Até Aonde Alguém Vai pelo Amor?

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 Beatriz              

               Finalmente chego a universidade.
               Estou cansada, pois ainda não me adaptei a nova rotina. Antes eu estagiava de manhã, tinha algumas horas livres a tarde e só a noite ia para a UNILLE. Agora, tenho que acordar quatro e meia da manhã para trabalhar e só retorno para casa às onze e meia da noite. Fora que ainda tomo banho e leio um pouco antes de dormir, então eu vou dormir de fato, aproximadamente às meia noite e meia. 
               Felizmente, consigo estudar durante o período em que Miguel está na escola. Isso me ajuda a não fica atrasada com os conteúdos. Além disso, uso meu horário de almoço praticamente para dormir... Na casa da família Guimarães até suíte de serviço tem, então lá posso descansar e tomar banho antes de sair para a universidade.
               Como quase tudo na vida, meu novo emprego tem seus prós e contras, no entanto, meu sentimento de gratidão é mais intenso, principalmente ao entrar na UNILLE. Ela é a melhor universidade de Joinville, e o fato de eu ter conseguido estudar aqui, se deu principalmente graças ao esforço da minha tia Isabel. 
               Mesmo com o financiamento estudantil, tivemos dificuldade em pagar a diferença, afinal além da minha faculdade, temos a parcela do financiamento da casa, a escola do Lucas e muitas outras despesas e investimentos. No entanto, as coisas agora vão melhorar, pois meu trabalho em tempo integral vai me permitir pagar minha faculdade e ainda ajudar em casa. 
               Ao chegar a sala da minha turma, nem me dou conta de que estava sorrindo até um voz familiar chamar pelo meu nome:
               - Oi Bia... Tá sorrindo por que, ein? - Pergunta Fabiana, a segunda pessoa curiosa da minha vida, e também minha melhor amiga.
               - Oi Fabi... - Cumprimento-a com um abraço - Tô sorrindo, porque eu tenho um trabalho amiga. A ficha não caiu ainda!
               Minha amiga sorri completamente satisfeita com minha reação, ela acompanhou de perto meu desespero e torceu muito por mim. Por falar em gratidão, mal consigo expressar o quanto sou grata pela amizade dela... Mesmo com minhas manias estranhas ou com meus silêncios corriqueiros, ela gosta de mim do jeito que eu sou. 
               Nos conhecemos no primeiro dia de aula. Ela entrou na sala e assim como todos os outros, não pude deixar de notá-la. Ela é bem mais alta que eu, tem cabelo loiro cortado no estilo long bob e seu olhos têm um brilhante tom de verde. Ela seguiu em minha direção e sentou atrás de mim. Não trocamos palavras de imediato. No entanto, após uma dinâmica promovida pela professora de Metodologia Científica, descobrimos que ambas somos viciadas em romances para jovens, especialmente os escritos por autoras brasileiras. 
               Desde então, cultivamos uma amizade que é fortalecida a cada dia através de indicações de leitura, lanches divididos no intervalo e filmes dos mais variados que "assistimos" juntas através de ligação no celular. 
               Como sua curiosidade transcende quase tudo em sua vida, não demora a perguntar:
               - Esse sorriso não tem algo relacionado a... Não sei... Um cara loiro e sensual? - Pergunta em um tom zombeteiro. Não consigo esconder um riso baixo. 
               - Amiga, já te contei que ele tem namorado. - A relembro não conseguindo deixar de sentir um pontada de decepção com a lembrança. 
               - Só porque ele tem namorado, não deixa de ser sensual, além do mais, olhar não tira pedaço... - Diz fazendo graça. 
               - Duvido se você iria fazer graça assim se o namorado fosse seu. - Rebato em desafio, porque a Fabiana é extremamente ciumenta, apesar de não se orgulhar disso. 
               - Nossa amiga... Só estava brincando - Comenta e então balança as mãos na tentativa de espantar algum mau agouro contra o seu inexistente namoro. 
               - Por falar em namorado... - Começa e eu já temo o que vem a seguir - O Fernando falou que vai para o bota fora de medicina que vai rolar na Sexta. - Eu suspiro, porque já até imagino a direção que essa conversa vai tomar. Primeiro, porque nem namorado dela o Fernando é.
