Capítulo Quarenta e Um

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DOIS DIAS DEPOIS

Recebi dezena de mensagens de Júlia e Raquel, elas estavam me mandando às atividades para que no semestre final eu não reprovasse. De cinquenta atividades fiz o total de zero. Mas também não fiquei só deitado, eu fingia que ia a escola, eu deixava Ian na escola dele, eu conversava no Whatsapp com meus amigos e dava bom dia a todos dentro de casa. Fiz ligações com minha tia Sandra e conversamos sobre o vovô principalmente, depois falamos sobre a vida dela e a minha e depois, sobre o vovô de novo. Qualquer coisa que eu fazia sempre voltasse para ele.

Quando uma parte muito grande da minha história sumia eu tentava catar os restos para fazê-la viva de novo; mesmo que não seja real, é bom por um tempo acreditar que realmente posso.

Durante dois dias tenho mandado mensagens para Otávio, a maioria apenas é uma palavra de duas silabas que nunca são respondidas até que eu desisti de tentar. Sim, eu já percebi o que tinha acontecido. Ele estava com raiva e magoado porque minutos antes de eu saber do vovô eu tinha considerado ficar, porque listei as coisas que me mantinha aqui, que me motivavam. Agora o quê? Otávio acredita que eu vou jogar tudo para o alto de repente... Queria que ele soubesse que não tenho cabeça para pensar em viajem, passaporte, Hollywood ou qualquer coisa que não tenha relação. Tudo o que penso são coisas ambíguas e meio nojentas que nem valem a pena serem repensadas.

Olhei para a cama do meu avô de novo. Então vi que embaixo dela estava uma coisa que eu conhecia de vista. Me aproximei sem medo, mas com tristeza, movimentos letárgicos que pareceram levar uma eternidade para se concretizarem. É a caixa de cartas que meu avô enviava para minha avó. É a primeira vez que tenho um pensamento bom: eles devem estar juntos agora, em algum lugar com algum deus fazendo alguma coisa.

Meu avô escondeu as cartas como eu escondi as folhas do meu pai. Será que meu pai, meu avô e minha avó estão me olhando nesse momento? Se sim, eu gostaria de saber o quê, ou se me perdoavam por eu não ter me despedido de nenhum deles adequadamente.

O papel estava amarelado e meio mofado, algumas manchas amarelas e outras verdes nas pontas que já estavam ferradas. Então de repente voltei no tempo de novo, com as cartas do meu pai e soube exatamente o que eu tinha de fazer.

Bati à porta de Otávio e esperei por alguns minutos torturantes. Tive vontade de bater palmas ou gritar o nome dele, mas bater pareceu melhor, menos desesperado do que eu realmente estava. A caixa de cartas está na minhas mãos e através do balançar desajeitado é possível perceber de longe que estou tremendo. O suor frio escorre pela minha testa pela demora, e se ele não estiver em casa? Deixo uma das mãos livres para bater à porta mais uma vez quando escuto ruídos vindo de dentro da casa de Otávio e assim sei que ele está em casa.

— Otávio? É Eric.

— Eu sei. — A voz dele está embargada como se tivesse uma coisa na garganta que o impedisse de falar.

— Escuta, eu... Achei uma coisa do meu avô e queria que você me ajudasse, é como as folhas do meu pai e não tenho coragem nenhuma de abrir e ler tudo sozinho. Pensei que você iria querer fazer como daquela vez...

— Não posso. — Ele me interrompeu, curto e grosso, fazendo com que eu escolhesse os ombros e pensasse: Essa é a voz que você usa quando uma criança chata está perturbando seu juízo.

Não dei um passo para trás. Não falei mais nada; mas eu queria, entretanto.

Havia uma série de coisas que eu queria falar e não conseguia, aposto que quando desisto de falar algo essa palavra cria raiz na minha alma e fica latejando em um momento ou outro. Agora. Amanhã. Ontem também.

— Otávio eu... Não quero fazer isso sozinho.

— Eu não quero fazer isso.

— O que está acontecendo?

Nos Vemos à Meia-noite (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora