Tiago
Beatriz me dirige um olhar envergonhado e interrogativo, pois não consigo conter um sorriso divertido.
Fui totalmente pego de surpresa por sua teoria de que eu era gay. Só não digo que é uma teoria absurda, porque o Diego com essa mania de dizer que sou o amor da vida dele, já fez até minha mãe desconfiar de algo (talvez ainda tenha suas dúvidas, inclusive). Mas eu nunca esperei que Beatriz encarasse a situação dessa forma.
Quando Diego se apresentou a ela segurando sua mão, me senti extremamente irritado pela audácia dele e principalmente pela reação dela em sorrir tão abertamente. O que não faz sentido nenhum, porque Beatriz e eu não temos um relacionamento, e mesmo que tivéssemos, não seria certo tratá-la como posse e não deixar ninguém se aproximar.
'Para Tiago', você está indo muito longe com esses pensamentos sobre relacionamento. Deve ser a seca, penso. Quando a gente passa do terceiro mês, já começa a perder as contas e a racionalidade também, pelo visto.
Agora que sei o que se passava nessa cabeça linda, posso deduzir que sorriu para ele por educação e que ficou chateada no dia, talvez... Por causa do que pensou que descobriu?
— Por favor Tiago, não ri. - Pede ainda envergonhada.
— Desculpa, não é isso... Eu só fui pego de surpresa. - Digo relaxando um pouco no banco.
Ela faz o mesmo e ficamos por alguns momentos em silêncio encarando o céu estrelado, que milagrosamente está sem nuvens.
É um silêncio confortável, que somado ao seu perfume gostoso, faz com que eu me sinta anestesiado. Ela também parece se sentir bem com o jeito que estamos e me pergunto o que está pensando.
— "Duvida que as estrelas sejam fogo,
Duvida que o sol seja movimento,
Duvida que a verdade seja mentira,
Mas nunca duvide que te amo."
Declama em resposta aos meus pensamentos.
— Shakespeare. - Digo maravilhado e ela assente sorrindo.
— Ao olhar as estrelas lembrei dessa parte. As vezes meus pensamentos viajam longe. - Dá de ombros enquanto eu a entendo perfeitamente.
— Você estuda Letras - Português certo? - E dessa vez, eu é quem recebo um sorriso divertido. Fui pego. E sinceramente? Não me importo.
Por algum motivo que eu ainda não entendo bem, me sinto confortável perto dela. Sinto como se não precisasse levantar tantas muralhas como faço diariamente.
— Sim... Eu quero ensinar Literatura. - Revela ainda sorrindo e não posso evitar sentir um frio da barriga a cada sorriso arrebatador que me oferece. Será que ela tem consciência do efeito que causa em mim?
Somos interrompidos por um casal que se aproxima a passos curtos. A mulher é alta, loira e tem olhos verdes que não conseguem se distanciar do cara que está ao seu lado. Ele, que descaradamente direciona os seus para o decote de Beatriz, já tem o meu desprezo. É talvez da mesma altura que eu e parece nunca sair da academia pelo tamanho da sua estrutura. Lanço um olhar de advertimento, mas ele só parece achar graça.
— Oi amiga! - Cumprimenta a loira que alterna seus olhares e sorrisos entre Beatriz e eu.
— Oi Fabi - Responde Beatriz, que parece tão desconfortável quanto eu. Provavelmente percebeu que o canalha estava a secado com os olhos.
— Tiago não é? - Pergunta Fabi e eu já gosto dela. Agradeço silenciosamente por ter me revelado uma informação tão valiosa. Sinto Beatriz lançar a ela um olhar furioso e bem, minha autoestima não poderia está melhor para ser sincero. Tudo isso significa que ela falou sobre mim, penso enquanto sorrio educadamente.
— Oi Fabi. É um prazer te conhecer. - Digo agora de pé para cumprimentá-la.
— O prazer é meu. - Responde divertida enquanto lança um olhar zombeteiro em direção a amiga. Já disse que gosto dela? Ela tem um humor que me lembra o de Diego.
O cara desprezível pigarreia para chamar a atenção e Fabi muda sua postura para uma completamente solícita. Não posso deixar de sentir pena, porque claramente esse cara não a merece.
— Tiago, esse aqui é meu... Fernando. - Diz sem jeito e o cara nem parece se importar com isso.
Não querendo deixar o clima ruim com a Fabi, decido cumprimentar esse ser detestável que está a minha frente. E diga-se de passagem com uma masculinidade mais frágil do que o meu action figure do Gandalf, pois está tentando quebrar minha mão em nosso aperto. Não deixo meu rosto transparecer qualquer tipo de emoção e ele parece frustrado por sua tentativa de demonstrar força ter falhado. Ridículo, penso.