               - Amiga, você sabe que eu te amo, mas a resposta é não antes que você peça algo. - Anuncio na defensiva. 
               Recebo uma careta de decepção e por mais que doa, não vou ceder. 
               - Poxa Bia... Você nunca sai comigo! - Abro a boca para me defender, mas sou interrompida - E não adianta falar que a) não tem o que vestir ou b) que "assiste" filmes comigo ou c) que não tem dinheiro... Não vai colar. - Termina me deixando sem desculpas. 
               - Fabi, eu vou sobrar lá... Você sabe que não falo muito com o pessoal. - Falo chorosa para tentar convencê-la a me liberar dessa tragédia. 
               - Você não vai sobrar.... Vai estar comigo poxa. - Oferece e nós duas sabemos como foi uma oferta falsa.
               - Vou sobrar sim, sabe por quê? Porque você vai chegar na festa, vai procurar o Fernando e vocês vão ficar se pegando a noite toda. - Termino e ela me encara por saber que é a mais pura verdade. 
               Ela pensa por alguns minutos e eu sinto um nó na garganta por ter dito as coisas dessa forma. Já disse que sou uma manteiga derretida... O meu pobre coração não aguenta essas situações. 
               - Ok amiga, você foi sincera, eu vou ser também... - começa a falar e sinto um medo por causa do seu tom sério - Eu sei que o Fernando não é um príncipe. Mesmo tendo esperança que ele mude, assim como os bad boys das histórias que gostamos de ler, tampouco me sinto segura com ele ainda - ela faz uma pausa triste antes de continuar - eu tenho medo que ele me dê um fora, fique com outra garota e me deixe sozinha. - Termina sua confissão com um semblante de sofrimento. 
               - Fabi... - Começo tentando ser o mais sensível possível - Se você não sente segurança, não deveria ficar tão vulnerável assim para ele, ainda mais diante da... Reputação dele, sabe? - Pergunto na esperança de que ela perceba como essa situação não parece boa. 
               - Eu sei Bia... Sei de tudo isso, mas eu preciso tentar. Se eu não tiver coragem e me abrir, nunca vou conseguir encontrar alguém. - Declara tentando me fazer entender e eu juro que tento. No entanto, não conseguiria agir como ela, não conseguiria baixar minha guarda para alguém assim, principalmente alguém que mal conheço. 
               Ficamos em silêncio por alguns segundos. Até que ela retorna a falar:
               - Sei que não gosta de festas, mas se o pior acontecer, eu não quero ficar sozinha... Não é o comportamento mais maduro, mas eu preciso tentar Bia. - E então sei pelo seu tom que não vai mais tocar no assunto. 
               Seus olhos verdes dão indícios de que estão suprimindo um choro. Eu me sensibilizo com minha amiga, que por um lado tem um ótimo gosto para livros, mas por outro tem um péssimo para homens. 
               Todo semestre algum cafajeste vem atrás dela unicamente pensando em sua beleza e em se satisfazer. Mas logo que se cansam, ficando dando desculpas a ela, ou pior, falsas esperanças para continuar conseguindo o que querem. Eu sempre tento alertá-la, mas ela sempre me responde que faz parte da vida e que se ela nunca tentar, nunca vai encontrar o amor.
               Eu só me pergunto, por que eles não podem ser honestos? Se fosse eu, teria ao menos a decência de ser sincera e dizer: "Não estou interessada em relacionamentos sérios, se você quiser algo casual, então sim, podemos continuar isto". Talvez não exatamente com essas palavras, mas algo em torno disso.
               Mesmo sabendo que vou desgostar de cada segundo da minha decisão, seguro no ombro dela para dizer:
                - Eu vou com você a festa... - Anuncio - Mas por favor, se as coisas não saírem como você espera. Considera superar esse cara, ta bem?
                Ela assente e sorri. Um sorriso grato. Um sorriso de esperança. 
                A professora entra na sala e em pouco tempo começa um anúncio sobre alguma palestra que vai acontecer, mas não estou prestando atenção. 
                Estou pensando sobre o que a Fabi falou, sobre o que minha tia Isabel passou e sobre o que minha 'mãe' faz pelo meu 'pai'... E me pergunto: Até aonde alguém vai pelo amor?

O Silêncio das PáginasOnde histórias criam vida. Descubra agora