A Maldição que Está no Meu Sangue

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Tiago

                    - Cara, eu nunca te pedi nada, só me ajuda com esse trabalho de Recursos Humanos, por favor. - Implora Diego, o meu (para todos os casos) melhor amigo. 
                    Suspiro de saco cheio, porque a) ele sempre me pede coisas o tempo todo, b) muitas delas são vergonhas demais parar eu trazer a tona nesse momento e c) ele é um folgado que não estuda. 
                    - Cai fora Diego... Para de ser preguiçoso e faz você! - Digo irritado para ver se ele se toca, mas é inútil. 
                    - Devo te lembrar de uma linda história sobre um garoto feio e estranho que entrou no meio do semestre na escola que eu estudava? - Começa dramático e eu simplesmente não sei por que sou amigo desse cara. O ignoro enquanto caminhamos em direção a aula de Gestão Mercadológica. 
                   - Tudo começou em uma bela manhã na Escola Católica Joinvilense... - Continua para me irritar ainda mais. - Eu, Diego Machado, um jovem boa pinta, que começava a descobrir os prazeres da vida. - no caso: mulheres, penso revirando os olhos - tive minha conversa com a garota mais gata da sala, qual era o nome dela mesmo? Não lembro, enfim... Tive minha conversa com a garota mais gata da sala interrompida por um guri que entrou na sala de aula usando um óculos com cordinha igual a um velho. Claro que uma visão pavorosa daquela arrancou a atenção de todos, inclusive da minha gatinha. - Então pausa tentando controlar um riso. Ele não vai me irritar mais. Ele não vai me irritar mais. Repito para mim mesmo. 
                   - Não bastando aquele visual exótico, ele conseguiu a proeza de passar a maior das vergonha que um pobre adolescente poderia passar. - faz uma pausa dramática e me encara divertido. Não importa quantos anos passem, ele não enjoa dessa história. - Ele sentou na primeira cadeira da fileira do meio e nos deu um vislumbre memorável de sua cueca do... - mais um pausa. - TOY STORY! 
                  - HA-HA-HA Diego. Você é um idiota, todos sabem. Agora cala a boca. 
                  - Calma, agora é que vem a melhor parte. - continua determinado a me fazer perder a paciência. - Todo começaram a rir do pobre garoto, e ele não tinha noção sobre o motivo da piada, por isso ficava buscando-a com os olhares engarrafados, mas a cada movimento só fazia a bendita cueca traidora aparecer mais. Pobre garoto... - Baixa o rosto e o balança num falso gesto de pena. Então continua:
                  - Até que de repente, o garoto mais gostoso da sala, alias, me atrevo a dizer, do colégio, não aguentou tamanha zombaria e fez o que qualquer pessoa sensata faria - e então eu não me aguento e começo a rir desse idiota - ele encarou aquela multidão corajosamente e falou "nunca viram cueca seus otários?" e então abaixou as calças dando ao mundo o que falar. 
                  História verídica... Até hoje lembro que fiquei espantado com cena. Diego era um magrelo em fase de crescimento, que pouco volume tinha no meio das pernas. E como se não fosse suficiente usava uma cueca branca. 
                  - Eu defendi sua honra Tiago ao abdicar da minha. - Ah tá, como se a honra dele não tivesse se esvaído bem antes desse episódio. - E é assim que você me agradece? Me negando um favor... Me negando conhecimento. Esperava mais...
                  - Tá bom inferno! Eu te ajudo. Agora cala a boca. - Falo alto e depois nós dois caímos na risada. Quem eu quero enganar? Não consigo negar nada para esse mala. 
                  Após aquele fatídico episódio da cueca do Toy Story. Diego me procurou no intervalo para mandar que eu jogasse aquela cueca ridícula fora e disse que como ele era um cara legal, iria me ajudar a "conseguir umas gatinhas". Eu não acreditei no absurdo que era toda aquela situação, mas de algum jeito não nos separamos desde então. 
                  Estudamos juntos até o final do ensino médio e agora fazemos o mesmo curso na faculdade. Se eu não fosse a testemunha mais segura da sua heterossexualidade, diria até que estava me seguindo, mas ainda tenho pesadelos com esse crápula fazendo o que não deve no meu quarto (na minha pobre cama) com a Gabi, uma colega do ensino médio que fora fazer um trabalho de física na minha casa uma vez. 
                  Não podíamos ser mais diferentes, mas o cara é como um irmão para mim. 
