mãe tentando virar o colchão, mas sem conseguir por ser muito pesado. 

Lembro de eu acabar dormindo em um amontoado de cobertas. 

Lembro de molhar as cobertas e chorar alto. 

Ninguém nunca aparecia. 

O choro alto virava soluços. 

Os soluços terminavam em silêncio. 


Não sei quanto tempo se passa até que eu escuto meu celular tocando no sofá. 

Olho ao redor e percebo que estou sozinho.

Vejo o nome de Diego na tela. 

Atendo sem falar nada.

— Oi amor da minha vida. Tô aqui na portaria te esperando. — Diz a familiar voz de Diego. 

Não consigo dizer nada. 

Começo a sentir falta de ar,  então tento respirar o mais fundo possível. Mas é difícil. Quanto mais eu tento buscar oxigênio, mas ele parece me faltar. 

— TIAGO, ESCUTA CARA! EU JÁ TÔ SUBINDO! FICA COMIGO, NÃO DESLIGA!

Eu tento falar algo, mas não consigo. 

Sinto como se estivesse prestes a cair em um sono pesado. Meus olhos fecham e abrem, fecham... 

Não me importaria se não acordasse. 





Esse foi bem doloroso de escrever... O Tiago passou por muita coisa difícil e agora preciso contar sobre o lado sombrio dele. Afinal, como disse Sirius Black "Todos temos luz e trevas dentro de nós." 









O Silêncio das PáginasOnde histórias criam vida. Descubra agora