Espero Sinceramente que Consiga

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Tiago                  

                  - Duas palavras: que gata! - Diego diz, enquanto eu reviro os olhos irritado. - Rostinho lindo... Pena que não deu para reparar em outras partes. - Termina me dirigindo um sorriso cafajeste e eu sinto meu sangue subir para a cabeça. 
                  - Não fica de gracinha com a Beatriz seu mala! - Ordeno não conseguindo conter minha irritação. E Diego acha graça... Como sempre. 
                  - Não precisa ficar esquentadinho ô amor da minha vida. - Eu respiro fundo. - Só tava sendo simpático, afinal tenho uma reputação a zelar. - Que reputação? A de safado? Penso enquanto reviro os olhos mais uma vez para ele, enquanto me sento a mesa. 
                  - E para de ficar me chamando assim na frente dos outros! - Lanço para ele. - Agora me deixa fazer essa droga de trabalho, porque eu sei que você veio mais para atrapalhar, do que para ajudar. 
                  - Já te disse que você é o melhor amigo do meu universo? - Pergunta retoricamente e senta ao meu lado. 
                  - Sou praticamente seu único amigo, mas vou aceitar o elogio. - Falo dando um meio sorriso, porque não consigo ficar irritado com ele por muito tempo.  
                  É só ele parar de ser 'simpático' demais com certas pessoas, e vai ficar tudo bem. Afinal, não é nada apropriado... A Beatriz é babá do meu irmão... Se bem que ela não parecia descontável com ele pegando em sua mão. Será que ficou interessada? Estava até sorrindo para ele. 
                  Que droga!
                  Isso não é da minha conta! Mas... Só vou ficar de olho no Diego quando for beber água ou ir ao banheiro... Tudo em nome de manter as coisas apropriadas, claro. 
                  Penso em tudo isso, sabendo no fundo que estou engando a mim mesmo. 

                                                                                          - 

                   Após muito esforço, termino o trabalho do mala de tal maneira que nem em um sonho sobrenatural tenha indícios do meu. 
                   Diego não ficou nem duas horas, inventou que precisava urgente ir para a empresa do seu pai. Até parece que acreditei... 
                   Mesmo sabendo que meu melhor amigo trabalha duro, principalmente para provar seu valor para o idiota do pai, o conheço tempo o bastante para saber que detesta fazer qualquer tipo de atividade escolar ou acadêmica. Ele é daquele tipo de ser humano, que só assiste as aulas e tira ótimas notas nas provas. Ou que apenas pelas experiência prática se torna excelente no que faz. 
                   Agora eu? Preciso assistir as aulas, fazer anotações, estudar em casa, manter um ritmo de revisões dos conteúdos para que não se 'percam' nessa minha mente acelerada, e tudo isso me leva a ser, eu diria, bom. 
                   Diferente do Diego, eu não busco provar algo para os meus pais, porque isso é uma perda de tempo. Eu tenho algo para provar a mim mesmo. Acredito que se eu me esforçar e me manter focado, vou conseguir alcançar meus objetivos... E não é como se eu não tivesse todas os meios para isso... No final eu me sinto ainda mais na obrigação de conquistá-los. 
                   Saio angustiado da sala, por conta desses pensamentos e esfrego os olhos para afastar o costumeiro cansaço na vista. 
                   Estava tão fixado no que tinha em mente, que me esqueci da nova companhia do almoço. Ela e Miguel, já estão sentados a mesa enquanto Rosa serve as comidas. 
                   - Obrigada Rosa. - Agradeço ao passo em que dou um beijo no topo da cabeça do Miguel. 
                   - Oi Beatriz. - Digo baixo e então sento no meu lugar de sempre. Ela parece estar chateada... Será que é comigo? 
                   - Oi. - Cumprimenta curtamente e eu tento relembrar de todos os segundos do dia para saber se fiz alguma coisa. Tirando aquela situação ridícula com o Diego, não lembro de mais nada que seja relevante. Mas se ela sorriu para ele, não deve ter sido isso. Continuo formando minhas teorias, quando sou interrompido por Miguel: 
                   - Você ajudou ela manão? - Pergunta e eu fico confuso... Ela quem? Beatriz? 
                   Olho para Beatriz curiosamente, e ela por segundo parece tão confusa quanto eu, mas de repente fica mais branca do que já é. 
                   - Não entendi maninho... - Falo para ele, agora querendo saber do que ele está falando, porque claramente a Beatriz ficou incomodada, será que vou saber o motivo de estar chateada? - Explica melhor. - Peço com um pouquinho mais de urgência. 
                   - É que ontem ela pediu ajuda com a tarefa de casa dela... Só que eu sou pequeno. Não consegui ajudar. - Diz meio envergonhado.
                   Beatriz continua sem reação e eu continuo sem entender do que ele está falando. 
                   - Não tem problema maninho, ela pode pedir ajuda da professora dela. - Digo fingindo que entendi, Miguel fala coisas sem sentido de vez em quando. 
                   - Não manão... - Ele começa como se fosse óbvio - A professora dela fica chateada! A gente fez um combinado... Eu fazia minha tarefa de gente pequena e ela pedia sua ajuda com a tarefa de gente grande, porque você é maior. Tendeu? - Pergunta para checar se eu realmente entendi. 
                   Eu só assinto, porque não estou sabendo lidar com essa informação. 
                   - Miguel... Você é uma graça guri. - Diz Beatriz, rindo nervosamente, porém não recebe nenhum comentário do meu irmão, que decidiu ficar em silêncio novamente.
                   Ficamos comendo em silêncio e só então percebo que ela não se serviu. 
                   Provavelmente comeu mais cedo, por causa desse horário de trabalho louco e me sinto incomodado com isso. Não tem problema nenhum ela comer com a gente, tenho certeza que nem minha mãe veria algum problema. Todas as outras babás tomaram a iniciativa sem convite, porque tinham de acompanhar o Miguel caso alguma coisa "difícil" acontecesse e nós nunca nos incomodamos. 
                   Opto por não comentar nada. Não quero que pense que estou a vigiando, já dei a entender no café da manhã e no dia que a vi pela primeira vez estudando na mesa, que está tudo bem. 
                   Miguel levanta e Beatriz faz o mesmo em seguida.
                   - Vou tomar banho tá bem. - Anuncia dando a entender que quer tomar banho sem ninguém no pé dele, porque não quer ser tratado que nem bebê. Acho que Beatriz entende e me pergunta com um olhar para ter certeza se está tudo bem em não ir. Eu só assinto. 
                   Silêncio. 
                   Eu gosto dele, mas esse aqui é meio estranho. Não estou curtindo. 
                   - Licença... - Começa Beatriz me fazendo subir o olhar em sua direção. - Sobre o que o Miguel disse... - Pausa, e vejo que está tentando se explicar da melhor maneira possível - Ele não queria fazer a tarefa de casa, então eu inventei isso para o convencê-lo. Não existia uma tarefa de gente grande para você me ajudar. - Termina dando um sorriso sem graça e eu percebo que não despejou tudo rapidamente como fez no 'episódio da flor'. E alguma coisa me diz que eu deveria me incomodar com essa mudança. 
                   - Tudo bem... - Falo tentando amenizar a situação, mas fico curioso - Você já trabalhou com outras crianças? - Pergunto tentando parecer um pouco indiferente para que não pense que a estou julgando. 
                   - Para ser sincera... Não. - Responde honestamente e me vejo aproveitando esta fresta.
                   - Entendi... Só estou perguntando isso, porque ninguém lidou dessa forma com ele antes. - Falo relembrando dos telefonas que recebíamos sempre: "Miguel não quer ir pra casa", "Miguel falou que não vai fazer tarefa" ou minha favorita "Não sei mais o que fazer com esse menino!", esta última me irritava. Eu sei que meu irmão não é fácil, mas falavam como se ele não tivesse mais jeito, como se desistir dele foi justificável. 
                   Beatriz interrompe meus pensamentos:
                   - Eu sei que minhas decisões não são comuns, mas eu repito a você, o que disse a sua mãe: vou dar o meu melhor a cada dia. Quero muito colaborar para que ele supere o que está o fazendo agir assim. - Termina e fico surpreendido por não ter chamado isso de "fase difícil" como a maioria faz.
                   Por mais que eu queira acreditar nela, não consigo. Faz só dois dias e não sei se ela vai sustentar essa força de vontade por mais de um mês. Como não quero ser grosseiro me limito a dizer:
                   - Espero sinceramente que consiga... - Ela abre um sorriso e fico desconcertado, porque é ainda mais bonito do que o que deu a Diego hoje de manhã. - Se acontecer alguma coisa, pode me ligar? - Ofereço enquanto saco meu celular do bolso. 
                  Ela cora um pouco e desvia os olhos dos meus para olhar para seu prato vazio. Será que entendeu que estou desconfiado dela? 
                  De repente começa a falar seu número, ainda com o rosto baixo. Eu anoto tudo nervosamente e repito a informação para que confirme se gravei seu número certo. Espero que eu não tenha parecido desesperado ao fazer isso. 
                  Agradeço (não acredito que agradeci, se antes não pareceu que estava desesperado, agora deve ter ficado nítido) e aviso que vou mandar uma mensagem para que grave meu número (fica cada vez pior).  
                  Peço licença para me arrumar, pois tenho que ir para o trabalho.
                  Depois passo na sala de estudos para me despedir do Miguel (e da Beatriz, confesso). E assim que ela me vê, arregala um poucos os olhos, e eu fico intrigado... Não consigo decifrar esses olhares. Ela tenta afastar algum pensamento e então me oferece um sorriso.
                  O retribuo percebendo que fui honesto em tantos aspectos quando disse: Espero sinceramente que consiga.

                  
                    
                   
                   



O Silêncio das PáginasOnde histórias criam vida. Descubra agora