Quero o Abraçar

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****AVISO DE GATILHO! ESTE CAPÍTULO CONTÊM CENAS DE ABUSO EMOCIONAL E VIOLÊNCIA VERBAL.*****


Beatriz 

Cecília continua falando, mas não consigo mais assimilar suas palavras.

"Beatriz, aconteceu um incidente ontem... Tiago está internado..."

Tiago está internado. 

Por isso ele não me respondeu hoje. 

Eu quero chorar, quero gritar, quero me encolher, tudo ao mesmo tempo. 

— Beatriz... Beatriz... — Chama novamente Cecília me fazendo prestar atenção nela.

Seu habitual rosto composto e maquiado foi substituído por um inchado de choro e insônia. Por mais estranho que soe, ela parece ser mais ela dessa forma. 

— O Miguel não pode saber o que aconteceu, então vamos falar que o Tiago precisou viajar a trabalho. — Continuou Cecília.  

Eu sinto como se estivesse assistindo esse momento de fora. 

— Entendeu Beatriz? ... Beatriz, pelo o amor de deus, me ajuda! — Pede Cecília em súplica e então desata em choro. 

E então eu entendo que é grave. 

— Bom dia a todos. — Anuncia uma voz estranha que faz eu ter um mau pressentimento. 

Ninguém responde. Só assistimos uma figura masculina se juntar a mesa. 

Fico tão chocada, que não consigo desviar o olhar.

O homem a minha frente é uma versão mais velha do Tiago. Alto, loiro e olhos azuis. 

No entanto, seus olhos não carregam o mistério, a profundidade e o brilho que os do Tiago têm. Ao contrário, eles são ambiciosos, selvagens e carregam uma aura de poder. Ele parece se divertir com minha reação e percebo como agora estes mesmos olhos percorrem meu rosto e rapidamente encontram meu busto. 

Me encolho. 

— Então essa é a nossa nova babá? — Pergunta o homem sem esconder a malícia em seu tom. 

Salvo o som da sua voz, não é possível escutar mais nada de tão desconfortável que é esse momento. 

— Sim Christian. — Diz tristemente Cecília de cabeça baixa. 

— Quantos anos você tem? — Pergunta Christian sem desviar os olhos dos meus. 

Percebo que ele tem completa noção do quanto está sendo inconveniente e de que está me assediando. 

Que nojo! 

— 20 anos. — Tento falar firmemente, mas é difícil. Ainda estou abalada com a notícia sobre o Tiago. Algo me diz que a internação dele tem relação com esse ser asqueroso que está a minha frente. 

— Interessante. — Declara com bom humor. — Bem, eu vou trabalhar, mas com certeza voltarei. — Fala me direcionando suas palavras. 

Meu cérebro envia centenas de sinais que indicam perigo. E eu abaixo a cabeça, como se isso pudesse me ajudar em alguma coisa. 

O medo. A sensação de não ter uma saída para escapar. A culpa. 

É tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo. 

Ficamos tanto tempo em silêncio e de cabeça baixo, que nem percebi que o Cristian já tinha ido embora. 

Rosa toca gentilmente em ombro e me faz voltar para essa realidade.

Uma realidade que eu não queria viver. 

— Beatriz, desculpa, eu... — Cecília começa a falar, mas não consegue terminar. 

No entanto, agora eu vejo através dela. Ela está tão abalada, que posso perceber seus sentimentos.

A vergonha. A culpa. O medo. O desespero. A desesperança. O cansaço... 

Está tudo ali. 

Olho para Rosa em busca de ajuda, mas ela está encarando um ponto no corredor.

Miguel. 

— Oi Tia, tá tudo bem? — Pergunta Miguel encolhido em seu cobertor do Toy Story.

Lembro da história ridícula que o Diego sempre conta para envergonhar o Tiago. Lembro como ele sempre tenta fingir que está bravo com o Diego, mas tentando segurar um riso ao mesmo tempo. 

Sinto vontade de chorar de novo. 

Mas então vejo a confusão estampada no rosto de Miguel. 

Será que o melhor caminho é contar a verdade para ele? Será que o melhor fazer é mentir? 

Me faço essas perguntas rapidamente, e busco o olhar de Cecília para tentar encontrar respostas.

Ela não sabe.

Nesse momento lembro da cena da minha tia Isabel chorando na cozinha sem saber o que fazer com duas crianças para cuidar. 

E então percebo que Cecília é outra pessoa negligenciada nessa casa. 

Me assusto. Não imaginava a dimensão disso tudo. 

Começo a pensar nos meus próprios pais e toda a dor que me causaram. Se não fosse pelas minhas tias e meu primo, não sei o que teria sido de mim. 

E volto a olhar Miguel, que agora está assustado. 

Levanto e vou em sua direção. 

Com uma força que nem imaginei que teria, agacho igual vi o Tiago fazer diversas vezes e pego nas suas mãos. 

— Miguelzinho, não estamos bem... Mas até sua mãe encontrar um jeito de resolver as coisas, vou ficar com você, combinado? — Prometo para ele e então ele me abraça. 

Quando ele me abraça, não consigo mais segurar as lágrimas. 

Eu choro. 

— Calma tia... Também vou ficar com você. — Diz me abraçando mais forte.


Penso em Tiago, e em como também quero o abraçar. 


O Silêncio das PáginasOnde histórias criam vida. Descubra agora