Capítulo Vinte e Seis

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Minha mãe trabalha aos domingos então estamos apenas Robson, Ian e meu avô e eu em casa. Demorei na cama por alguns minutos para reaquecer o plano na minha cabeça: poderia ser quando Ian estivesse no videogame ou na piscina, quando vovô desse seu cochilo à tarde depois do almoço. Tinha que ser hoje.

Fiz duas torradas e coloquei café em uma xicara, fui para a sala e comecei a assistir desenho com Ian enquanto não via Robson. Lembrar do que aconteceu de madrugada me deixa enjoado, é quase impossível não pensar, não repensar no que ele tinha feito há sei lá quantos dias e continuar a mentir tão bem. Sempre achei que se algo desse tipo acontecesse eu saberia, iria conseguir ver o incômodo no rosto dele ou seu asco quando minha mãe lhe tocasse o ombro, mas não. Ele sorria, fazia aquelas piadinhas ridículas que só ele ria, mentia e ainda mais do tudo isso, estava bem. Sem nenhum peso na consciência. Desde que fechei os olhos venho me perguntando qual o proposito da traição, se é que existe algum: as pessoas traem porque estão entediadas, era isso? Então porque não iam ler, ou assistir a um filme, não é para isso que existem? Talvez a compreensão esteja além do que eu possa pensar, e tudo que consigo pensar é no que quero fazer agora com Robson quando o vir. Vou chama-lo para conversar como em qualquer dia, com a voz amena direi o que vi e pedirei a verdade sobre meu pai e onde ele está agora. Não posso meter Otávio nisso, se ele me perguntasse o que eu estava fazendo do lado de fora, direi que escutei um barulho e vim conferir, me escondi antes que me visse. Só isso.

Aperto a xicara na minha mão e sinto o calor do café na minha palma, começa a doer, mas não me importo. Não consigo prestar atenção em muita coisa, senti como se fosse desmaiar e isso só piorou quando o vi atravessar a porta. Não estava dormindo como achei que estivesse —imaginei que fosse ficar de ressaca.

—Oi. —Digo.

A palavra pesou no ar e mesmo assim me recusei a curvar os ombros. Tenho medo de demonstrar qualquer sinal de culpa a qualquer momento. De qualquer jeito, Robson nem mesmo olhou para mim. Foi direto para a cozinha que agora não tinha mais a mesa, jantávamos na sala ou no chão. Engoli o que sobrou do café e fui à cozinha também. Joguei a xicara na pia e o encontrei olhando a geladeira, ele ficou assim por longos minutos. Então decidi falar.

—Vi o que você vez. Ontem.

—Fiz muitas coisas ontem, Eric. Você não devia estar na escola?

—Hoje é domingo.

Ele grunhiu algo. Possivelmente um palavrão, eu já morava com Robson há bastante tempo para saber que a cada dez palavras, metade seria palavrões.

—Vi você saindo da casa da mãe do amigo de Ian. De madrugada.

Robson continua olhando para a geladeira. Me pergunto se ele acha que o leite vai explodir a qualquer momento se continuar a encará-lo. De repente uma risada astuta, quase histérica logo depois. Espero que a crise de riso dele passe para que uma resposta, nojenta o bastante para me fazer curvar, viesse.

—Fui concertar o cano da pia dela.

Bloqueei a cena antes mesmo que ela viesse à mente.

—Vou contar a minha mãe.

—Vou dizer que é mentira.

—Ela vai acreditar em mim. Sou filho dela.

Com rudez Robson bate a porta da geladeira e escuto as garrafas d'água batendo em um barulho horrível. Fico ereto como uma vassoura, quieto. As narinas dele estão dilatadas e o suor se forma nas têmporas. Não posso fugir agora mesmo se quisesse, agora eu sentia uma mistura de medo e satisfação e ambas por conseguir a atenção dele. Deu certo.

—Sua mãe está tão P da vida com você que qualquer coisa que disser vai entrar por um ouvido e sair pelo outro, Eric. Não me venha tentar bancar o sabichão porque não gosto de ser ignorante com você, então volte para o sofá o vá arranjar algo para fazer.

Nos Vemos à Meia-noite (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora