TESS MORAES

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TRÊS ANOS ANTES


- Acha mesmo que esta entrevista vai dar certo Christie? – Nós duas caminhávamos  do ponto do ônibus até a agência que seleciona mão de obra para trabalhar fora do país.

- Tem que dar certo. Nós nos preparamos para trabalhar aqui, mas o mercado está ruim. Temos que tentar de tudo. Acho uma maravilha conseguir ir para os Estados Unidos. Faço qualquer serviço, lavo banheiro, faço concreto, sirvo mesas. - Christie continua sendo a minha melhor amiga e também a pessoa mais otimista do planeta.

Depois que acabamos o segundo grau, eu consegui a metade de uma bolsa para o curso de produção de modas enquanto Christie teve que começar a trabalhar para ajudar nas finanças da casa. Seu pai abandonara sua mãe com duas crianças pequenas. Teve uma fase difícil nos dois últimos anos, mas ela não desistiu de alcançar o seu maior sonho. Estávamos indo em busca do sonho dela, tentar arrumar trabalho nos Estados Unidos, legalmente. Nunca que eu iria clandestinamente, vivendo escondido nos cantos com medo de ser deportada. Na verdade, eu caí de paraquedas ali. Não estava conseguindo trabalho na área de moda e precisava arrumar um emprego. Tinha tudo o que era exigido na agência: inglês intermediário, idade, estudo e uma reserva de dinheiro para pagar a passagem de ida.

A sorte foi lançada e entramos na agência de intercâmbios cheias de esperança. Cada uma foi enviada para um entrevistador diferente. Depois de uma hora nos encontramos na recepção. Perguntei baixinho:

- E aí, conseguiu algo?

- Hum... Hum... – Chris balançou a cabeça em sinal positivo, mas não falou nada e eu achei que não tinha sido legal para ela. Decidi esperar para ver o que tinha acontecido. Nos entregaram uma lista de documentos para serem providenciados e somente quando estávamos a uma distância segura da agência ela gritou com toda a força do pulmão.

- CONSEGUI UM EMPREGO EM NOVA IORQUE!! Nem acredito, NEW YORK CITY. Finalmente eu vou conhecer os Estados Unidos. Diga hello darling para a mais nova contratada.

- Parabéns Christie. Conta mais detalhes, assim você está me deixando agoniada.

- Conto tudo depois que você me contar como foi a sua entrevista. – Ela me olhou com expectativa e eu resolvi contar o que tinha acontecido comigo.

- É minha amiga, acho que você não vai conseguir se livrar de mim tão cedo. Também consegui uma vaga para trabalhar em Nova Iorque. – Christie ficou louca com a notícia e começou a rodar comigo no meio da rua. Parecíamos duas crianças que acabara de ganhar todos os doces do bar da esquina. Não iriamos nos separar. Viveríamos o sonho dela juntas. Chris logo começou a contar.

- Eu consegui uma vaga em um magazine famoso, nem sei muito bem o que vou fazer, mas nem me importei deste que esteja nos Estados Unidos. E você Tess?

- Não tive tanta sorte assim. Consegui uma vaga de babá. Não sei se tenho muito jeito com crianças Chris. Nunca tive muita paciência com meus primos. Queria enfiar a cabeça deles na privada todas as vezes que iam em casa. – Estava um pouco apreensiva com esse emprego. Apesar de acharem que tenho o perfil de babá, sei que será um pouco difícil. Só que eu não iria estragar o sonho dela. Se não der certo volto para casa.

Começamos a caminhar de volta para casa conversando sobre as coisas que faríamos juntas na terra do Tio Sam. Chegamos em casa toda eufóricas e nossos pais, que eram amigos, se reuniram para conversar sobre as mudanças. Também foram até a agência para saber mais detalhes sobre o contrato. Depois de tudo esclarecido, começamos a nos preparar para a viagem. Com toda a papelada pronta, marcaram nossa viagem em três dias.

Estava arrumando a minha mala, pegando somente as coisas necessárias para a viagem, quando vi o envelope azul enorme no fundo da gaveta de calcinhas. Não resisti, peguei-o e sentei na cama abrindo. Lá estava o autógrafo tão desejado de Brian Wash, agora um dos modelos mais famosos do mundo junto com algumas, ou seriam muitas, fotos dele que recortava de revistas ou imprimia de algum site. Durante todos esses anos não consegui deixar de acompanhar sua trajetória. Foram contratos atrás de contratos elevando-o ao altíssimo ranking da moda.

E a cada ano ele conseguia ficar ainda mais bonito e parecia mais gostoso.

Quando eu pensava nele, ainda conseguia sentir o gosto da sua boca na minha. Conheci alguns rapazes, até perdi minha virgindade com um deles, mas aquela sensação de pertencimento acontecera apenas uma vez, quando Brian me beijou. Talvez eu não consiga me ligar a ninguém porque não consigo me desvencilhar desse sentimento e fico alimentando-o a todo momento quando acompanho a vida de Brian.

- Quero uma vida nova também na área sentimental. Tessália Moraes, você precisa deixar esses sentimentos aqui no Brasil. Precisa dar espaço para novas oportunidades. Precisa abrir seu coração. – Caminhei até o espelho e me olhei. Tinha um belo corpo, todo cheio de curvas que se completavam lindamente com os traços suaves do rosto. Os olhos amendoados continuavam tão expressivos como na adolescência, só que agora tinham mais segurança. Também ganhei mais coragem de correr atrás das coisas que desejo. Olhando no espelho falei comigo mesma.

- Prometo ser mais aberta, menos exigente e deixar que as pessoas cheguem mais perto do meu coração. Brian Wash ficará esquecido aqui no Brasil. Quero outras possibilidades para minha vida. Quero ser feliz e fazer alguém feliz. Cansei de amar à distância. – Mesmo depois dessa promessa toda feita para mim, mesmo assim, coloquei o envelope azul na mala.         

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