Capítulo 1

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KATARINA

Eu estava sentada no sofá da sala de TV. Para falar a verdade eu não estava nem aí para o que passava na TV. Sabe quando algo te aborrece tanto ao ponto de você não conseguir se concentrar em absolutamente nada? Tudo isso se deve a minha mãe que está desde das 3:00 hrs da tarde, visto que já são 5:00 hrs, olhando freneticamente pela vidraça da porta . Nunca tive esse tratamento, tanto interesse voltado para mim, e agora ela está dirigindo tanta atenção a alguém que eu não julgava importante. Nunca me esperou assim. Aliás, ninguém da minha família tinha tanto entusiasmo ao me ver.

Então eu deduzi, ou aquilo tudo era fingimento, ou realmente quem não interessa sou eu. Meu estômago revirou, acreditei na segunda hipótese, ninguém finge por tanto tempo. Duas horas era demais para dona Sara.

Escorreguei no sofá e fiquei lá quieta, deitada. Ouvi os sapatos da minha mãe fazer o barulho dos seus pulinhos.

-Ele chegou! Vamos recebê-lo, Kate! - Sua voz se tornou ainda mais aguda devido a euforia.

-Ele não tem pernas para vir até nós?- Dobrei as pernas demonstrando que não sairia do lugar.

-Ele já está entrando mesmo. - Minha mãe falou parecendo uma garota respondendo a uma negativa.

A enorme porta da frente se abriu e minha mãe correu para receber o queridinho dela. Ela deixou a porta da sala de TV aberta, me irritou, mas não quis levantar para fechar. Onde eu estava não podiam me ver. Tudo que veriam seria meus pés. O ruim é ter que ouvir a bajulação.

-Querido que bom tê-lo conosco.

-Olá Sara. Como está? - Ouvi uma voz grave e carregada de um sotaque estranho. Deve ser por viver muito tempo fora do país. Só não entendo porque ele resolveu voltar agora.

-Bem. Melhor agora. - Eu revirei os olhos e a imitei da forma mais patética. Ri de mim mesma em seguida.

-E o Fernando?

Eu ri baixinho. Ele já queria demais.

-Virá para o jantar. Sabe que ele não sai do escritório até que se tenha encerrado o expediente - "Ou até depois dele" pensei.

-Hum... Então o verei mais a noite. Maria!- Ele falou com felicidade na voz. - Que saudade de você. - Deve ter abraçado ela, acho.

-Nós também sentimos sua falta querido - Minha mãe falou melosa. - A viagem deve ter sido cansativa, não?

-Sim, muito. Estou ansioso por uma ducha e para descansar um pouco.

-Então vamos. Vou lhe mostrar seu quarto.

-E a Katarina? Também não está? - Ele lembrou? Gelei onde estava. Era tímida com desconhecidos, e ele era isso para mim.

-Ela está sim. - Apontou com a cabeça para a sala de TV e cochichou, mas eu ouvi - está com vergonha.

-Deduzo que são os seus pés. - Ele falou com um sorriso na voz. Ele vinha em minha direção, pude ouvir seus passos. - Katarina?

-Para não ficar mais patético do que já parecia, levantei rápido. Estava de costas para ele. Respirei para inventar um sorriso e me virei.

-Oi, tudo bem? - Ele perguntou sorrindo.

É. Queridos leitores, eu fiquei paralisada com o que estava a minha frente. Era ele, o prodígio que morava em Londres por determinação dos meus pais. Vou explicar rapidamente. Ele foi adotado por meus pais quando acreditavam que não poderiam ter filhos. Diz Maria que meu pai não queria, mas minha mãe insistiu tanto que ele aceitou. Olhando para ele agora, percebe-se que não é da nossa família. Somos muito brancos, enquanto ele é moreno claro. Temos os três olhos verdes, já ele tem olhos claros, mas não chegam a ser verdes. Somos magros, medianos. Já ele tem porte atlético e é alto. O meu cabelo e dos meus pais são claros, o dele são negros e lisos. Nunca havia visto uma foto dele recente, porque eu me negava. Ele de tão longe já me irritava. Mas agora me parece um peso injusto que coloquei nele. Que culpa tinha de tudo? Depois de cinco anos que havia adotado o Alberto, minha mãe engravidou. Meu pai o enviou para a Inglaterra aos sete anos, para estudar. Ou seja, a última vez que estivemos de frente um para outro, ele tinha sete anos, e eu usava fraudas. Devo assumir que o que me paralisou foi o sorriso perfeito, os lindos olhos e a ternura que passava. Fiquei olhando para ele, muda. Meus olhos são grandes, acho que eu estava o assustando, mas não me toquei no momento.

-Não me dá um abraço?

-Sim. - falei seca e fui até ele, foi um abraço rápido, medroso.

-Está muito bonita.

-Obrigada, você também não está nada mal. - Nós rimos, mas minha mãe não gostou do comentário.

-Katarina, nem parece que recebeu educação. Faça um elogio direito.

-Endireitei-me. Sinceramente, aquela bajulação toda estava me tirando do sério.

-Desculpe, Alberto. Asseguro-lhe que recebi a melhor educação possível, mas infelizmente faltei à aula de bajulação. Mas fique a vontade. Com licença. - Sai sem esperar resposta. Mas ouvi minha mãe falar furiosa.

-Katarina! - Eu já estava nas escadas. - É um bicho do mato mesmo.

-Não se preocupe Sara. Ela só deve estar nervosa. Depois converso com ela.

-Você é um amor. Venha, vou lhe mostrar seu quarto.

-É o mesmo?

-Sim. Ainda se lembra?

-Sim. Perfeitamente. Eu vou sozinho. Fique tranquila, eu sou de casa, ou não?

-Sim claro. Vamos cuidar do jantar então Maria?

-Sim senhora, está quase tudo pronto.

-Encontro vocês depois. Vou descansar.

-Vá querido. Fique à vontade.

Alberto

Eu subi as escadas com ansiedade para sair logo da companhia da Sara. Toda aquela recepção me pareceu estranha. Todos aqueles anos na Inglaterra e ela mal me escrevia. O Fernando eu esperei que estivesse me esperando. Fez tanta questão para que eu voltasse... Sendo como fosse, me propus uma meta. Quitar os meus débitos com essa família o mais rápido possível e seguir com minha vida. Claro que não sou nenhum ingrato. Se eles quisessem me visitar ou me convidasse para datas comemorativas, coisa que nunca aconteceu depois do meu sétimo aniversário, eu viria tranquilamente. Mas é só. Também estou determinado a encontrar minha família... Acho que qualquer pessoa adotada fantasia isso. Passei em frente ao quarto da Katarina e havia uma placa ali " Não entre sem bater" . Eu ri e me perguntei, uma placa para dizer o óbvio? Lembrei de como eu pareci um estranho para uma moça por quem deveria ter um apreço familiar. Definitivamente eu não era um Villa Verde. Mas uma coisa eu me agradei nela, aliás, várias coisas me agradaram... É uma moça bonita e de personalidade. E não me pareceu preocupada em agradar... isso demonstra sinceridade. Não sou muito chegado a adulação... Fiquei chateado quando a Sara a chamou de "bicho do mato".. Ora, só porque ela estava sendo espontânea? Mas uma coisa ficou claro lá embaixo, a filha deles também tem uma relação distante com os dois... então não era apenas comigo.

Fragilidade ( EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora