34

26 6 46
                                    


O Beto estava abrindo a porta do carro para eu descer, quando notamos a presença de duas pessoas se aproximando. Era o Leo e o Lucio. O Leo me olhou com tanta preocupação que fiquei penalizada por ele.
- Loirinha... o que aconteceu? Eu pensei até que você não viria.
- Não deixaria de vir. Só se não pudesse mesmo.
O Leo olhou para o Beto. Pelos seus modos, percebi que ele já sabia do parentesco entre eles. Temi mais confusão. O Beto estava sério demais. Parecia que mal conseguia se mexer ali.
- Opa cara. Bom dia. - O Beto olhou para ele e deu um breve sorriso. Eu sabia que ele estava abalado. Ele sempre ficava.
- Oi. Bom dia.
- Katarina, eu iria vê-la mais tarde. Inclusive eu estava cuidando do seu contrato... por isso vim com o Leonardo.
- Ela está sob os meus cuidados. Mas agradecemos.
- Ambos se olharam. Lucio e Beto pareciam dizer tantas coisas mesmo em silêncio.
- Mas eu ainda não assinei nada. Vamos loirinha, vamos entrar. Antes que eles mudem de idéia.
- Antes que entre, Leonardo. Quero acordar com vocês três que me acompanhem até meu escritório depois. Vou chamar o Marco também.
- Não sei se devo. Parece uma reunião familiar. - O Beto falou cortante.
- Alberto. Você já sabe que sou o seu pai...
- Lucio, eu posso ter seus traços genéticos... ser seu filho, já é outra coisa.
- Então... Alberto, sei que você está fula da vida com nossa família, mas não custa ouvir... - O Leo falou tentando amenizar as coisas. - Eu tava puto contigo por causa da loirinha. Mas eu fiquei sabendo que você é um cara legal.
O Beto olhou com desconfiança para o Lucio e para o Leo. Eu olhei para os três e me senti pequena. Agora se notava a semelhança entre eles. Demais até.
- Podemos conversar? - O Lucio insistiu.
- Sim. Mas vamos fazer o que temos que fazer aqui. A kate está ansiosa. - O Beto olhou para mim e sorriu. Pelo menos ele pareceu menos tenso
- Mas se vocês não quiserem que eu participe...
- Você deve participar. Vou falar sobre o seu futuro também.
Eu o olhei sem entender. Mas desistir de perguntar.
- Vamos entrar. Vamos deixar as dúvidas para depois. - Falei pegando no braço do Beto.

Linda entrou no quarto onde minha mãe estava e lhe observou em silêncio. Minha assistia tv. Parecia tranquila. Mas estava sem maquiagem ou roupas luxuosas. Usava a roupa do hospital.
- Se sente melhor? - Linda perguntou por fim.
- Não sei como me sinto. Tudo mudou tão de repente.
- Eu imagino. A Kate já recebeu alta.
- É mesmo? - minha mãe abaixou os olhos. - Ela não veio me ver.
- O que tinha na cabeça, Sara? Matar você mesma aquele bastardo só destruiria você. Podia ter falado comigo. Podíamos ter feito de outro jeito.
- Como assim?
- Eu também quero me livrar dele. Ele está destruindo a minha família. E nossos filhos ficariam juntos se ele não existisse.
- Do que está falando? Quer matar o Alberto?
- Sim. Aquele desgraçado só nos fez mal. Podemos contratar alguém que faça o trabalho sujo.
- Não! Acabou linda! Eu quase matei a minha filha
- Claro. Você não planejou as coisas direito.
- Linda. É um aviso. - Minha mãe se levantou e ficou olhando com desafio para Linda. - Se tentar alguma coisa contra ele, eu a denunciarei.
- O quê?! - Linda não acreditou que havia perdido sua aliada.
- Eu não vou me juntar a você nisso. Todos nós ouvimos você naquele plano e acabamos matando a amante do teu marido. Mas não me envolva em mais nada. Me deixe em paz.
- Vai deixa sua filha com esse bastardo.
- Foi a escolha dela. Acabou Linda. Não tente nada. Estou lhe avisando.
Linda ergueu a cabeça e girou nos pés saindo sem dizer mais nada. Minha mãe começou a chorar. Estava realmente cansada.

Assim que saímos da academia, acompanhamos Lucio até o escritório. Cada um em seu carro. Eu notei que o Beto estava muito tenso. Por vezes eu o acariciava os ombros, para tentar amenizar aquela tensão que ele estava sentindo.
O escritório ficava um pouco distante. Fomos o caminho em silêncio. O dia estava nebuloso. Eu particularmente queria muito que tudo tivesse fim. Meus dias têm sido enlouquecedores. E eu preciso de paz.
Chegamos depois de uns 20 minutos. Descemos do carro em silêncio. Eu cruzei meus dedos nos seus. Queria que ele soubesse que eu estava ali por ele. Lucio ia a nossa frente conversando com o Leo. Entramos no mesmo elevador e fomos até o último andar, onde ficava a presidência. A secretária veio nos cumprimentar. Demos um sorriso tímido e acompanhamos Lucio entrando na sua sala. Assim que entramos vimos Marco. Sua face estava dura. Parecia extremamente aborrecido. Estavamos no que parecia ser uma sala de reuniões.
- Sentem-se a vontade. Vou pedir que tragam algo para nós. Temos muito o que conversar, e pode ser que demore.
- Pai, não faça disso uma convenção. Seja objetivo e nos libere. - Marco falou olhando com desagrado para o Beto. Beto olhou de volta, sem desviar o olhar.
- Preciso mesmo que seja breve. Sou um homem ocupado. - Beto falou olhando para Lucio.
- Tentarei. Mas não sei se conseguirei. - Lucio parecia nervoso. Nunca o vi tao inseguro.
- Pois se esforce. Já acho desnecessário esse tempo perdido com coisas sem importância. - Marco respondeu aborrecido.
- Ei, vamos parar. Todo mundo cala a boca e deixa o pai falar. - O Leo falou por fim.
Lucio se sentou e começou a falar depois de respirar profundamente.
- Alberto, não sei o quanto sabe do passado, mas estou disposto a responder suas duvidas. Antes deixe-me contar o que passou.
- Não tenho interesse. Vamos Katarina? - Ele se levantou, mas eu o segurei pelo braço.
- Beto, escute meu amor. Dissipe todas as dúvidas que tem. Não procrastine isso.
Ele olhou para mim. Ele parecia agoniado. Eu entendi seu sofrimento interno. Mas era melhor ele descobrir tudo de uma vez. Ele se sentou e olhou para Lucio, dando sinal para que ele continuasse.
- Eu me envolvi com sua mãe. Ela era bonita e ingênua. Eu realmente me apaixonei por ela. - Marco e Leo se mexeram na cadeira incomodados. - Eu não tinha escrúpulos. Quis conquista-la a todo custo. E consegui. Não foi uma relação de muito tempo. Logo ela descobriu que estava esperando você. Linda desconfiou e eu não pude negar o que havia acontecido. Linda queria mandar ela para longe. Mas a Sara queria adotar uma criança. Em um desabafo, minha esposa falou o que passava, então a Sara decidiu adotar você. Eu ameacei a sua mãe para que ela aceitasse dar você para Sara. Ela era tão ingênua que acreditava em tudo. O tempo passou. Já perto do parto, na casa da Sara ela conheceu uma mulher que lhe falou dos seus direitos. Ela não queria perder você. Ela nunca teve a intenção de doa-lo para adoção. Ela havia aceitado tudo porque eu e a Linda a ameaçavamos. Ela resolveu nos enfrentar. Mas não sabia que era prisioneira na casa da Sara. Digo isso, porque Sara e Linda haviam combinado que ela só sairia quando você já estivesse registrado como um Villa Verde. Ela tentou fugir algumas vezes. Eu a ameacei. Todos a coagimos. Inclusive o Fernando. Que até esse momento, apenas assistia tudo. Mas quando notou que o problema havia tomado proporções de um escândalo. Resolveu também tomar alguma posição. Chegou o dia do seu parto. Ela estava com pré-eclampsia. Sara chamou Linda naquele dia, pois a enfermeira disse que o parto não poderia ser em casa. Além de tudo você não estava na posição correta. Já era sabido disso. Mas Linda disse que era um risco leva-la ao hospital. Chamamos uma médica que fez seu parto. Achamos que nenhum de vocês sobreviveria. Foi um parto de horas. Mas você nasceu, um pouco debilitado. Mas sua mãe morreu. - Eu já chorava. Eu não conseguia ouvir aquela história e ficar imune a ela. - Eu me apeguei a você. - Todos olhamos para ele espantados. - Eu estava viajando quando você nasceu. Quando retornei, você estava internado. Fiquei acompanhando você todos os dias. Quando o conheci, naquele dia entendi o que é o afeto de um pai. Sempre que eu o via, queria que tudo tivesse sido diferente. Criei um vínculo tão forte com você que já pensava em reivindicar a paternidade. Mas a Linda ficou muito abalada. Ela engravidou no meio disso tudo. Eu tive medo de que pudesse prejudicar a saúde dela. E como você estava em boas mãos, e eu poderia vê-lo sempre que quisesse. Eu resolvi deixar como estava. Eu sempre ia vê-lo.
- Isso é mesmo verdade? - Me atrevi a perguntar. Todos olharam para mim.
- Sim, Katarina. A Sara e a Maria são as únicas testemunhas que tenho. Eu estava próximo do Alberto sempre. O Marco nasceu e eu me dividia. Sempre que ia fazer algo com um fazia para o outro. Então veio o Leonardo, as coisas se complicaram um pouco. A Linda não se conformava em eu trata-los, os três, como filhos. Ela começou a pensar que eu fazia isso por me lembrar da sua mãe. Depois de 5 anos a Sara engravidou. Então a Linda e Sara conversaram com o Fernando. A Linda o convenceu que seria melhor você ir embora, pois do jeito que as coisas estavam indo, o modo como eu te tratava seria muito suspeito e você descobriria no futuro sobre a sua história. Fernando veio conversar comigo para me informar o que faria. Então você foi mandado para o exterior. Eu não gostei das instalações. O Fernando e eu discutimos. Não sei se você consegue se lembrar, mas você mudou de colégio logo no início.
- Sim. Me lembro.
- Eu achei que aquele era melhor. Então para fazer valer a minha vontade. Eu pagava por sua educação e lhe enviava os custos para se manter lá. O Fernando resolveu deixar de mão. Vez ou outra eu pedia para ele lembrar de você a diretoria. Já que eu não poderia. Guardo todas as suas conquistas. Você me dá muito orgulho. Só quero que saiba disso.
O Beto derramava lágrimas em silêncio. Lucio virou seu notebook para o Beto mostrando as diversas fotos do Beto em crescimento.
- Certificados eu digitalizei e guardei aqui nesses arquivos.
- Então era você quem acompanhava o crescimento dele? - Eu perguntei em um fio de voz. Os outros estavam de cabeça baixa em silêncio.
- Sim. Alberto, eu estou mostrando tudo isso para você para que veja que sempre estive lhe observando, mesmo que de longe. Eu sei que isso não justifica o mal que fiz a você e a sua mãe. E eu permiti que as coisas chegassem até aqui. Mas quero consertar tudo. Só peço que me permita.
- O que quer de mim? - Alberto olhou para ele com os olhos vermelhos.
- Me permita lhe dar meu sobrenome. Se não quiser uma proximidade comigo ou com seus irmãos, eu entenderei. Mas me deixe dar o que é seu por direito. Vamos cumprir a vontade da sua mãe, mesmo que tardiamente.
- Não.
- Mesmo sabendo que sempre foi a vontade da sua mãe? - O Beto olhou para ele com fúria.
- Não me diga que agora se importa. Lucio, não sei o que deu em você, mas não me use para limpar a sua consciência.
- Não, não... você me entendeu mal. Certo que estou buscando paz de espírito, mas não acho errado querer consertar os erros que cometi...
- Pai, já viu que ele não quer. Deixa isso para lá.
- Marco, estou decidido.
- Beto, se me permite uma opinião... - Leo falou um tanto tímido. Beto se virou para olhar em seus olhos enquanto o ouvia.
- Não sei quais são os seus planos para deixar de ser um Villa Verde, pois imagino que suas intenções com a loirinha sejam as melhores. Quero acreditar nisso. - Beto positivou e fez sinal para que ele continuasse. - Meu pai pode facilmente provar que você é filho dele com um exame de DNA. Ele te assume e você deixa de ser um Villa Verde rapidão. É como ele disse Brow, se não quiser contato conosco, vamos entender. Mas aceita o que o pai tá falando. Vai ser uma mão na roda para todos. E ainda vai ficar menos feio para vocês... acabar de vez com essa ideia de que vocês são irmão. Até eu quase cai para trás.
- Léo! - Eu falei rindo sem querer.
- É verdade loirinha.
A face de todos tornou-se menos tensa .
- O que você acha Kate?
- Pense no que será menos desgastante.
- Certo. Então eu concordo.
- Opa! Agora sim. Pode ir para o próximo assunto, pai. - Léo falou tentando adiantar as coisas.
- O processo já está em andamento porque eu pedi para o Fernando fazer isso. Mas eu te assumindo. Creio que em poucos dias teremos a resolução.
- Então foi você quem pediu?
- Sim. O Fernando também queria. Foi uma decisão em conjunto. Mas eu ainda ia falar com você sobre aceitar meu sobrenome.
- Ok.
- Bem vindo a família, irmãozinho. - Marco estava sendo irônico. Me preocupei com isso.
- Podemos ir para o próximo assunto?- O Beto fingiu que não ouviu sua provocação.
- Então, é sobre as empresas do Fernando. Consegui salvar apenas duas da falência. Vendi as outras para a Lusan com autorização da Sara. Os valores estão aqui. - Ele colocou os papéis na minha frente. Os valores eram tão altos. Olhei espantada para eles. - As outras empresas eu tenho a pretensão de vincular as minhas, em uma sociedade. Eu já havia comentado com você. Eu estava conversando tudo isso com a sua mãe. Mas ela está desequilibrada. Eu não quero que amanhã digam que eu me aproveitei da fragilidade dela. Como o Alberto é o seu namorado, e um gênio dos negócios, quero que ele análise a proposta e lhe oriente se é a melhor decisão.
- E esse valor?
- Ele está disponível. Mas Katarina, sua casa gera muitas despesas. Sugiro que venda e compre algo menor para Sara. Quem sabe ela não se anima em morar na Europa. Vai fazer bem a ela.
- Vender a casa... - Eu olhei para os papéis. Infelizmente ele estava certo. Fiquei triste pelos funcionários, mas não fazia sentido manter aquela casa. - Você tem razão, Lucio.
- Quanto a você Alberto, eu não acho que meus bens te façam falta... Então quero apenas presentear você. Se me permitir.
- Espero que não esteja tentando me comprar. Como você mesmo disse, eu não preciso disso.
- Não. Eu não quero. É um presente apenas. Por favor, aceite. - Ele entregou duas escrituras.
- Dois imóveis?
- Sim. Um na França. Por motivos óbvios. E o outro fica no Pará. A casa da sua avó. Infelizmente sua mãe era filha única e vivia só com a mãe. Ela veio para cá para mandar o sustento da mãe e mudar de vida. Eu sabia de tudo porque eu usei dessa informação para atraí-la. Sua avó ainda está viva. Ela estava vendendo a propriedade para ajudar com certos apertos financeiros. Não é grande coisa. É um sítio.
- Ela sabe da minha existência?
- No dia em que fui negociar a casa, ela ficou sabendo. Expliquei que ela pode viver lá. Ela vive sossegada. Ela poderá provar que você era filho biológico da sua mãe.
- Não vejo a hora de encontrá-la. - O Beto olhava para o papel com lágrimas nos olhos.
- As escrituras estarão em seu nome o quanto antes.
- Vou cuidar bem dela. Quero conhecê-la.
- Ela também deseja isso.
O Beto pela primeira vez, sorriu. Olhou para mim extasiado. Eu sabia o quanto àquilo representava para ele.
- Quanto a vocês dois... Marco e Léo, eu espero que cada um seja feliz seguindo o seu caminho.
- Demorou em pai. Me arrancou o carro tantas vezes que perdi as contas.
- Eu só achei estranha essa sua fixação pelo ballet. Mas já que deu certo...
- Tem algum apartamento em Paris ai para mim?
- Tem... pagando tem até 300. - Marco falou aborrecido. - De jeito nenhum ele vai te dar àquela casa.
- Quanta mesquinhez. - Leo falou para o Marco.
- Silêncio. Estão falando essas coisas na frente da Katarina.
- Ela já é praticamente da família. Nem acredito que somos cunhados agora... - Leo pensou alto.
- Em pensar que tu estavas doido pela loirinha em... esse aí acabou com tuas expectativas. - Marco caiu na gargalhada.
- É um doente mesmo, cala a boca. - O Beto olhou para mim e para o Leo. Eu fiquei envergonhada.
- A moça está constrangida. Tenham respeito.
- Desculpa Kate. Eu não resisti. - Marco falou risonho. - Bom, era somente isso?
- Sim. Você fica aqui trabalhando comigo. Creio que está satisfeito com isso.
- Sim. Estou acostumado.
- Que bom que nos entendemos, por fim.

Fragilidade ( EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora