Tiago
27 de Novembro de 2020
Olá Bia,
Se você está lendo isso, gostaria de te pedir por favor que continue até o fim, imagino que você esteja magoada e que eu não esteja em posição de te pedir favores, mas considere me dar esta chance.Antes de eu falar exatamente o que eu quero dizer, gostaria de te esclarecer porque esta carta se encontra em um caderno surrado e escrito com giz de cera. Bem... Este caderno é o que eu venho utilizando para escrever sobre minha rotina e pensamentos aqui no centro, e por eu utiliza-lo frequentemente está amassado. Já o giz de cera é por conta de não podermos ter acesso a objetos potencialmente perigosos. Por favor, não interprete isso como um apelo para que você sinta piedade de mim, só não queria que pensasse que eu fui desleixado e não me dei ao trabalho de escrever em um papel ou tinta melhores.
Agora voltando para o objetivo inicial dessa carta, quero te contar algo, que até então não tinha compartilhado com ninguém além da Lena (minha psicóloga).
Praticamente quase todas as vezes em que me via em um espelho, me sentia preso ao meu próprio reflexo. Eu via algo que não conseguia entender e que me fazia ficar ansioso e angustiado. A primeira vez que notei que isso aconteceu, eu tinha catorze anos. Acabara de fazer uma prova de História que eu tinha certeza de que não fora tão bem. Pedi para ir ao banheiro e depois de entrar, contemplei esse reflexo que começou a me assombrar desde então.
Em uma das sessões com minha psicóloga, fiz um trabalho para superar isso. Foi uma das coisas mais difíceis que fiz na minha vida. Eu perdi completamente a noção do tempo e tentei me manter calmo ao mesmo tempo em que tentava entender o que tanto me angustiava nesse tipo de situação.
Foi então que as lembranças de todos os insultos que meu pai me dirigia e das vezes que tive medo e não havia ninguém por perto para me consolar vieram gradativamente... E dolorosamente. Eu cresci me sentindo sem valor, um inútil como diria meu pai e incapaz de ser feliz ou se quer ser amado por alguém. Pensava que se nem meus próprios pais pareciam me amar e aceitar, então definitivamente eu era o problema. E isso me faz entender todo o meu esforço para tentar ser o melhor possível e de todas as atividades que tinha para silenciar os pensamentos automáticos que traziam os insultos e acusações do meu pai. Eu tentei arduamente ser um alguém diferente, mas a cada dia me sentia cada vez menos, mesmo com todo o esforço. E era isso que me angustiava no reflexo, eu tinha medo de ser exatamente aquilo que o Christian me acusava ser. E achava que era isso que as pessoas viam em mim quando me olhavam. E isso me apavorava. Me apavorava que todos pudessem ver o que eu via, um ser fracassado e sem valor. Me sentia extremamente inseguro.
No entanto vesti a armadura que eu construíra por anos, a da indiferença. Parecia que eu não ligava para nada, que me era natural todos os que eu considera míseros frutos de meu insuficiente esforço. Era uma contradição tão grande, me sentia cansado e infeliz o tempo todo. Meus momentos de paz eram vivenciados nos livros, onde eu podia me perder dos pensamentos que não eram bem vindos.
A situação piorou quando o Miguel nasceu, pois eu sentia muito medo por ele, e acabou que meu medo se concretizou, pois ele sofreu. Eu me sentia culpado por não ter cuidado dele, por não ter o defendido, e isso me fez pensar ainda menos sobre mim mesmo. Fora a presença de Cecília que era um gatilho constante para que eu lembrasse das minhas piores memórias com Christian em que ela não se manifestava para me ajudar.
Tudo isso foi se sucedendo dessa forma até eu conhecer você.
Após a minha primeira péssima impressão (desculpe novamente por isso) e ao te conhecer melhor, eu senti coisas novas, que me deixavam animado e apavorado ao mesmo tempo. Eu não conseguia parar de pensar em você... Toda a sua faladeira nervosa, seus gostos literários, sua risada, o modo como você tratava o Miguel, sua determinação, tudo em você era como um livro magnífico ao qual você não quer parar de ler.
Em momentos em que você me fazia extremamente feliz, eu fica ansioso em seguida, agora entendo que tinha medo que você visse o que eu via em meu reflexo. E essa insegurança me impediu de te amar como você merece.
Porque sim Beatriz Campos, eu te amo. Te amo como nunca imaginei que pudesse amar alguém.
Eu estou cuidando da minha saúde e tenho esperanças que vou melhorar, e que eu vou poder ir quebrando essas barreiras que me impedem de viver com você de maneira plena.
Desculpe por ter te afastado, sei que esta carta não apaga a dor que eu causei em você. Mas estes são os meus motivos. E se você puder me perdoar e ter paciência, eu vou fazer de tudo para que você sinta o que eu sinto, quando estamos próximos um do outro no silêncio das páginas, um momento no qual palavras não são necessárias.
Se não quiser, eu entendo. Saiba que estarei sempre torcendo por sua felicidade e te agradeço por tudo o que me fez sentir e por todo o carinho que deu a Miguel.
Com amor,
Tiago.
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O Silêncio das Páginas
RomanceBeatriz está desesperada! Seu contrato de estágio chegou ao fim e ela precisa encontrar um novo emprego urgente. Após conversar com Rosa, amiga de sua tia, consegue uma entrevista de emprego para ser babá na casa da família Guimarães. Cuidar de u...