O amor abençoado pelo Nilo

O presente do vovô

Não muito longe dali, a festa de casamento continuava normalmente. A música alta tocava e as risadas ecoavam pelo casarão do vinhedo. Nenhum dos convidados sabia da cena que se desenrolava na frente do banheiro, e Set queria deixar as coisas assim.

Ignorando parcialmente a tensão que havia surgido no casal, Set revirou os olhos diante da reação que ele julgava exagerada e bufou segundos antes de se jogar na poltrona mais afastada do casal. Ele parecia de fato relaxado e se mostrava assim a cada gesto, talvez querendo passar essa mesma sensação para eles. Por alguns segundos, nenhum dos três nada disse nem nada fez enquanto Set olhou para os dois de cima a baixo.

- Você está mesmo enorme, garota. - disse Set indicando a barriga enquanto fazia uma taça de vinho aparecer magicamente em sua própria mão.

- Óbvio. Não falta muito para ela nascer. - respondeu Sadie.

- Ouvi falar que o nome vai ser Aya? - perguntou Set dando um pequeno gole no vinho.

- Sim... - respondeu Sadie lentamente trocando um olhar cauteloso de preocupação com Anúbis.

- Relaxem, relaxem. - disse Set cruzando os braços com uma expressão séria que não combinava com sua fala - Vim apenas conversar. Quantas vezes desde que ficou grávida eu apareci para outra coisa que não fosse conversar?

- Nenhuma.... - disse Sadie suspirando mas admitindo a contra gosto que fora nenhuma vez mesmo - mas, primeiro, vamos fingir que acreditamos na sua palavra de que só quer conversar. Por que agora, no meio de um casamento, dentre tantos outros momentos?

- Porque, garota, aqui vocês estão claramente bem protegidos. Mas também porque eu não consigo entrar naquela barreira que vocês ergueram ao redor do nomo. - disse Set - Desde que descobriu a gravidez, nunca antes ficou tão rodeada de deuses e semideuses e magos. Ou seja, vocês estão numa situação de vantagem contra mim, para deixar vocês mais tranquilos com a minha presença. Mas também, mais tranquilos com a baixa probabilidade de Ahriman tramar algo. Acho que ele já aprendeu a lição com o fiasco do dia do casamento de vocês. E também, tenho uma encomenda de Thoth.

- E porquê ele não trouxe ele mesmo? - Questionou Anúbis enquanto Set fazia aparecer magicamente em sua mão um rolo de papiro.

- Poucos, além de mim, estão muito dispostos a testar o mal humor de Hórus e vir até aqui ajudar vocês. - explicou Set - Osíris com certeza viria, se pudesse sair do Salão do Julgamento para começo de conversa.

Anubis pegou o papiro das mãos de Set e rapidamente correu os olhos pelos vários hieróglifos escritos ali. Anúbis reconheceu o texto como aparentemente sendo um feitiço e, apesar das menções à sangue, não parecia ser nada malicioso. Todavia, ele ainda não acreditava tanto assim nas palavras de Set. Preferia testar e analisar o texto minuciosamente antes de decidir de vez o que fazer com ele.

- Feito pelo próprio Thoth. - disse Set imaginando as suspeitas que se passavam na mente do filho - Ele disse pra juntar isso com as pesquisas de vocês. Deve fazer uma proteção boa o suficiente embora não tão boa quanto a de Imhotep.A maioria dos monstros e deuses mais fracos não conseguiria sentir a presença da filha de vocês, mas algum deus mais forte como Ahriman, esse com certeza conseguiria.

- Ao menos não tivemos nenhum problema grande com ele recentemente... - disse Sadie - Bastet tem me acompanhado pra todo lugar e...

A fala de Sadie foi interrompida quando, com um mero gesto de mão, Set fez surgir no chão uma cobra que parecia a um mero fio de morrer. Enorme e com olhos esverdeados, Anúbis e Sadie reconheceram na hora aquela cobra como não sendo uma cobra qualquer, era o deus árabe pré-islâmico Wadd, um dos deuses que invadiram o casamento de Sadie e Anúbis tantos meses antes. Wadd estava muito machucado e mal conseguia fazer qualquer movimento que não fosse mexer os olhos com clara fraqueza.