                  Sentamos nos nossos costumeiros lugares e antes que eu possa abrir um bloco de anotações, sinto um familiar perfume doce e já solto um suspiro antes de olhar para cima. 
                  - Oi Ti, tudo bem? - Pergunta uma mulher loira com mais que 1,75 m e divertidos olhos verdes.
                  - Oi Nathalia. - Dou ênfase em seu nome inteiro para cortar sua tentativa de intimidade. Cumprimento-a a contragosto já me enjoando com seu perfume... Doce demais, penso. 
                  - Oi Nath, como você tá? - Interrompe Diego, que não pode ver um rabo de saia, que inclusive é minúsculo. Não queria pensar, "nada contra, mas...", porque geralmente quem começa falando isso é um babaca, e por mais que eu seja um em muitos momentos, não é da minha conta o que qualquer pessoa use. Quem sou eu, não é mesmo? Passei vergonha com uma cueca zoada. Mas é que não parece confortável. Não parece que ela verdadeiramente gosta. Isso me incomoda. Como não é da minha conta, volto o olhar para meu bloco de anotações.
                 - Oi Diego... Tô bem. - Diz educadamente para o meu amigo sem vergonha - Mas posso ficar melhor se tiver uma companhia no bota fora da turma de medicina que vai rolar nessa Sexta. - E agora olhar para mim com um sorriso atrevido. 
                 Como explicar isso o mais claro possível?
                 Eu tive a péssima ideia de ir a um churrasco da nossa sala, após o Diego me contar aquela maldita história de novo para conseguir o que ele queria como sempre faz. 
                 Até aí já foi um erro. 
                 Não satisfeito em ferrar comigo mesmo, bebi demais, porque havia tido uma discussão em casa. Como o meu refúgio estava comprometido pela presença dos autores da minha raiva, decidi procurar outro que tem o pior gosto do mundo. Só de lembrar do gosto da vodca meu estômago embrulha. 
                 Até agora são dois. 
                 Nathalia chegara em mim, e primeiramente, acho isso um máximo. Pois ao contrário do Diego minha confiança para qualquer fim amoro (e sexual) é zero. Ela estava maravilhosa com um biquíni verde que contrastava em sua pele e não demorou muito para que me beijasse. Depois daí só me deixei levar e acabamos transando no quarto de hóspedes do Marcos, o anfitrião do fatídico churrasco. 
                Três erros. 
                Eu não vou dizer que a culpa foi da bebida, porque não foi. E também não vou dizer que eu ou ela fizemos algo errado, porque não fizemos. Pessoas bebem o que querem e quando querem. Pessoas transam com quem querem e quando querem. 
                O problema foi o que veio em seguida. 
                A Nathalia queria mais, e não só no sentido sexual. Ela queria que saíssemos toda semana, queria andar de mãos dadas, ou seja, queria uma coisa que eu não podia oferecer. 
                Assim que percebi, a chamei para conversar e expliquei que não buscava compromisso. Ela me perguntou o por quê, e sinceramente, não senti que lhe devia explicação... É pessoal demais. Só me reduzi a falar que o problema não era ela, e nem eu... Que eu não queria algo sério e que era um direito meu. 
               Direto demais? Não achei. Só sei que após uma oferta fracassada feita por ela em tentar manter as coisas casuais, percebi que ela achava que poderia me mudar. Então fiz o que achei certo... Expliquei mais uma vez que não buscava compromisso e que também achava melhor nós sermos colegas (amigos é uma palavra muito forte para ser usada assim). 
              Isso esclareceu as coisas para ela? Pelo visto não, porque ainda continua tentando me chamar para sair e eu só torço que me esqueça o mais rápido possível. Sai com Diego droga! Penso enquanto olho pro meu amigo praticamente babando nela. 
              - Que coincidência Nath, o Ti - Esse crápula nunca me chama assim, lá vem merda. - estava justamente falando que estava muito afim de ir nesse bota fora. - Não, ele não fez isso! 
              O professor entra imponente na sala, fazendo todos correrem para seus lugares, e antes que eu pudesse negar qualquer coisa: 
              - A gente se vê lá então. - Se despede Nathalia dando uma piscadinha para mim, enquanto segue para seu lugar. 
              Olho para trás furioso, e Diego só dá de ombros. No intervalo o mato! 
                                                              
                                                                               - 
              - Esse professor se acha o máximo não é não? - Comenta Diego enquanto caminhamos em direção ao refeitório. 
              - Ainda tô puto com você. - Falo realmente puto com ele, pois sabe que detesto quando me mete nessas furadas. 
              - Não fica assim amor da minha vida. Eu preciso de você como isca, quero muito a Nath. - Diz descaradamente. Eu disse, não pode ver um rabo de saia. 
              - E posso saber onde eu entro nessa história? - Pergunto irritado. 
              - Muito simples jovem padawan. Você me acompanha nessa festa maravilhosa de libertinagem, fica o suficiente para a Nath se aproximar, depois vaza para não cair em tentação de novo - vai sonhando, penso - e deixa tudo com o papaizão aqui. - Termina como se acreditasse que isso realmente vai dar certo.
              - Primeiro... Nunca mais se intitule o 'papaizão' isso foi mais perturbador do que a cena de você e Gabi na minha cama.- ele revira os olhos - Segundo, você realmente acha que isso vai dar certo? Sério mesmo? Eu sei que você é preguiçoso e tudo o mais, mas não pode ser tão burro assim. 
              Ele abre a boca e já o conhecendo, o corto:
              - E não adianta contar aquela história idiota pela milionésima vez, - talvez seja um número real - porque eu não vou! 
              Enquanto sentamos em uma mesa afastada. Diego se cala por alguns minutos, coisa que já é inédita por si só. Até que finalmente diz:
              - Eu levo você e o outro amor da minha vida para tomar sorvete no domingo. - Diz com um ar de vitória. E agora eu simplesmente o odeio com todas as minhas forças.
              Miguel não tem afeição por muitas pessoas, mas se anima (na medida do possível) com o Diego. E esse libertino, por mais pirado que seja na maior parte do tempo, vira um amor de pessoa com meu maninho, chega até ser fofo de ver. 
              - Você é uma criatura desprezível sabia?
              - Sim, estou ciente disso 100% do meu precioso tempo. 
              - Você vai comprar tudo o que ele quiser viu? Nós também vamos ao Garten! - Sorrio satisfeito, tentando me vingar como posso. 
              Ele pensa mais um pouco e sorri antes de me responder:
              - Fechado! Mas eu iria levá-lo de qualquer jeito. Estou com saudade do outro amor da minha vida. - Filho da mãe! Penso, enquanto nos levantamos para ir a próxima aula. 


                                                                                    - 


              Enquanto dirijo de volta para casa, penso em Miguel. Mesmo com a certeza de que vou me estressar nessa festa ridícula, ainda assim vale a pena, pois sei que em seu íntimo vai se divertir com o idiota do Diego. Mesmo a Beatriz tendo lidado com ele de uma forma surpreendente boa, sei que para ele deve estar sendo difícil. Para ele é só mais uma pessoa que logo vai abandoná-lo. 
              Relembro da Beatriz tagarelando nervosamente sobre como fingiu comer uma flor para fazer o Miguel voltar para casa. Me pego sorriso que nem um bobo. Ela ficava gesticulando e enrugando aquele narizinho perfeito. Eu fiquei tão chocado por toda aquela informação sendo dita daquela forma, mas também satisfeito, pois pude gravar cada detalhe do seu rosto delicado. 
              Seus cabelos volumosos estavam soltos e caíam um pouco abaixo do ombro. Sua franja charmosa está quase chegando na altura de seus olhos. E estes últimos, grandes e azuis abriam ainda mais conforme enfatizava algo da sua narrativa. Seus lábios rosados, contrastados pela pele branca, não paravam de se mexer. E eu só tento imaginar se são tão macios quanto parecem. 
              Me pego passando o indicador pelos meus próprios lábios e sinto um calor subindo dentro de mim, me torturando ainda mais ao lembrar da visão da sua bunda gostosa quando virou para sentar a mesa. 
              Chega Tiago, pelo amor de deus! A menina é babá do seu irmão. Me censuro enquanto coloco The Killers para tocar e abafar meus pensamentos sacanas. 
 
             "... But I got the tendency to slip when the nights get wild
              It's in my blood..."
              
             Fico tenso sempre que ouço essas linhas de Runaways, são duas linhas que definem uma parte de mim tão bem. 
              Mesmo se eu quisesse algo, não daria em nada, essa é a maldição que está no meu sangue. 






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