Capítulo Quarenta e Dois

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Li as cartas do meu avô. As devorei, na verdade. Estava chorando quando terminei, a maioria eram cartas para minha avó e ele sempre começava do mesmo jeito: Memorável Luiza...

Horas se passaram e minha cabeça ficava cada vez mais cheia, eu nem estava conseguindo me concentrar nas coisas mais básicas: controlar os soluços, parar de chorar, perceber que o sangue parou de circular nas minhas pernas pelo tanto de tempo sentado no chão ao lado da cama de Otávio.

Eu queria que ele dormisse um bocado para acordar descansado e com uma cara menos de zumbi. Queria estar aqui quando ele acordasse também. Mas está ficando tarde e minha mãe já me ligou umas cinco vezes mesmo que eu repita que estou na casa de um amigo. Esperei o relógio marcar sete da noite para poder me levantar e sair do quarto de Otávio, a casa está silenciosa, o pior silêncio que já estive... não posso acreditar que um lugar pode armazenar tantas lembranças e de repente ficar tão mórbido. A nossa primeira reunião sobre o trabalho foi nessa sala, Júlia ainda sentia uma raiva fria de mim igual aos outros, Otávio já tinha me beijado, e eu tinha certeza de que aquelas pessoas nunca seriam meus amigos, até que se tornaram.

Até que eu percebi que não posso viver sem eles.

***

Bati a porta de casa. Passei de uma casa silenciosa e triste para uma casa barulhenta e mesmo assim, triste. Minha mãe está jogada no sofá, arrumando as roupas que eram do meu avô para coloca-las em caixas. Não sei onde Robson está, ou Ian. Acho que minha mãe decidiu ficar sozinha, com eu tinha feito. Mas ela foi corajosa em abrir a porta do quarto, em abrir as janelas, de tentar se distrair. Eu só fiquei deitado esperando que aquele sentimento ruim passasse. Mas não passou ainda. Estou sentindo um aperto no peito, algo parecido com vergonha, algo parecido com dor. Algo que não sei como explicar em palavras perfeitas. E o pior é que não tem previsão para ir embora, será amanhã? Eu gostaria que fosse. Será daqui a uma semana para que dê tempo eu repensar e repensar? Sinto um nó na garganta que fica preso ali não importa o quanto eu engula em seco, está preso, minhas palavras formaram uma corrente dentro de mim e estão me colocando para baixo.

Me aproximo da minha mãe até perceber que estava do lado dela, apertando seu braço direito. Andamos chorando, nós dois, sem que víssemos um ao outro. Eu a abracei. O momento me fez lembrar de quando eu a abraçava sem motivo só porque sentia que ela precisava de um abraço meu. E eu de um abraço dela.

As mãos dela fizeram um carinho nas minhas costas e inevitavelmente eu comecei a me perguntar se iria chorar, porque se sim, queria que saísse tudo agora enquanto as mãos dela rodeiam meu corpo inteiro, agora que estamos sentindo o cheiro do vovô e eu o cheiro dela. Uma mistura de tudo, um momento perfeito para deixar minhas lágrimas caírem de uma só vez, sem vergonha, sem me importar com absolutamente nada.

Quando nos separamos eu dei a caixa do meu avô para ela. De novo, nostalgia, porque foi nessa sala que ela me deu as folhas do meu pai. Será que estou destinado a repetir certas coisas?

—Ele escreveu para a vovó. —Digo.

Minha mãe fungou e enxugou os olhos com as costas das mãos: —Vou guardar, obrigada.

—Achei que eu teria paz esse ano. —Ela disse depois de um tempo em que ficamos calados observando as peças de roupas. Eu não conseguia chorar mesmo que eu forcasse o choro, estou sem lágrimas no estoque. Vejo algumas camisas do vovô arrumadas perfeitamente no sofá, perto das calças, calções. —Era tudo o que eu queria. Paz. Mas aparentemente não tenho nenhuma.

Concordei com a cabeça.

Então de repente eu disse: —Mãe, eu preciso te contar uma coisa.

Nos Vemos à Meia-noite (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora