Coragem e Dor

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Tiago

— Você se sente preparado para voltar para casa? — Pergunta Lena quando estamos nos aproximando do fim da sessão. 

37 dias de internação. 

Penso sobre o que voltar para casa representa. Sinto como se tivesse fugido desse cenário inevitável. Um hora eu terei de voltar para casa, não posso ficar aqui pare sempre... 

Ou será que posso? 

Ao pensar em voltar e ter que encarar todas as pessoas que ignorei nesse último mês, sinto minha ansiedade trabalhando a todo o vapor fazendo com que eu me sinta horrível.

Calma Tiago. Nós vamos conseguir. 

— 100% preparado, não.  — digo ao passo em que mecho no cabelo que está comprido demais — Mas acho que o lance de ter coragem envolve justamente isso. — comento por fim.

— Sim... E você é capaz Tiago, continue acreditando nisso, porque é verdade. — Fala Lena e sinto meu corpo relaxar. 

Eu não consigo imaginar minha vida sem terapia. 

Todo o trabalho emocional que eu tive aqui me ajudou tanto, gostaria de ter tido chance de ir mais jovem.  

Mas tudo bem, o importante é que estou aqui, no presente, vivendo esse momento, vivendo essa experiência. 

— Obrigada Lena.... Muito obrigada mesmo! — Digo me sentindo emocionado. 

E sem sentir vergonha por isso. 

Que vida é essa? 

— Fico feliz por você Tiago. — Comenta enquanto se levanta. — Mas lembra que vamos continuar com as sessões semanalmente, certo? — Pergunta com gentileza.

— Estarei aqui toda segunda-feira de manhã. — Confirmo dando um sorriso.

E então eu saio da sala. 

E então vou a recepção. 

E então vejo minha mãe.

Ela parece tão diferente. Está usando roupas casuais, o que é algo muito raro. Tem um semblante mais relaxado também. 

Relembro sua decisão sobre o divórcio e que não terei de me preocupar em ver o Christian e tão pouco ser humilhado por ele. Alias, nós três estamos livres dele. 

Esse é o tipo de acontecimento que eu terei que vivenciar para realmente acreditar.

Parte de mim receia que ela volte atrás e eu sinceramente não vou viver mais assim... 

Mas calma Tiago, não comece a pensar muito sobre isso.

Inspiro fundo e solto devagar. 

Trocamos um cumprimento curto e sem jeito e seguimos para o carro. 

Tento lembrar todas as técnicas para não deixar que a ansiedade assuma o controle da minha mente.

Não é fácil, mas sinto que tenho mais condições de lidar com a loucura de pensamentos que ameaçam surgir. 

Tento me concentrar nas árvores que passam por nós. Observo as construções do centro de Joinville. Depois vejo a padaria São Josué e sinto fome ao lembrar das cucas e pães de queijo, não tínhamos isso no centro de reabilitação. 

Cecília pareceu perceber meu olhar vidrado enquanto o sinal vermelho impede nossa passagem. Ela não comentou nada, mas deu o sinal e logo estacionou um pouco mais a direita. 

Não sei se saio do carro e a acompanho ou se fico aqui. Parece que não sei mais agir em sociedade. Me sinto estranho. 

Inspiro e solto devagar. 

O Silêncio das PáginasOnde histórias criam vida. Descubra agora