Capítulo Nove

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Antes que pudesse pôr os pés fora de casa Robson me chamou.

— O quê?

— Ian disse que você anda conversando com alguém no celular até altas horas da madrugada.

— Ainda eram onze horas. — Murmuro.

Aprendi que Robson não ligava para os meus resmungos. Percebi isso com o passar das semanas que ele e minha mãe se casaram, ele ignorava meus protestos murmurados assim como eu ignorava a maior parte do que ele falava. Eu também não perguntava a ele se queria algo duas vezes, uma resposta curta e grossa já é o bastante para mim. Ian estava parado ao meu lado com a mochila nas costas e com a farda da escola.

— Você disse isso?

— Disse.

— E quem era? — A voz da minha mãe surgiu da cozinha. Ela acordou mais cedo hoje do que de costume e passou a maior parte do tempo na cozinha.

— Com a namorada? — Robson estava debochando. Claro, porque pensei que ele não iria fazer isso?

As piadinhas dele estavam desgastadas, não me deixavam com tanta raiva quanto antes. Quando fiz dezesseis ele havia me dado dois presentes, o primeiro foi uma nova carteira. Azul e preto, couro. O segundo presente ele me deu sem minha mãe ou meu avô estarem por perto. Uma revista de mulheres nuas que estava desgastada nas pontas e parecia ter sido dobrada várias vezes. Quando me recusei a aceitar ele tinha dito algo como "se viver sem isso pode apostar que não vai saber o que está perdendo". Não aceitei o presente ridículo dele, mas isso não o impediu de colocar no meu quarto mesmo assim. As piadas rolavam soltas e o pior é que só eu as entendia.

— Não era minha namorada. Era só... Uma... Amiga.

— E como é o nome dela? — Agora minha mãe apareceu, enxugava as mãos em um pano de prato. O cabelo ainda embaraçado, ainda de pijama.

— Olivia.

— Que nome lindo!

— Estamos nos atrasando. Vamos, Ian.

Abri a porta em outra tentativa de fugir. Mamãe agarrou meu cotovelo e me deu um beijo na testa, fez o mesmo com Ian e disse que agora sim poderíamos ir.

Não desperdicei nem um segundo.

— Você está namorando? — Ian perguntou quando chegamos à escola dele.

— Não. Você não tinha que ter dito aquilo ao seu pai. Sabe o que isso te torna? — Ele nega balançando a cabeça — Um X-9.

— O que é um X-9?

— Uma pessoa que dedura a outra. Você é um.

— Não sou nada!

— É sim.

— Não sou. Não sou.

Não estávamos gritando mas as pessoas, os pais e seus filhos, viraram a cabeça para ver do que estávamos conversando tanto. Vi Felipe e Pedro ali perto. Porque Otávio não está com Felipe?

Ian gritou por Felipe. Pedro me notou e sorriu para mim.

Aproximei-me deles.

— Beleza?

— Beleza.

Nunca entendi o novo conceito do oi ser vazio e o "beleza?" ser mais apropriado. Ian e Felipe correram sem dar tchau.

— Vamos?

— Ah! Claro... Eu só... Nada. Vamos logo.

Abri a porta traseira.

— Vem nessa aqui.

Não quis perguntar o porquê ele me queria ao seu lado, não parecia ser algo que eu devesse perguntar ao rapaz que está me dando uma carona sem querer nada em troca. Sentei-me no banco do carona. Enquanto Pedro acelerava eu colocava o cinto.

— Então... Você... Se mudou há muito tempo?

— Não. Mas minha tia morava naquela casa. Sandra.

— A conheço! Uma vez quebrei a janela dela jogando bola na rua, não foi agradável, mas ela é uma mulher legal.

— Então já nos vimos antes? Eu a visitava raramente...

— Pensando bem sempre que eu ia correr na rua eu via um garoto na sala dela assistindo Tom e Jerry.

— Era eu. — Rimos.

Passamos por alguns carros. Olhava pela janela na esperança de vê-lo, ou ver Olivia. Não sei por que queria vê-la, na verdade. Acho que as iniciais ainda mexem comigo e os dois têm as mesmas.

— Escuta... Você...

Esperei que sua gagueira sumisse e que sua frase fosse dita. Mas Pedro pareceu perder a coragem para o que ia dizer. Ele virou à esquerda. Parou do lado de trás da escola e vi vários alunos nesse lugar que eu nem sabia da existência, conversando, fumando e outros se agarrando.

Meu coração acelerou pela súbita mudança de rumo e de ar. Fiquei olhando para os meus joelhos com o jeans enquanto a minha bolsa estava colada a minha caixa torácica, era a única coisa que podia sentir meus batimentos. Mas duvido que Pedro não note em como estou nervoso por estar aqui.

Conto as janelas enquanto ficamos em silêncio. Doze janelas.

Conto os adolescentes que ainda ficam por ali. Oito. Nove, acabou de chegar mais um rapaz e se juntou ao grupo que estava fumando, eram três.

— Eric.

— O quê?

De surpresa Pedro me beija.

Não sei o que estava esperando, mas com certeza não era isto! A língua dele era apressada e os dentes dele... Eu conseguia senti-los no meu lábio inferior, era como dizer que um garfo estava querendo arrancar a pele dali. A boca dele tinha gosto de menta e café e por um segundo, por um mísero segundo eu pensei que era disso que eu precisava. Até eu não pensar mais e empurrá-lo para sentar de volta no banco antes que sentasse no meu colo.

Fui largado. Ofegante, ainda tentando decidir se isso aconteceu de verdade, se foi algo que eu fiz que Pedro achasse que podia me beijar, tentei racionar e duvidei até mesmo que um mais um era dois. Simplesmente não batia. Quando passei a língua pelos lábios eu senti algo mais do que minha saliva. Senti a saliva dele. O gosto de Pedro descendo goela abaixo antes que eu pensasse mais a fundo e decidisse cuspir pela janela. Encaro os meus próprios olhos pelo retrovisor. Estão grandes e posso ver lágrimas, posso senti-las no fundo da minha garganta, mesmo que eu saiba controlar meu choro é impossível fazer a vontade sumir assim tão rapidamente.

Nos Vemos à Meia-noite (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora