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Naquela noite o clima parecia tenso em casa sem nada ter acontecido ainda. Minha mãe passou fora todo o dia e meu pai ainda não havia chegado do trabalho. Eu desci com o Beto para me despedir. Maria também veio se despedir e perguntou se ele queria alguma coisa. Tadinha, ela ficou sem entender nada. Eu ainda estava processando tudo. Depois que ele se foi, fiquei no sofá pensando o que seria de nós. Mas no fundo eu acreditava que o meu pai daria um jeito. E se ele precisasse de ajuda, o Beto o ajudaria. Tenho certeza disso. Mas meu pai é tão orgulhoso.
- Menina, você quer jantar? Acho que seus pais vão chegar muito tarde. Ninguém ligou para avisar nada e já são 8:30.
- Eu estou sem fome, obrigada. Mas se quiser companhia para jantar.
- Está triste por que o menino foi embora?
- Ah eu vou sentir falta do Beto aqui. Ele chegou tão de repente, e se foi embora do mesmo jeito.
- Fazia alguns dias que ele falava que estava prestes a se mudar. Mas a gente sempre acha que é para depois de amanhã, não é?
- Sim. Mas ele vai continuar perto da gente, Maria. A casa do Leandro é pertinho daqui.
- Pelo menos não vai para São José do Contorno, não é? - ela riu de sua graça e eu a acompanhei.
- Sim. Mesmo assim vai fazer falta aqui. Já estava acostumada.
- Sei, imagino menina. Tem certeza que não quer nem uma fatia de bolo? - Eu olhei para ela e sorri.
- Você quer me fazer ganhar peso, só pode. Sabe que não resisto ao seu bolo.
- Então vem. Faço um chazinho pra gente também.
- Tem aquele vermelhinho que eu gosto aí?
- Morango com ortelã? Tem sim. Mas pensei que fosse querer camomila outra vez.
- Ah não. Já tomei muito. - Levantei e abracei o seu ombro. Quando íamos caminhando para a cozinha, um barulho na porta da frente chamou nossa atenção. Meu pai e minha mãe chegavam juntos. Meu pai estava com uma face carregada, séria. E minha mãe parecia muito triste. Pelo jeito tudo já tinha vindo a tona. Meu coração acelerou.
- Seu Fernando, Dona Sara querem que eu ponha a mesa? - Maria perguntou sem imaginar nada.
- Não Maria. Onde está aquele órfão miserável? - Meu pai falou arregalando os olhos e ficando vermelho de raiva.
- Fernando! A Kate não sabe de nada. Tome cuidado com as palavras.
- Ele é um Judas. Um miserável. Nos usou e nos destruiu no fim das contas. Ele que não atravesse o meu caminho.
- O Beto não é nada disso pai. - Não suportei que ele falasse assim dele.
- Ele é isso e muito mais, Katarina! Ele sabia que eu ia tirar o nosso sobrenome dele. Então buscou de todas as formas me destruir. Eu que fiz tudo por ele. Fiz caridade, lhe dei educação e o sustentei todos esses anos. Mas para ele não foi o suficiente. - Ele estava tão nervoso que temi falar qualquer coisa que fosse. Nunca havia visto ele daquela maneira.
- Filha, sei que você gosta muito daquele ingrato, mas ele nos traiu realmente. - Minha mãe estava tão abatida. Ela realmente acreditava nisso.
- O que aconteceu afinal? - Eu perguntei pois queria saber o que eles sabiam. Embora eu já soubesse de tudo.
- Ele junto com aquele amigo dele se tornaram os concorrentes do seu pai. Sendo que as outras empresas se uniram com eles. Mas seu pai se quer esperava pelo que veio.
- Eu não entendo. Como assim?
- Viu por que deve estudar para substituir seu pai? - Pela primeira vez minha mãe quem tocava naquele assunto. Meu pai se sentou na poltrona e afroxou o nó da gravata. Será que o Beto havia me dito tudo realmente?
- Eu quero saber o que houve de fato. - eu falei ficando nervosa.
- Eles compraram os outros grupos e nós fomos os únicos a ficar de fora. Nossa empresa foi perdendo o valor durante o dia a medida em que eles foram negociando com as demais. Estamos com um produto ultrapassado e além de tudo, o nosso plano de negócios foi roubado.
- Roubado?! - Meu coração gelou. O Beto disse que havia sido tudo limpo. Mas isso era jogo sujo.
- Sim. A TIT registrou hoje. Eu descobri quando fui fazer o registro. TIT foi comprada no fim do dia pela Lusan, e advinha quem é o CEO da Lusan?
- Espera pai, mas o Beto pode nem estar sabendo desse roubo.
- Não seja ingênua Katarina! - minha mãe estava quase chorando. - Eu também custei a acreditar, mas é verdade. Seu pai só tem uma saída agora.
- E o que seria?
- Vender a empresa por menos que a metade do que ela chegou a valer um dia.
Eu fiquei em choque. O Beto havia me dito que estaríamos em maus lençóis, mas aquilo era além do que ele havia me dito. Foi um jogo de xadrez que jogou meu pai na ruína.
- E os outros investimentos?
- Terei que arcar com as despesas e vencimentos. Ainda assim não será o suficiente. Terei que declarar falência.
- Os empregados... - Eu estava atônita.
- Aquele abutre dos infernos. Eu deveria ter desconfiado da sua tranquilidade. Estava há anos armando tudo isso. Um rejeitado pela própria família só poderia ser mal caráter.
- Não fala assim pai. - Eu já estava com lágrimas nos olhos. Eu confiava no Beto. Talvez os meus pais estivessem aumentando tudo devido a raiva.
- Katarina, não ouse defender aquele verme aqui.
- Mas pai, o Beto é meu...
- Filha, por favor, uma vez na vida escute o seu pai. E você tem muita sorte, porque pagamos a sua escola até o fim do ano e o Instituto Dores, caso contrário...
- Estamos...
- Falidos, pobres! Ele destruiu anos do meu trabalho. Hoje foi o golpe fatal. Aposto que saiu daqui antes de nós chegarmos.
- Sim. Foi para a casa do seu amigo.
- Isso não vai ficar assim. - Meu pai se levanta furioso em direção a porta.
- Fernando! - Minha mãe tenta segui-lo. Mas ele sai em direção ao carro e sai com ele rapidamente...
- Mãe, o que ele vai fazer?
- Eu não sei filha.
- Ele sabe onde o Leandro mora?
- Pior que sabe filha.
- Como ele sabe disso mãe? Meu Deus o Beto tá correndo perigo.
- Aquele desgraçado merece o pior! Pense no seu pai! O Beto pode ser capaz de coisa pior.
- Não fala assim mãe. O Beto é incapaz de ferir o papai.
- Eu não acredito. Era dissimulado conosco.
- Eu não acredito nisso. O Beto é bom. - eu subi as escadas rapidamente. Tinha que avisar ao Beto que meu pai estava indo para lá. Meu pai tinha posse de arma, mas eu não sabia onde ele guardava e se não andava com ela mesmo sem poder. Como era um homem muito rico, achava que podia tudo. Peguei o celular trêmula e busquei o contato dele no meu telefone. Ele demorou a atender. Quase no último toque, ele atendeu.
- Oi meu amor! - Ele parecia agitado. Sua voz tinha uma animação fora do normal.
- Beto você tá bebendo?
- O Leandro insistiu em uma comemoração. Chamou uns amigos e estamos tomando uns drinks. Mas por que ligou? Saudades minhas?
- Beto, o meu pai está indo para aí. Estou preocupada. Ele saiu muito nervoso daqui. Ele me contou coisas muito além do que você me disse.
- Contou o quê? - Sua voz mudou completamente. Ficou mais séria e grave.
- A TIT roubou o projeto do meu pai e a sua empresa comprou a TIT. Ele acha que você tramou tudo isso.
O Beto guardou silêncio do outro lado. Parecia não saber o que dizer.
- Beto, você comprou as outras empresas para cercar o meu pai?
- Não é bem assim que funciona, Kate.
- E como é que funciona?
- Kate, fazia parte do plano de negócios. Mas não é nada pessoal.
- Beto, meus pais te ajudaram a ser o que você é hoje. Será que não poderia ter poupado a empresa do papai.
- Eu sei que isso parece injusto, mas como eu lhe disse, qualquer um poderia ter feito o mesmo
- Mas para eles é uma traição.
- Céus! Eu pensei que seria assim realmente. Mas por outro lado. Eu agi com ética.
- E quem roubou o projeto do meu pai?
- Eu vou averiguar, Kate. Mas você confia em mim? Acredita que não fui eu?
- Sim. - Dentro de mim eu não tinha mais tanta certeza, mas menti. Ele não havia me dito que meu pai ficaria completamente arruinado. - Ele está indo para aí, eu não sei se ele tem uma arma. Então toma cuidado. Não quero que ninguém se machuque. Por favor, não deixa que ele se machuque também.
- Meu amor. Vai dar tudo certo. Fica tranquila. Vou conversar com seu pai. Eu saí daí hoje para não encontrar com ele nervoso. Porque essas coisas devemos conversar de cabeça fria.
- Beto acho que vou para aí. Vai ser melhor.
- Não meu amor, você não estava bem. Desculpa por tudo isso está acontecendo justamente hoje. Mas fica tranquila, eu resolvo.
- Meu pai está muito mal. Minha mãe também.
Ele suspirou do outro lado. Sua alegria pareceu desaparecer.
- Me perdoa meu amor. Eu não imaginei que a TIT...
- Se você não sabia, eu não tenho do que perdoar você.
- Vou cuidar de vocês. É meu dever. Vou conversar com o Fernando e ajudar a empresa a se reerguer. É uma promessa.
- Com quem está falando, Beto? - Escuto a voz do Leandro ao longe.
- Com a Kate.
- Ah!! Beijo bailarina. - Ele se aproxima do telefone e fala cheio de alegria.
- Outro Léo. Beto, sei que você quer que eu fique aqui, mas eu preciso ir até aí. Não vou conseguir ficar tranquila aqui.
- Venha então. Mas não precisa se apavorar. Se agasalha bastante. Vou estar te esperando.
- Tudo bem. Até já. Beijo. Amo você. -
- Também te amo. Vem. - Desliguei e me apressei em me arrumar. Coloquei um jeans básico e uma regata. Coloquei um casaco e corri até o motorista. Ele estava limpando a lateral do carro.
- Por favor, você me leva na Rua Cardoso, 331. Temos que ir rápido.
- Certo. Vamos. - Entramos rapidamente e seguimos viagem. Eu não vi mais minha mãe ao sair. O motorista era muito bom, dirigia rápido mas de maneira segura. Já a certa altura, havia um engarrafamento. Eu bufei chateada.
- Não acredito nisso! Será que é muito grande?
- Não sei senhora. Mas pelo menos estamos andando.
Estávamos a passo de lesma, mas pelo menos não estávamos parados. Depois de alguns minutos passamos pelo que parece ser o motivo do engarrafamento. Um acidente de carro com perda total. O carro estava numa situação horrível. Eu não poderia indentificar o que ele era antes daquilo, mas meu motorista olhou com mais atenção e falou com voz pesarosa.
- Dona Katarina, esse é o carro do Senhor Fernando.
- Como? - Eu fico em choque no mesmo momento. Olho com mais atenção e vejo um homem estirado na maca dos bombeiros recebendo socorro. A polícia e os bombeiros estavam lá. Eu apenas consegui ver o braço do homem. Usava um terno que estava rasgado, mas eu pude reconhecer. - Pai? - O motorista sabiamente parou o carro. Eu sai correndo em direção ao meu pai. Os policiais olham para mim sem entender muito bem. Eu quando o vejo muito machucado entro em desespero, e tento abraça-lo. O bombeiro tenta me deter, mas não consegue.
- Não! Pai, não. Por favor pai.
- Moça não pode fazer isso, ele está em estado grave. Vamos - O policial se abaixa e me afasta dele. Eu não conseguia falar com eles. Estava sufocando com as lágrimas.
- Pai! - seu rosto estava horrível, a pele cheia de ronchas. - Não pai. Me perdoa. - Eu abracei o policial desconhecido, pois não conseguia me segurar. Uma chuva fina e terrivelmente fria começou a cair. - Meu Deus do céu. Meu pai. - eu não via mais nada. Eu não ouvia mais ninguém. Apesar da nossa relação por vezes turbulenta, eu o amava. Era meu pai. O motorista veio para perto de mim e tentou falar comigo. O policial também tentava me acalmar.
- Senhora, venha. Não pode ficar aí assim.
- Não quero. Meu pai. - Eu olhei para ele e meus olhos passavam tanta agonia que ele também se emocionou.
- Venha menina. Venha. - Eu finalmente cedi e caminhei alguns passos. Um bombeiro me pegou pelo braço e me levou para junto da ambulância. Também estavam trazendo o meu pai para colocar na ambulância. Eu subi para acompanhá-lo.

Fragilidade ( EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora