36

19 5 61
                                    

Alberto

Estou olhando para a porta da casa simples e sem saber como devo me aproximar. Como devo me apresentar. Estou tão nervoso. É o encontro com o meu passado. Essa senhora é a única família que me resta no mundo e não quero que devido a uma emoção forte ela me deixe. Como vou dizer a ela quem eu sou? O Lúcio lhe disse que ela tinha um neto. Mesmo assim é novidade para nós dois.
Respirei fundo e caminhei em direção à casa por àquela estradinha feita de terra sem asfalto. A casa era muito humilde. Via-se rachaduras na estrutura e seu jardim se resumia a plantas e flores plantadas em embalagens reaproveitadas.
Havia um varal na lateral da casa com uns lençóis estampados com flores estendidos. O cheiro de limpeza subia pelo ar. Tinha um cheiro de lavanda que se tornava mais forte cada vez que eu me aproximava mais da casa.
Depois de passar a cerca temi que não houvesse um cachorro ou algo assim me esperando nada amistoso. Mas felizmente, nada surgiu no quintal. Não tive que andar muito até alcansar a porta. Respirei profundamente e soltei de uma vez. Então ela apareceu vindo da lateral, me olhando com estranheza. Usava um vestido de flores pequenos surrado. Era magra e aparentava ser mais nova do que eu imaginava. Seu cabelo estava preso por um coque. Eu virei para ela e lhe dei um sorriso amigável, por outro lado, ela me olhou de cima a baixo e falou com voz áspera.
- Que é que moço quer? - Sua voz já tinha a marca da idade. Eu tinha lágrimas nos olhos, e não sabia se conseguiria falar. Meu coração dentro de mim palpitou loucamente. Respirei fundo mais uma vez. - Tá passando mal menino? Tu me faz lembrar alguém... - Ela parecia tentar lembrar quem seria. - Ah! já sei! Aquele senhor engomado que veio aqui outro dia. - Não me agradou saber que me pareço com o Lúcio. Desviei os olhos. - Ele te mandou aqui, não foi? Pois eu tava esperando outra pessoa. Ele te mandou tomar a casa? - Seus olhos se encheram de lágrimas e ela parecia querer se desesperar. Eu me obriguei a falar para acalmar seu coração.
- Calma. Não vim para nada disso. Não se apavore.
- Mas pelo quê mais seria? Por que fui confiar nele? Tu sabes o que ele me disse? Que ia mandar meu neto vir me ver. Mas tu és parecido com ele. - O Lúcio não contou que o filho que a Gertrudes teve era dele? Mas por quê? Pensei chateado. Serei eu a pessoa que terei que explicar tudo? Nem sei se será uma boa idéia contar tudo. Ela pode não aguentar. Olhei para ela e falei com um sorriso, afim de acalmar o seu espírito.
- Mas eu não vim tomar a sua casa. Eu me chamo Alberto. Bom... Eu quero muito falar com a senhora tranquilamente. Podemos entrar?
- Desculpe mas não coloco estranho dentro de casa. Então diga logo o que quer e vá embora.
Eu engoli saliva. Ela tinha uma personalidade e tanto.
- Eu temo que seja uma grande surpresa para a senhora, mas direi mesmo assim
- Ande. Fale de uma vez.
- Eu sou filho da sua filha Gertrudes com àquele senhor. Ou seja, sou seu neto. O qual a senhora estava esperando.
Ela me olhou espantada. De cima a baixo novamente. Deu um pequeno riso.
- Àquele senhor disse que foi o patrão dela, meu jovem... E pelo que eu saiba ela foi trabalhar numa casa de família, não para um homem solteiro. - ela se virou e caminhou uns passos. Mas depois pareceu entender os fatos e se virou com desgosto na face. - Espera um momento... Minha menina foi amante de homem casado?
Eu abaixei a cabeça. O Lúcio não explicou nada mesmo. Eu me senti muito desconfortável. Ouvindo daquela maneira, minha concepção pareceu ainda pior do que já era.
- Qual o pretexto ele usou para vir até aqui?
- Veio me perguntar se eu era mesmo a mãe da minha menina. Eu nem sabia que ela tinha morrido moço. Eu imaginei que algo muito ruim tinha acontecido porque ela não falou mais, e parou de me enviar a ajuda de sempre.
- Ela morreu no parto. Eu não tive a oportunidade de conhecer minha mãe. - Ela me olhou com pesar. Sua tristeza era aparente.
- Alberto, é seu nome não é? - Ela se aproximou de mim devagar.
- Sim.
- Por que veio somente agora?
- Eu não sabia quem eram os meus pais. Vivi por anos fora do país e somente agora tomei ciência de quem eram. Então o Lúcio me disse onde era a sua casa. Estava ansioso para vê-la. - Não pude conter uma lágrima que me fugiu dos olhos. Mas as saquei rápido.
- Olhando bem, tu tens os traços de minha menina. - Ela se aproximou e passou a mão no meu rosto, fez certo esforço para isso, pois era muito mais baixa do que eu. - Que rapagão bonito é meu neto. Não se demore. Me dê aqui um abraço. - ela me deu o primeiro sorriso amigável. Parece que finalmente acreditou em mim. A envolvi devagar em abraço caloroso, mas ela me abraçou com sua pequena força e pelo primeira vez tive a sensação de paz completa. Como àqueles braços me faziam feliz e me davam um aconchego que eu não tive por tantos anos. Não me contive e chorei. Chorei muito. Ela não me soltou. Tentava me acalentar e derrama também suas lágrimas.
- Tu és um pedacinho da minha filha, que não vai voltar mais. E eu sou tua avó, e avó é mãe duas vezes.
Eu não conseguia falar. Eu apenas chorava. Me afastei um pouco dela e fiquei observando seu rosto por entre as lágrimas.
- Vamos entrar, venha. Não é certo ficar chorando assim na rua. Vou lhe servir chá e bolo. Não repare não que a casa é humilde.

***********************************
Lúcio

Eu acordei tendo uma sensação estranha de estar sendo observado. Ergui a cabeça e olhei para o relógio de cabeceira. Eram 10 horas da manhã. Eu não entendi porque dormi tanto. Me ergui e olhei para o lado. Linda me olhava de braços e pernas cruzadas. Seu face estava fechada e pouco amigável.
- O que foi Linda? - Como ela estava estranha, eu me levantei e fiquei em alerta. Não sei porque, mas aquele comportamento dela estava me deixando assustado.
- Estava esperando você acordar. - Ela se levantou. Estava muito elegante, como sempre. Pegou o jornal e jogou para mim. - Eu espero que esteja satisfeito. Meu advogado vai entrar em contato com você. Estou indo para a França com o Leonardo. E se prepare para ser um homem arruinado, pois eu vou fazer o impossível para arrancar até o último centavo de você.
Eu li a notícia na primeira página. Eu estava lá. O Alberto também. Por sorte, não havia toda a história ali. Apenas falavam que ele era o fruto de um adultério e que eu o estava reconhecendo. Alguém deve ter vazado isso.
- Linda, tudo isso será esquecido em breve. Por que não podemos passar por cima disso tudo. Se quiser ir embora para outro país eu vou com você.
- Eu te suportei por todos esses anos por causa do status. Para fazer boa figura para a alta sociedade. Mas agora está tudo acabado. Você me expôs ao ridículo. Aquela empregada valeu a pena?
- Não.
- E eu sei que não foi o único caso que você teve.
- Você está enganada. Ela foi sim a única mulher com quem me envolvi.
- Não acredito em você! - Ela gritou e lágrimas nasceram em seus olhos. Se endireitou e falou altiva.
- Linda, não vamos nos divorciar. Eu amo você e a nossa família.
- Eu odeio você. Só de olhar para a cara desse bastardo no jornal, eu fico com vontade de acabar com você. Destruir sua vida.
- Linda...
- Cala a boca! Estou viajando hoje. E o Léo vai comigo. Espero não vê-lo nunca mais.
- Linda... - Eu caminhei até ela e tentei tocar seu braço.
- Tenho nojo de você.
Ela saiu batendo a porta atrás de si. Eu sentei na cama atônito. Aterrorizado por saber que destruí minha família. E que não havia mais jeito. Mesmo que eu já esperasse por isso.

**********************************
- Gostou meu filho? - Minha avó perguntou risonha. Enquanto comia, conversamos sobre tudo o que passou. Eu contei tudo a ela. Não com ricos detalhes, mas contei o principal. Como tudo aconteceu. E o que eu fiz também. Até agora ela não fez um único comentário sobre nada. Apenas me ouviu atenta. Quando viu que terminei de comer a fatia de bolo que me ofereceu, ela perguntou com um meio sorriso.
- Estava muito bom. Obrigado. - Eu fiquei olhando para ela. Ela não demorou a falar dessa vez.
- Eu estou muito triste em saber pelo que minha filha passou. E mais ainda por saber que ela não seguiu o que ensinei a ela. Mas as pessoas erram né meu filho? Pior é que ela pagou com a vida.
Eu apenas abaixei a cabeça. Não sabia o que dizer.
- E você também pagou pelo erro dos teus pais. Menino, o que você fez não foi certo. Mas o que fizeram a você e a sua mãe não se faz nem com um animal. Contudo meu filho - ela pegou na minha mão que estava sobre a mesa e falou carinhosamente. - Não guarde mais rancor nesse coração. Que você seja motivo de orgulho sempre.
- Eu não sou essa pessoa má. Eu me deixei levar.
- Com certeza você é um bom homem. Ficou meio atordoado com tudo que descobriu e fez besteira. Mas se arrependeu, não é?
- Muito. Muito mesmo.
- Então é o que vale. E agora você tem sua avó para te colocar na linha. - Ela falou fingindo seriedade. Eu sorri emocionado.
- Como senti falta da senhora. De ter uma família.
- Pois agora você me tem... Ou meu nome não é Maria do Carmo.
- Estou muito feliz. Quero lhe perguntar uma coisa...
- Pois diga.
- São algumas coisas na verdade. A primeira é se a senhora viria viver comigo?
- Se você quiser, eu vou querer muito. Vivo muito sozinha aqui meu filho.
- Claro que quero. Mas eu estou de mudança para outro país. Eu estou de compromisso com uma moça e estamos mudando para a França. Ela vai trabalhar lá.
- Sei... Mas não quero atrapalhar sua vida viu meu filho. Vai casar e me levar na mala. - Ela pegou os pratos e levou para a pia.
- Ainda não estamos nos casando oficialmente. Vamos viver juntos em Paris... - Ela parou o que estava fazendo e se virou para mim com a cara fechada.
- Pois não é certo isso. Se ela é mocinha direita e você tem boas intenções com essa moça, faça as coisas como homem de bem faria. Se case como se deve.
Eu olhei para ela sem saber o que dizer. Seus princípios eram bem conservadores. Mas no fundo eu acreditava neles também. Mas eu estava tão entusiasmado de viver com a Kate logo.
- A senhora está certa. Então a senhora vem viver comigo? Estou entusiasmado em passar esse tempo com a senhora. Uma casa aconchegante e tranquila.
- Eu também estou muito interessada em saber mais de você e da sua vida, meu filho.
- E vou seguir o seu conselho. Viveremos próximos a Kate, mas não viveremos juntos por enquanto.
Ela sorriu parecendo estar orgulhosa de mim.
- Como é o nome dela?
- Katarina Villa Verde.
- Mas esse não é o sobrenome dos seus pais aditivos.
- Sim... É... Bem... É uma longa história.
- Não tenho pressa. Pode contar...

Fragilidade ( EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora