Capítulo Um

924 43 84
                                    

Melissa Fleck

Aquele não era exatamente o tipo de dia no qual Melissa Fleck estava habituada - gelado, chuvoso, barulhento e bastante movimentado. Com um pouco mais de seis meses morando em Boston, ela podia dizer que não gostava de dias como aqueles. E era impressionante que seu cérebro ainda estava assimilando toda a mudança que havia acontecido mesmo depois de tanto tempo. Tudo ainda parecia tão surreal, desde o dia em que recebera a sua carta de aceitação até a expectativa de ser uma brasileira em Boston ao mesmo tempo em que teria que enfrentar as grandes responsabilidades de estudar na universidade mais privilegiada do mundo todo. Entretanto, ela havia dado duro para aquilo tudo acontecer, e isso sem contar todos os dias em que havia ficado semanas sem dormir direito para estudar e todas as aulas avançadas que tantas vezes a deixava sobrecarregada.

Melissa amaldiçoou intimamente quando um ônibus passou roncando, e seguindo de um caminhão que freou de maneira estridente, tornando difícil para raciocinar no momento que passou pelos portões da universidade para as ruas movimentadas. Por Deus, era quase dez horas da noite de uma segunda-feira. Inferno, aquela cidade não dormia não?

Ela suspirou quando sua barriga roncou, lembrando-a que não havia digerido nada além de uma barra de cereal nas últimas seis horas em que havia estado na biblioteca, estudando. Maria surtaria se soubesse que ela não estava se alimentando de maneira correta. A senhora de sessenta anos que trabalhava na casa de seus pais e que havia trocado a maioria - ou todas - as fraldas de Melissa quando pequena, havia a feito jurar - de pés juntos e tudo mais - que ela cuidaria de sua alimentação diariamente. E ela também havia feito Melissa jurar que ligaria todos os dias. Bem, nenhuma das promessas haviam sido concretizadas até o momento.

Entretanto, Melissa tinha um ponto importante, afinal, era impossível comer uma comida de verdade quando você mal tinha um tempo livre e não sabia fritar nem um ovo direito. Pelo menos, Maria sempre acreditava nela quando colocava a culpa na faculdade e nas tantas vezes que mal conseguia se lembrar de comer algo quando tinha mais de dez livros para estudar e dezenas de trabalhos para concluir. E Melissa nunca mentia. Afinal, quando se estudava em Harvard, os tempos livres nunca eram verdadeiramente livres. Ela usava seus sábados e domingos para estudar ou adiantar alguns trabalhos, além de sempre tentar conseguir uma hora rara de seu dia para aproveitar um tempo com Amber e quando conseguia algumas - poucas - horas livres, ela deixava Jack a fotografar também. Apesar de que, muitas das vezes, ela conseguia um bom dinheiro com aquelas fotografias.

Melissa suspirou, estressantemente cansada. Tudo o que desejava no momento era poder ir para a casa, tomar um longo banho, comer algo rápido e cair na cama. Não pensar sobre os dois períodos de um trabalho tedioso que teria que apresentar no dia seguinte e a exposição de Jack em uma galeria famosa a noite.

Mentalmente, ela calculou o quanto de tempo levaria para chegar ao seu apartamento se seguisse por outro caminho, mais curto e menos movimentado. Provavelmente não levaria mais do que dez minutos. Ignorou a voz de seu pai sobre não andar em ruas desconhecidas a noite e talhou por um beco estreito e pouco iluminado. Não era todos os dias em que precisava andar tão tarde pelas ruas de Boston sozinha. Normalmente, Amber estava sempre na sua cola ou também ela não precisaria desfilar pela rua àquela hora da noite. E aquele beco nunca pareceu tão escuro e assustador quanto parecia naquele momento.

Ela suspirou, repetindo diversas vezes "não há nada a temer" em sua mente. E quando a mesma frase passou uma quarta vez em seus pensamentos foi quando ela viu algo jogado ao lado de uma caçamba de lixo. Algo que parecia uma pessoa. Normalmente ela ignoraria por deduzir ser um drogado ou um mendigo. Entretanto, em sua vasta experiência por aquele beco, algo em seu instinto gritou que não era nem um e nem outro.

StormeOnde histórias criam vida. Descubra agora