— Oi Bia, tudo bem? - Pergunta sugestivamente o descarado, sem se importar com o desconforto dela ou com a presença da Fabi. Esse maldito merece um soco na cara! Está cada vez mais difícil conter minha raiva.
— Oi Fernando. - Diz secamente Beatriz.
Fabi, que provavelmente está acostumada com a reação da amiga. Se propõe a encerrar a conversa e dispersar o clima pesado que está no ar.
— Amiga, eu vim te avisar que já estou indo, tá bem? - Pergunta em uma permissão silenciosa, e até diria, desesperada para a amiga.
— Tudo bem Fabi. - Comenta soltando um suspiro enquanto a abraça - Mas se precisar de qualquer coisa, pode me ligar. - Promete fielmente ao passo que dirige um olhar quase assassino em direção a Fernando.
— Ok... Vamos indo. Boa noite para vocês. - Se despede, enquanto segue o ser desprezível em direção ao estacionamento.
Beatriz volta a sentar e não consegue esconder a preocupação com a amiga.
— Eu só queria que ela encontrasse um cara decente.. - Começa - Não é um pedido absurdo, certo? Mas com a quantidade de caras como Fernando que existem por aí, estou tendo minhas duvidas.
— Já tentou conversar com ela sobre isso? - Sugiro, mas já imaginando a resposta.
— Sim, no entanto, ela é uma romântica esperançosa e incurável. - Diz soltando um suspiro cansado - Ela é uma das melhoras pessoas que conheço, ainda torço que as coisas melhorem para ela.
Ficamos mais alguns segundos em silêncio e me dou conta de algo.
— Você veio com ela, certo? - Pergunto enquanto Beatriz assente. - Então como vai voltar para casa?
— Bem lembrado... Eu vou usar um aplicativo de transporte, afinal não tem mais ônibus circulando. - Comenta enquanto olha o horário no celular.
Já é quase 2 horas da manhã.
— Beatriz, eu posso te levar em casa. - Ofereço ainda preocupado, pois sair sozinha com um desconhecido a essa hora da manhã não é seguro.
— Não quero dar trabalho... E eu moro longe. - Recusa educadamente ao passo em que me encanto com seu jeito.
— Não tem problema, eu nem vou dormir mesmo. - Digo como desculpa, mas sem mentir. Se eu fosse dormir agora, iria desregular o meu sono e isso atrapalharia toda a minha rotina.
— Tem certeza? - Pergunta ainda receosa e eu assinto - Eu moro no Boehmerwald. - Anuncia em forma de teste.
— Sem problemas. - Falo de maneira despreocupada e ganho mais um de seus sorrisos.
Só agora me dou conta de que não quero que essa noite acabe ainda. Eu quero fazer tantas perguntas... Quero ouvir o som da sua voz, quero ver seu nariz se mexer daquele jeito engraçado... Percebo como estou entrando em um terreno perigoso, mas não consigo voltar atrás.
— Que tal se a gente comer antes? - Sugiro torcendo com todas as minhas forças para ouvir um sim.
— Eu acho uma ótima ideia - Diz sorrindo aliviada e sinto que não quer que essa noite acabe tão cedo, assim como eu.
Seguimos em direção ao estacionamento e num gesto talvez inapropriado abro a porta do seu lado para que entre. Como recebo um sorriso de lado, me sinto mais aliviado.
Ao entrar no carro sinto melhor o seu perfume. É um agradável cheiro de coco. Tenho vontade de saber se vem da sua pele ou do seu cabelo. "Calma Tiago!", me alerto.
Como ter calma com ela assim tão próxima?
Seu cabelo está preso em um rabo de cavalo que além de destacar sua franja charmosa, dá uma visão e tanto do seu busto. As alças finas do seu vestido acompanham a linha do seu decote que me faz engolir em seco. Seu seios têm sardas que deixam a área ainda mais enlouquecedora. Seus olhos percebem a direção dos meus e me empertigo no lugar sentindo o rosto esquentar de vergonha, ela parece partilhar do meu embaraço e então vira para olhar algo pela janela.
— Pela hora, acho que nossa opção de comida se limita a hambúrguer. - Digo tentando dissipar minha mancada. Ela volta a me olhar.
— Felizmente, hambúrguer é uma das minhas comidas favoritas. - Fala em um tom bem humorado. E eu adoro que as coisas não estejam estranhas como temi que pudessem ser.
— E qual é a primeira? - Pergunto curioso.
— Lasanha a bolonhesa da tia Rosa, claro! - Anuncia e então rimos juntos. Só consigo pensar como adoro o som da sua risada.
CONTINUA
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O Silêncio das Páginas
DragosteBeatriz está desesperada! Seu contrato de estágio chegou ao fim e ela precisa encontrar um novo emprego urgente. Após conversar com Rosa, amiga de sua tia, consegue uma entrevista de emprego para ser babá na casa da família Guimarães. Cuidar de u...